Por Redação - 21/10/2015
O Empório do Direito agora conta com uma coluna para tratar de assuntos do universo feminista, intitulada Feminismos, que será conduzida pelas autoras Aline Gostinski, Fernanda Martins, Natasha Karenina, Patrícia Cordeiro, Thayla Fernandes e Vitória Buzzi. A coluna é publicada nas quintas-feiras, e como disse Fernanda Martins: "quintas-dia-de-falar-de-feminismos-feiras".
Na entrevista abaixo, as autoras falam um pouco de suas vidas profissionais e contam como surgiu a ideia de escrever esta coluna:
Falem sobre vocês, como foram suas trajetórias profissionais.
Fernanda Martins: Hoje sou professora em Direito na Universidade do Vale do Itajaí e professora substituta em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina. No entanto, sou graduada também em história pela Universidade Federal de Santa Catarina e foi durante esse período que tive meu primeiro contato com a discussão de gênero. Minha pesquisa, realizada para o trabalho de conclusão do curso em História, foi construída no sentido de questionar os discursos judiciais sobre a mulher nos crimes de infanticídio, e tal análise foi elaborada a partir de uma teoria criminológica dotada ainda de pouco conhecimento. Contudo, após formada em direito e em história, realizei mestrado na área de Teoria, Filosofia e História do Direito no Programa de Pós-Graduação em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, sob orientação da profa. Dra. Vera de Andrade e foi durante esse período que desconstruí alguns paradigmas e fortaleci outros que já se apresentavam como perspectivas necessárias de aprimoramento. A partir dessa revisão contínua de construções e desconstruções, é que hoje trabalho com a criminologia crítica como minha principal fonte de olhar o mundo e, mais especificamente, discutir os marcos da opressão e da violência material e simbólica na/da realidade brasileira.
Natasha Karenina: Desde que entrei na graduação no curso de Direito na Universidade Federal do Piauí, voltei minhas atividades de pesquisa e extensão para a área dos Direitos Humanos e de temas afins (assessoria jurídica universitária popular, feminismo, vegetarianismo e direito dos animais, movimento estudantil, etc). Sou mestre em Direito e Relações Internacionais pela UFSC na área de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Fiz um estágio na Comissão Interamericana de Direitos Humanos e agora sou professora de graduação em Direito. Atualmente faço parte de um grupo de trabalho que assessora uma comunidade tradicional de Teresina que reivindica a permanência em suas casas frente a possibilidade abusiva de remoção.
Patrícia Cordeiro: Sou graduanda em Direito e Comunicação Social – Jornalismo. Administro juntamente com Aline Passos, Thayla Fernandes e Gabrielle Stricker, a página Mulheres Abolicionistas, que traz o seguinte questionamento: “E se você não tivesse que escolher entre feminismo e abolicionismo?” A proposta da página é trabalhar feminismos longe da ótica punitiva, que por motivos consumidos pela história sempre se mostrou ampliadora de danos. Me identifico com anarquismo e abolicionismo. Por isso, sou contra toda e qualquer prisão, inclusive de amor. Pesquiso sobre linguagem, análise do discurso, comunicação, abolicionismos e feminismos.
Thayla Fernandes: Honestamente, fui pega de surpresa pela vontade de fazer Direito. Sempre tive interesse por muitas coisas, e costumava ver prevalecer o interesse pelas artes, pela fotografia, pela literatura, pelos idiomas. Mas, por algum estranho impulso, talvez pela mania de contestar muito as coisas, talvez pela sempre presente vontade de ajudar as pessoas, quando me vi já estava lá, cursando Direito na Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Não me arrependo desta opção, mas isto não significa que eu não tenha me frustrado em diversos momentos, tanto como estudante quanto hoje como profissional. E confesso que sou estranhamente feliz por cada um dos incômodos que senti. Em meio a eles optei por seguir mais firmemente naquilo que mais me provocava: a Sociologia. Quando no quarto período do curso de Direito, entrei também no curso de Ciências Sociais na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e passei a cursar as duas graduações simultaneamente, ambas agora já concluídas.
No meio desta mistura me enveredei mais propriamente para as reflexões sobre criminalidade e violência e, aos poucos, ao amadurecer tudo isto, me percebi abolicionista, anti-penalista. Hoje trabalho como advogada, especialmente na área criminal, atuo na Comissão de Direitos Humanos e na Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB/ES, ajudei a fundar o recém criado Instituto Capixaba de Criminologia e Estudos Penais (ICCEP) e faço pós-graduação em Direito Penal e Criminologia pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal (ICPC). Pretendo seguir em um mestrado e um doutorado e em breve colocar em prática, de fato, o meu sonho de ser professora. De qualquer forma, no fundo (na verdade bem no raso), ainda me percebo, ou quero me perceber, extremamente conectada com os universos das artes.
Vitória Buzzi: Sou Vitória, bacharela em Direito pela UFSC, pesquisadora e feminista (sempre em construção).
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Como surgiu a ideia de escrever em parceria a coluna "Feminismos" para o Empório.
Fernanda Martins: A partir de amizades que se estabelecem e se fortalecem na cumplicidade de relações entre mulheres que buscam uma sociedade mais igualitária e solidária, tive o prazer de constituir relações que me permitiram questionar os "papéis" das mulheres na sociedade em que vivemos. Pensando em como podíamos realizar algo que saísse das nossas discussões interpessoais, pensamos na coluna, no plural, exatamente para representar um pouco da realidade de cada mulher que vive e resiste na sociedade patriarcal. Portanto, pensar a plurissubjetividade permite alcançarmos um diálogo com distintas pessoas que talvez enfrentem as mesmas questões do cotidiano que nós enfrentamos, que talvez tenham os mesmos anseios e dividam as mesmas dúvidas. A parceria de escrever surge da ideia e da motivação da parceria em viver melhor, mais unidas e empoderadas.
Natasha Karenina: Recebi um convite da linda Fernanda Martins, companheira de mestrado em Direito na UFSC e amiga da/na vida. O engraçado é que mesmo antes do convite dela, eu já vinha pensado em escrever sobre feminismo, então o convite não poderia ter vindo em momento mais oportuno!
Patrícia Cordeiro: Faz algum tempo que estou planejando organizar um livro que trate sobre feminismos e abolicionismos. Infelizmente é comum ver alguns feminismos apostando na punição como forma de proteger a mulher. Entretanto, não é possível confiar no sistema penal e legitimá-lo ainda mais. O direito penal de forma alguma protege ou protegeu a mulher ao longo da história. E, em alguma instância, a resposta punitiva funciona como um “cala a boca” para as vítimas, que passam a confiar em um sistema de produção de sofrimento estéril e nonsense. O Direito Penal se apresenta como o néctar dos deuses, a solução entre as soluções, sinônimo de segurança e tranquilidade. Todavia, o confronto com os efeitos que causa, denotam a carência de sentido.
O convite do Empório do Direito veio ao encontro com essas ideias já construídas há um certo tempo. De modo que, será extremamente proveitoso ter esse espaço para debater, conhecer e aprender com as interações. Um espaço de construção e desconstrução. Escreverei com Guilherme Moreira Pires (parte da equipe do Empório do Direito), abolicionista e anarquista, que possui livros e textos bem importantes dentro do que estudo, pesquiso e reflito, de modo que desejamos considerar a complexidade de abolicionismos, anarquismos e feminismos no decorrer dessa coluna, suscitando reflexões críticas libertárias.
Thayla Fernandes: De um tempo pra cá meu interesse na temática do gênero, sexualidade e feminismos aumentou consideravelmente, e passei a acompanhar mais o trabalho de coletivos e movimentos sociais dentro destes campos. Hoje estes são, sem dúvidas, alguns dos temas que mais me instigam, e sobre os quais mais tenho questionamentos. Tudo isto se relaciona com o fato de nos descobrirmos como mulheres, de compreendermos dificuldades e potências próprias nossas, e até mesmo com situações de violência de gênero que porventura vivenciamos ou acompanhamos.
Além disto, na nossa prática no campo jurídico, nos assumirmos como criminalistas é assumirmos o fato de que entraremos em um espaço majoritariamente composto por homens, de que nos jogaremos em espaços que, como sempre costumamos ouvir, "são coisa de macho", e a partir destas experiências já surgem muitos incômodos que nos motivam a refletir e produzir. Quando observamos, ainda, o quanto o sistema de justiça criminal e a política criminal e penitenciária brasileira como um todo reproduzem lógicas machistas, que excluem e oprimem mulheres e perpetuam violências próprias da lógica criminalizante-punitivista, novamente, somos motivadas a nos colocarmos contra isto de alguma forma, inclusive escrevendo, produzindo.
Neste ano tive a felicidade de finalmente encontrar mulheres com as quais eu pude compartilhar reflexões que relacionavam críticas propostas pela criminologia crítica e abolicionista com algumas críticas propostas pelos feminismos e pelos campos do gênero e da sexualidade e comecei a construir algo mais sólido neste sentido. Cito, em especial, a Aline Passos, a Patrícia Cordeiro e a Gabrielle Stricker, companheiras com as quais modero a página "Mulheres Abolicionistas" no facebook, que muito me motivam e ensinam. A nossa proposta, a partir da página, é a de compartilhar e produzir conteúdo relacionando estes campos e, aos poucos, estamos colocando isto em prática. A oportunidade cedida pelo Empório será um grande passo.
Vitória Buzzi: Observamos que em outras áreas das ciências humanas, a discussão em torno dos estudos de gênero caminha muito bem. Encontramos grupos de estudos, seminários e matérias ministradas sobre o tema. No Direito, por outro lado, esta parece ser mais uma pauta social esquecida. Desta necessidade em discutir feminismos dentro da nossa área, e também da vontade em apresentar este tema para nossas e nossos colegas, surgiu a ideia de escrevermos uma coluna semanal para o Empório.
Quais temas serão abordados na coluna?
Fernanda Martins: Cotidiano, criminologia, direito, feminismos e docência.
Natasha Karenina: Feminismo(s), negritude(s), direitos humanos.
Patrícia Cordeiro: Os temas abordados serão: feminismos, abolicionismos, anarquismos e análise do discurso. Anarquismos e abolicionismos incentivam o exercício de liberdades e as relações horizontais. Energia que instiga o inaugural, a reinvenção das relações e percursos. Longe do fascínio doentio à lei, não aposta no aprimoramento de celas, prisões e campos de torturas, mas acredita no aprimoramento de seres humanos, que jamais será realizado através da privação de liberdade.
Thayla Fernandes: Abordaremos temas relativos à gênero, sexualidade, feminismos e movimentos sociais, preponderantemente postos em diálogo com reflexões da criminologia.
Vitória Buzzi: A coluna será bem plural – somos em várias autoras, e pretendemos desde apresentar os feminismos para quem nunca ouviu falar sobre gênero até compartilhar assuntos relevantes e importantes para as/os colegas feministas já militantes da área. A intenção é que construamos, juntas, as conexões entre feminismos e direito.
Quais as motivações para escrever sobre este tema?
Natasha Karenina: A classe trabalhadora e os movimentos sociais vêm sofrido muitas perdas no que tange a direitos nos últimos anos. É necessário, nesse sentido, que consigamos nos fortalecer para não sofrer ainda mais reduções. Esse fortalecimento enquanto classe e enquanto movimento necessita de conhecimento e empoderamento. No que tange às mulheres e, principalmente as negras, essas necessidades se destacam uma vez que esta classe tem sofrido pessoal histórica, social e politicamente muitas violações aos seus direitos e às suas subjetividades. Enquanto mulher negra, sinto a necessidade de me empoderar e de ajudar mais mulheres neste processo.
Patrícia Cordeiro: É notável que grande parte dos feminismos apostam na punição como forma de solucionar conflitos, ainda que a punição não traga nada de positivo. A punição serve de engodo, que em última instância representa um “cale-se”, inclusive – e principalmente – para a dor da vítima. Se o máximo que o sistema repressivo pode fazer por quem sofreu algum dano, é aplicar dor e sofrimento estéril em quem produziu, o tornando ainda pior do que era antes de receber a pena, fica claro que não há nenhuma utilidade benéfica na punição.
É natural que os grupos que se sentem oprimidos peçam a criminalização de condutas. Natural, porque é prioritariamente na linguagem punitiva que são adestrados. Aprendem e se tornam essa linguagem. A sociedade anseia por respostas humanas e reais, no entanto, fora apresentada desde à linguagem da punição, fora bombardeada por ela, de forma que, recortada e seduzida, busca dentro do sistema penal proteção.
Não encontrando, segue nessa aposta insana por mais repressão, que contribui na própria construção da violência. É uma sociedade que sofre, e por não saber por que sofre, faz sofrer. Não se pode esquecer que a indústria do medo se alimenta da dor humana. Neste sentido a discussão sobre a construção e desconstrução de linguagens é ponto chave, para que na hora de pressionar o Estado, os pedidos mudem, e a chamada "vítima" passe a ter voz e vez.
Vitória Buzzi: Cansamos de ser minoria política em ambientes jurídicos dominantemente masculinos. No Direito, ser mulher e conquistar o espaço físico da universidade ou do ambiente de trabalho não significa que estejamos sendo ouvidas, consideradas e respeitadas. Estamos aqui pra ocupar, literal e simbolicamente, este espaço de produção e discussão intelectual. Queremos falar sobre pautas feministas no ambiente jurídico, que ainda parece muito alheio a toda essa discussão.