ESTATUTO DA PESSOA COM CÂNCER – A NOVA LEI 14.238/21

02/12/2021

Sancionada pelo Presidente da República e publicada no DOU em 22.11.2021, a Lei n. 14.238/21 institui o Estatuto da Pessoa com Câncer, destinado a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o acesso ao tratamento adequado e o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais da pessoa com câncer, com vistas a garantir o respeito à dignidade, à cidadania e à sua inclusão social. Além disso, a lei estabelece princípios e objetivos essenciais à proteção dos direitos da pessoa com câncer e à efetivação de políticas públicas de prevenção e combate ao câncer.

É de se louvar a iniciativa legislativa, que determina a proteção integral à pessoa com câncer, incluindo-a na tutela dos vulneráveis, merecedora de atenção e cuidados diferenciados por parte do poder público, sendo ela titular de direitos fundamentais estabelecidos na própria lei, sem prejuízo daqueles já colacionados na Constituição Federal.

Efetivamente, o estatuto prescreve que é dever da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar à pessoa com câncer, prioritariamente, a plena efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à assistência social e jurídica, à convivência familiar e comunitária, entre outros decorrentes da Constituição Federal e das leis. Além do mais, nenhuma pessoa com câncer poderá ser objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação ou violência, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei. Esclarece, ainda, o estatuto que se considera discriminação qualquer distinção, restrição ou exclusão em razão da doença, mediante ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, de impedir ou de anular o reconhecimento dos direitos assegurados na lei, impondo o dever a todo cidadão de comunicar à autoridade competente qualquer forma de violação à recente normativa que tenha testemunhado ou de que tenha conhecimento.

Vale ressaltar que, para os efeitos da lei, considera-se pessoa com câncer aquela que tenha o regular diagnóstico, nos termos de relatório elaborado por médico devidamente inscrito no conselho profissional, acompanhado pelos laudos e exames diagnósticos complementares necessários para a correta caracterização da doença.

Um dos pontos interessantes da nova Lei n. 14.238/21 foi justamente estabelecer princípios essenciais à proteção da pessoa com câncer, quais sejam o respeito à dignidade da pessoa humana, à igualdade, à não discriminação e à autonomia individual; o acesso universal e equânime ao tratamento adequado; o diagnóstico precoce; o estímulo à prevenção; a informação clara e confiável sobre a doença e o seu tratamento; a transparência das informações dos órgãos e das entidades em seus processos, prazos e fluxos; o oferecimento de tratamento sistêmico referenciado em acordo com diretrizes preestabelecidas por órgãos competentes; o fomento à formação e à especialização dos profissionais envolvidos; o estímulo à conscientização, à educação e ao apoio familiar; a ampliação da rede de atendimento e de sua infraestrutura; a sustentabilidade dos tratamentos, garantida, inclusive, a tomada de decisão com vistas à prevenção de agravamentos e à socioeficiência; e a humanização da atenção ao paciente e à sua família.

Como direitos fundamentais da pessoa com câncer, a lei institui a obtenção de diagnóstico precoce, o acesso a tratamento universal, equânime, adequado e menos nocivo; o acesso a informações transparentes e objetivas relativas à doença e ao seu tratamento; assistência social e jurídica; prioridade; proteção do seu bem-estar pessoal, social e econômico; presença de acompanhante durante o atendimento e o período de tratamento; acolhimento, preferencialmente, por sua própria família, em detrimento de abrigo ou de instituição de longa permanência, exceto da que careça de condições de manutenção da própria sobrevivência; tratamento domiciliar priorizado (“home care”); e atendimento educacional em classe hospitalar ou regime domiciliar, conforme interesse da pessoa com câncer e de sua família, nos termos do respectivo sistema de ensino.

Considerando a pessoa com câncer inserida no âmbito da tutela dos vulneráveis, o estatuto esclarece que se entende por “prioridade” as seguintes garantias concedidas à pessoa com câncer clinicamente ativo, respeitadas e conciliadas as normas que garantem o mesmo direito aos idosos, às gestantes e às pessoas com deficiência: I - assistência preferencial, respeitada a precedência dos casos mais graves e outras prioridades legais; II - atendimento nos serviços públicos nos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população, respeitada a precedência dos casos mais graves e de outras prioridades legais; III - prioridade no acesso a mecanismos que favoreçam a divulgação de informações relativas à prevenção e ao tratamento da doença; IV - prioridade na tramitação dos processos judiciais e administrativos.

Outrossim, a nova lei estabelece como dever do Estado desenvolver políticas públicas de saúde específicas direcionadas à pessoa com câncer, que incluam, entre outras medidas, a promoção de ações e campanhas preventivas da doença, a garantia de acesso universal, igualitário e gratuito aos serviços de saúde, a promoção de avaliação periódica do tratamento ofertado ao paciente com câncer na rede pública de saúde e adoção de medidas necessárias para diminuir as desigualdades existentes, estabelecimento de normas técnicas e padrões de conduta a serem observados pelos serviços públicos e privados de saúde no atendimento à pessoa com câncer, estímulo ao desenvolvimento científico e tecnológico para promoção de avanços na prevenção, no diagnóstico e no combate à doença, promoção de processos contínuos de capacitação dos profissionais que atuam diretamente nas fases de prevenção, de diagnóstico e de tratamento da pessoa com câncer, capacitação e orientação a familiares, cuidadores, entidades assistenciais e grupos de autoajuda de pessoas com câncer, organização de programa de rastreamento e diagnóstico que favoreça o início precoce do tratamento, e promoção de campanhas de conscientização a respeito de direitos e de benefícios previdenciários, tributários, trabalhistas, processuais e de tratamentos de saúde, entre outros, da pessoa com câncer.

Houve um único veto do Presidente da República, entretanto, justamente ao inciso III do art. 7º, que instituía como dever do Estado “garantir o acesso de todos os pacientes aos medicamentos mais efetivos contra o câncer”.

Foram as seguintes as razões do veto: “A proposição legislativa estabelece que seria dever do Estado desenvolver políticas públicas de saúde específicas direcionadas à pessoa com câncer, que incluíssem, entre outras medidas, a garantia do acesso de todos os pacientes a medicamentos mais efetivos contra o câncer. A despeito da boa intenção do legislador, a proposição contraria o interesse público, tendo em vista que comprometeria o processo estabelecido de análise de tecnologia em saúde no Brasil e afrontaria a equidade em relação ao acesso a tratamentos medicamentosos de outros pacientes portadores de enfermidades igualmente graves, ao pretender garantir oferta de medicamentos apenas para os pacientes portadores de neoplasias malignas - câncer. Ressalta-se que a priorização deveria ser estabelecida por meio de regulação clínica, isso porque o tratamento medicamentoso pode não ser a única modalidade terapêutica necessária para o paciente oncológico, que pode precisar de cirurgia, radioterapia, medicina nuclear, terapias de suporte e cuidados paliativos. Nesse sentido, a proposição conflitaria com as atuais diretrizes diagnósticas e terapêuticas em oncologia. Ademais, deve-se considerar que os recursos são finitos e não devem ser direcionados apenas para uma única estratégia terapêutica na busca por maior efetividade do tratamento, a qual será medida pela qualidade, pelos danos associados, pelo balanço entre riscos e benefícios de cada tratamento, pela razão de custo-efetividade incremental, entre outros. Assim, observa-se na propositura existência de elevado risco de comprometimento da sustentabilidade do sistema de saúde.”

A nova lei institui, ainda, a obrigatoriedade de atendimento integral à saúde da pessoa com câncer por intermédio do SUS, na forma de regulamento, esclarecendo que, para os efeitos da lei, se entende por atendimento integral aquele realizado nos diversos níveis de complexidade e hierarquia, bem como nas diversas especialidades médicas, de acordo com as necessidades de saúde da pessoa com câncer, incluídos assistência médica e de fármacos, assistência psicológica, atendimentos especializados e, sempre que possível, atendimento e internação domiciliares. O atendimento integral deverá garantir, ainda, tratamento adequado da dor, atendimento multidisciplinar e cuidados paliativos.

Por fim, vale ressaltar que o novo estatuto estipula o direito da pessoa com câncer a assistência social e a assistência jurídica. O direito à assistência social deverá ser prestado de forma articulada e com base nos princípios e diretrizes previstos na Lei nº 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social), de forma harmonizada com as demais políticas sociais, observadas as demais normas pertinentes. O acesso à assistência jurídica deve promovido pelo poder público, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e ao Poder Judiciário em todas suas instâncias.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Statue of Justice - The Old Bailey // Foto de: Ronnie Macdonald // Sem alterações

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