Nesta época de pandemia da COVID-19, tem sido largamente propalado pela comunidade médica e da saúde em geral, que uma das formas mais eficazes de se evitar o contágio do novo coronavírus é utilizar álcool gel para a esterilização das mãos, superfícies de contato humano e objetos de uso pessoal.
Nesse aspecto, para ter eficácia no combate ao novo coronavírus, o álcool deve ter, no mínimo, a concentração de 70°. O álcool 70 (álcool etílico hidratado 70° INPM) é um desinfetante de média ou baixa eficiência que contém álcool etílico e água (deionizada), ou seja, uma solução aquosa de álcool. A quantidade de álcool pode ser avaliada segundo a fração em volume ou a fração em massa. O grau GL (°GL) é a fração em volume ou percentual em volume (%v) e o grau INPM é a fração ou percentual em massa ou em peso (%p). Como é sabido, GL é a sigla representativa de Gay Lussac (químico e físico francês) e INPM é a sigla de Instituto Nacional de Pesos e Medidas.
Nesse cenário de pandemia, as polícias de vários estados vêm registrando diversas apreensões de álcool gel falsificado ou adulterado, ensejando a retirada do mercado de milhares de frascos do produto que não atendem às especificações legais, sem qualquer controle de qualidade ou autorização da ANVISA. Sim, porque cabe à ANVISA a autorização para a fabricação de álcool gel no Brasil, concedendo o respectivo registro após criteriosa análise técnica.
Mas, afinal, qual o crime que comete aquele que fabrica ou produz o álcool gel falsificado ou alterado? E aquele que comercializa ou expõe à venda o produto nessas condições?
Prevista no art. 273 do Código Penal, e classificada como crime hediondo pelo art. 1º da Lei n. 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), a falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais tem como objetividade jurídica a tutela da saúde pública.
O art. 273, sob o “nomen juris” de “falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais” teve sua redação alterada pela Lei n. 9.677, de 2 de julho de 1998. A pena, que era anteriormente de reclusão de 1 a 3 anos e multa, passou a ser de reclusão de 10 a 15 anos e multa!
Sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa, não se exigindo necessariamente que seja o produtor ou o comerciante do produto. Sujeito passivo é a coletividade.
A conduta típica vem caracterizada pelos verbos “falsificar” (alterar por meio de fraude), “corromper” (adulterar, viciar, perverter, estragar), “adulterar” (alterar, mudar) e “alterar” (modificar, mudar).
O objeto material do crime é produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (adequado para o tratamento e a cura de enfermidades), além dos medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico, incluídos por força do § 1º-A do art. 273 do Código Penal.
Trata-se de crime doloso, cuja consumação ocorre com a prática de qualquer das modalidades de conduta, independentemente da ocorrência de perigo efetivo ou qualquer outro resultado. Trata-se de crime de perigo abstrato.
O álcool gel se inclui na categoria de “saneantes”, prevista no § 1º-A, que diz: “Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico.”
Saneantes são substâncias ou preparações destinadas à higienização, desinfecção ou desinfestação domiciliar, em ambientes coletivos e/ou públicos e no tratamento de água. No § 1º do art. 273 do Código Penal também foram tipificadas condutas que se equiparam às do “caput” para finalidade de punição.
Nesse sentido, a importação, venda, exposição à venda, depósito para vender, distribuição ou entrega do produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado já consuma o delito, desde que tenha o agente a consciência dessa avaria.
Portanto, aquele que vende o álcool gel falsificado, ou que o expõe à venda, ou o tem em depósito para vender, está também incurso no mesmo crime, estando sujeito à pena de reclusão de 10 a 15 anos e multa.
A teor do disposto no § 1º-B do art. 273 do Código Penal, está sujeito às mesmas penas quem pratica alguma das condutas acima mencionadas em relação a produtos em qualquer das seguintes condições: a) sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente; b) em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior; c) sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização; d) com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade; e) de procedência ignorada; f) adquiridos de estabelecimentos sem licença da autoridade sanitária competente.
Também nesses casos o crime se consuma com a prática de uma das condutas mencionadas, independentemente de qualquer outro resultado (dano ou perigo concreto). Trata-se de crime de perigo abstrato.
Por fim, a forma culposa do crime também foi prevista no § 2º do art. 273 do Código Penal, configurando-se quando o agente pratica qualquer das modalidades de conduta acima mencionadas, por imprudência, negligência ou imperícia. Daí, portanto, a importância de atentar o comerciante para a origem dos produtos, no caso, do álcool gel, que vende ou expõe à venda em seu estabelecimento comercial.
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