EXIGÊNCIA DE CHEQUE CAUÇÃO POR HOSPITAIS PARTICULARES – DANO MORAL

06/05/2021

A exigência de cheque caução para atendimento emergencial é uma prática muito comum em diversos hospitais particulares pelo país afora, gerando inúmeros transtornos e constrangimentos em familiares e responsáveis por pacientes que se encontram em situação de vulnerabilidade e de coação psicológica. Geralmente, as justificativas das instituições de saúde para a exigência indevida vão desde a não cobertura do procedimento de urgência ou emergência até a alegação de que o plano de saúde ainda não havia autorizado a sua realização.

O Superior Tribunal de Justiça, em diversos precedentes, vem entendendo que a exigência de cheque caução por hospitais particulares para o atendimento emergencial gera dano moral indenizável, além de constituir crime previsto no art. 135-A do Código Penal.

Em caso relatado pelo Ministro Villas Bôas Cueva (AgInt no AREsp 1.569.918/CE, publicado no DJe em 19/06/2020) a Terceira Turma se posicionou no aspecto de que "o entendimento do STJ é no sentido de que gera dano moral indenizável a conduta do hospital que exige cheque caução para o atendimento emergencial de familiar, pois evidenciada a situação de vulnerabilidade do consumidor submetido a coação psicológica.”

Em outro julgado semelhante (AgInt no REsp 1780387/RJ, publicado no DJe em 05/11/2019), o Ministro Luis Felipe Salomão, da Quarta Turma, aduziu que “esta Corte  Superior perfilha o entendimento de que, mesmo antes do advento da Lei n. 12.653/2012, em se tratando de atendimento médico emergencial, é dever do  estabelecimento hospitalar,  sob  pena  de  responsabilização  cível  e criminal, da sociedade  empresária  e  prepostos,  prestar  o  pronto atendimento médico-hospitalar, independentemente do caucionamento.” Em outro ponto do acórdão, o Ministro ressalta que “de acordo com a jurisprudência do STJ, somente em caso de urgência ou emergência é que seria possível falar-se em dano moral compensável em virtude da exigência de prévio caucionamento para atendimento médico-hospitalar".

No mesmo sentido foi o teor do julgamento de outra hipótese análoga, em que o Ministro Raul Araújo, da Quarta Turma, pontuou que “segundo o entendimento desta Corte de Justiça, enseja dano moral a conduta do hospital, atualmente tipificada como crime, que exige cheque caução para o atendimento emergencial de familiar, pois evidenciada a situação de vulnerabilidade do consumidor, que teve sua manifestação de vontade submetida a coação psicológica.”

No âmbito criminal, já tivemos oportunidade de escrever sobre o assunto em artigo anterior, nesta coluna, quando ressaltamos que, de acordo com o que dispõe o art. 135-A do Código Penal, aquele que exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial, fica sujeito a uma pena de detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa, pena essa aumentada até o dobro se da negativa de atendimento resulta lesão corporal de natureza grave, e até o triplo se resulta a morte.

Assim é que o crime de condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial foi introduzido no Código Penal pela Lei n. 12.653/2012, tendo como objetividade jurídica a proteção da vida e da saúde da pessoa por meio da tutela da segurança individual, no aspecto do pronto atendimento médico-hospitalar emergencial.

Importante ressaltar, nesse aspecto, que o sujeito ativo somente pode ser a pessoa que, de qualquer modo, exerça o controle prévio do atendimento médico-hospitalar emergencial. Portanto, pode ser funcionário, empregado, representante, atendente, médico, enfermeiro ou auxiliar, ou a qualquer outro título representar, na qualidade de preposto, a entidade de atendimento médico-hospitalar emergencial (hospitais, clínicas, casas de saúde, unidades de saúde, públicas ou particulares). Podem ser sujeitos ativos também os diretores, administradores e funcionários em geral de empresas operadoras de planos de saúde.

O sujeito passivo, a vítima, é a pessoa que se encontra necessitando de atendimento médico-hospitalar emergencial. Pode ser sujeito passivo também a pessoa a quem seja feita a exigência indevida, ainda que não seja o paciente, como no caso de cônjuges, ascendentes, descendentes, parentes em geral ou, ainda, qualquer pessoa que esteja acompanhando o paciente e a quem tenha sido feita a exigência indevida.

A Lei n. 12.653/12 ainda determina, em seu art. 2º, que o estabelecimento de saúde que realize atendimento médico-hospitalar emergencial fica obrigado a afixar, em local visível, cartaz ou equivalente, com a informação sobre o crime e sua conduta.

No mesmo sentido, a Resolução Normativa (RN) n. 44/03 da Agência Nacional de Saúde – ANS, que, em seu artigo 1º, veda, em qualquer situação, a exigência, por parte dos prestadores de serviços contratados, credenciados, cooperados ou referenciados das Operadoras de Planos de Assistência à Saúde e Seguradoras Especializadas em Saúde, de caução, depósito de qualquer natureza, nota promissória ou quaisquer outros títulos de crédito, no ato ou anteriormente à prestação do serviço.

É mister observar, entretanto, que a norma penal do art. 135-A se refere tão somente a situação de emergência, já que emprega a expressão “atendimento médico-hospitalar emergencial”.

A propósito, a Portaria nº 354/14, do Ministério da Saúde, no item 2 de seu Anexo, diferencia “emergência” de “urgência”, assim dispondo:

“Emergência: Constatação médica de condições de agravo a saúde que impliquem sofrimento intenso ou risco iminente de morte, exigindo, portanto, tratamento médico imediato.”

“Urgência: Ocorrência imprevista de agravo a saúde com ou sem risco potencial a vida, cujo portador necessita de assistência médica imediata.”

Vale ressaltar, entretanto, que o Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido, em alguns julgados, a existência de dano moral indenizável tanto nas hipóteses de emergência quanto nas hipóteses de urgência, equiparando as duas modalidades de atendimento como passíveis da indevida exigência de cheque caução geradora do agravo.

Por fim, merecem destaque as mesmas ressalvas que já fizemos em nosso artigo anterior sobre o assunto, no sentido de que a entidade de atendimento médico-hospitalar privada deve prestar o atendimento imediato, dispensando o tratamento necessário ao paciente, até mesmo em observância ao princípio da boa-fé contratual. Entretanto, cessada a situação emergencial, a entidade tem todo o direito de exigir o pagamento devido, recebendo a contraprestação financeira pelos serviços prestados, inexistindo mácula à obrigação de pagamento pelo que foi despendido.

 

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