Questão que gera polêmica entre os operadores do Direito Penal do Trabalho é saber se constitui crime a ausência de anotação do registro do empregado na Carteira de Trabalho.
Em tempos de crise econômica e de acentuados índices de desemprego, em que o trabalho informal ganha terreno, impulsionado inclusive pelo alto custo de contratação formal e manutenção do empregado, principalmente em razão do montante excessivo de encargos sociais que sufoca a economia, seria razoável incriminar o empregador que não registra o empregado?
Parcela considerável da doutrina pátria tem entendido que a omissão do empregador em proceder à anotação do registro do empregado na Carteira de Trabalho, nos moldes do que dispõem os arts. 41 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho, configura o crime previsto no art. 297, § 4º, do Código Penal, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 9.983/2000.
Essa, inclusive, é a nossa posição, que vem estampada na obra Direito Penal do Trabalho, da Editora Saraiva, em que esgotamos os temas relacionados a esse recente ramo do direito denominado Direito Penal do Trabalho, cada vez mais presente no cenário jurídico nacional.
Tanto nos concursos públicos na área trabalhista como nas lides judiciais, o Direito Penal do Trabalho vem ganhando vulto como ramo do Direito Penal que se ocupa da análise dos crimes oriundos das relações de trabalho, de qualquer natureza, incluídos os crimes contra a organização do trabalho, os crimes previdenciários, alguns crimes contra a liberdade individual, contra o patrimônio e contra a fé pública.
Efetivamente, dispõe o art. 297, § 4º, do Código Penal, que incide nas penas de reclusão de 2 (dois) e 6 (seis) anos, e multa, quem omite, na folha de pagamento ou em documento de informação que seja destinado a fazer prova perante a previdência social, ou na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado ou em documento que deva produzir efeito perante a Previdência social, “nome do segurado e deus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho, ou de prestação de serviços”.
Assim, ao omitir, na Carteira de Trabalho, “a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou a prestação de serviços”, o empregador, dolosamente, deixa de proceder à anotação do registro respectivo, estando, portanto, configurado o crime em comento.
É que o art. 29, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho estabelece os dados que devem constar do registro na Carteira de Trabalho, dados esses selecionados pelo legislador penal para a configuração do crime:
“Art. 29. A Carteira de Trabalho e Previdência Social será obrigatoriamente apresentada, contra recibo, pelo trabalhador ao empregador que o admitir, o qual terá o prazo de 48 horas para nela anotar, especificamente, a data de admissão, a remuneração e as condições especiais, se houver, sendo facultada a adoção de sistema manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho”.
Assim, deixando o empregador de anotar na Carteira de Trabalho “a data de admissão e a remuneração do empregado”, está configurado o crime do art. 297, § 4º, do Código Penal, independentemente de outro resultado ou de prejuízo à Previdência Social ou ao empregado, já que se trata de delito formal.
Posições respeitáveis em contrário, entretanto, existem (como a do ilustre penalista Damásio de Jesus em Deixar de registrar empregado não é crime. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, abr. 2002, disponível em www.damasio.com.br/novo/html/frame_artigos.htm), entendendo que a alteração sofrida pelo art. 297 do Código Penal, com a inclusão feita pela Lei n. 9.983/00, não tem o condão de inserir no rol de comportamentos típicos a omissão de anotação de novo contrato de trabalho.
De todo modo, configurado o crime, a competência para seu processo e julgamento é da Justiça Estadual.
Isso porque, consumando-se o delito com a mera inserção de dados falsos ou com a mera omissão de anotação (crime formal), não se verifica necessariamente prejuízo à Previdência Social, não se tratando, portanto, de “infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas” (art. 190, IV, da CF).
Nesse sentido a Súmula 62 do STJ: “Compete à Justiça Estadual processar e julgar o crime de falsa anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, atribuído a empresa privada”.
Na jurisprudência, merece ser ressaltado:
“A falsificação de carteira profissional, com o único intuito de ocultar a identidade do agente, não altera bens ou interesses da União, sendo competente, portanto, a Justiça Estadual para o julgamento e processamento do feito, pois o fato de tratar-se de documento expedido do funcionário público federal não é o bastante para atrair a competência da Justiça Federal” (TJRJ, RT, 758/633).
“Em havendo simples alteração da carteira de trabalho legítima, para o seu uso na prática de outros crimes, a competência estabelecer-se-á pela pessoa do sujeito passivo” (TJSP, RT, 509/354).
“Se a falsidade praticada pelo agente foi praticada perante a autoridade estadual e em detrimento de serviço do Estado-membro, compete à Justiça local processar e julgar a ação respectiva” (STF, RTJ, 66/384).
“Não sofrendo o serviço público federal qualquer dano patrimonial, nem seus interesses ou serviços, pelo fato de o réu, com falsa identidade e usando documentos falsos de terceiros ter efetuado saques em contas do FGTS, arcando o estabelecimento bancário com a totalidade do prejuízo, não será o simples interesse abstrato da União na proteção da fé pública que acarretará a competência da Justiça Federal, a pretexto de se considerar caracterizada a hipótese de crime cometido em detrimento de ‘interesses’ da mesma. Se assim se pensasse, seria inarredável que todos os ‘crimina falsi’ pertenceriam à esfera de competência da Justiça Federal, pois todos são lesivos à fé pública, ainda quando incidam, v.g. sobre documento particular” (TJSP, RT, 628/304).
No mesmo sentido já decidiu a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, que, no julgamento do Conflito de Competência 99451, entendeu que a conduta ora analisada efetivamente constitui crime, sendo, nessa situação, o primeiro prejudicado o trabalhador e não a Previdência Social.
Tudo Isso sem mencionar a incidência do art. 337-A do Código Penal, uma vez que a ausência de registro do empregado na Carteira de Trabalho ocasiona, por consequência, o não recolhimento das contribuições previdenciárias devidas, tipificando o delito de sonegação de contribuição previdenciária.
Ademais, ao julgar procedente reclamação trabalhista, ou ao homologar acordo, em que se discuta o reconhecimento do vínculo empregatício, constitui obrigação legal do Juiz do Trabalho, por força do disposto no art. 40 do Código de Processo Penal, a comunicação do fato (ausência de registro na CTPS e sonegação de contribuição previdenciária) ao Ministério Público, já que se tratam de crimes de ação penal pública.
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