Estados emocionais – Em busca de uma teoria da emoção – Por Ricardo A. Andreucci

15/12/2016

O presente artigo constitui um desdobramento da problemática que envolve a emoção e a imputabilidade penal, tema que abordamos anteriormente nesta coluna e que requer maior aprofundamento, dada a magnitude do tema e a importância do estudo dos estados emocionais na gênese do crime.

O termo emoção é um conceito próprio das ciências biológicas, constituindo terreno perigoso e difícil para o jurista, que, na árdua tarefa de aprofundar-se no tema, se depara, invariavelmente, com uma verdadeira anarquia de opiniões, que denotam a inexistência de unidade terminológica, dificultando sobremaneira a descrição e análise do fenômeno afetivo.

Nesse sentido, o correto seria adotar o estudioso um método funcional, estudando os atos e processos afetivos como formas de conduta, expressando-os em forma de ação. Não se exclui o exame introspectivo e se evita cair em uma mera fenomenologia da vida afetiva.

As emoções como o prazer, a alegria, a euforia, o êxtase, a tristeza, o desânimo, a depressão, o medo, a ansiedade, a raiva, a hostilidade e a calma, dentre outras, contribuem para a riqueza de nossa vida pessoal e conferem paixão e caráter às nossas ações.

Apesar de as emoções variarem e implicarem muitos processos corporais, até agora não há definição científica precisa do termo “emoção”.

Na linguagem coloquial, o termo é usado para se referir aos sentimentos e humores e também à maneira pela qual estes são exteriorizados tanto no comportamento quanto nas respostas corporais.

Cientificamente, entretanto, a emoção, assim como a percepção e a ação, é controlada por circuitos neuronais distintos dentro do cérebro.

É bem verdade que existem três aspectos principais da emoção: o aspecto biológico, o aspecto cognitivo e o aspecto sociocultural.

Restrito ao primeiro aspecto, as emoções, em parte, são reações biológicas a eventos importantes da vida, servindo às funções de enfrentamento que possibilitam ao indivíduo preparar-se para se adaptar de modo eficaz a circunstâncias importantes da vida.

Nesse sentido, as emoções potencializam e direcionam as ações corporais (p.ex., correr; lutar) afetando, em primeiro lugar, o sistema nervoso autônomo e o modo como regula as funções do coração, dos pulmões e dos músculos; em segundo lugar, o sistema endócrino e a regulação das glândulas, dos hormônios e dos órgãos; em terceiro lugar, os circuitos neurais do cérebro, tais como os do sistema límbico; em quarto lugar, a taxa de disparo neural e, com isso, a rapidez do processamento da informação; e, em quinto e último lugar, o “feedback” facial e os padrões distintos da musculatura facial.

Inclusive, as pesquisas sobre os fundamentos biológicos da emoção identificam que a ativação e a manutenção de cerca de dez emoções diferentes podem ser entendidas a partir de uma perspectiva biológica: interesse, alegria, medo, raiva, repugnância, angústia, desprezo, vergonha, culpa e surpresa. Por exemplo, quatro das emoções mostram um padrão característico da especificidade fisiológica do sistema nervoso autônomo e do sistema endócrino. Quatro das emoções possuem circuitos neurais anatômicos característicos do cérebro. A teoria diferencial das emoções mostra que há dez emoções com expressões faciais características em todas as culturas. E há seis emoções associadas a uma taxa específica de disparo neural no córtex.

Entretanto, o ponto central de uma compreensão cognitiva da emoção é a avaliação, que pode ser primária ou secundária. A avaliação primária diz respeito a se há ou não alguma coisa importante em jogo na situação: bem-estar físico, auto-estima, uma meta, situação financeira, respeito, ou o bem-estar de um ente querido. A avaliação secundária ocorre depois de alguma reflexão e gira em torno de uma avaliação do modo de lidar com um possível benefício, dano ou ameaça.

Os teóricos da avaliação perseguem o objetivo de construir uma árvore de decisão em que o conhecimento de todas as diferentes avaliações feitas pela pessoa durante um episódio emocional irá fornecer uma previsão da emoção que será inevitavelmente experimentada (Reeve, Johnmarshall. “Motivação e Emoção”. Tradução Luís Antonio Fajardo Pontes e Stella Machado. Rio de Janeiro: LTC. 2006. p. 229).

É bem o caso do homicídio emocional, em que o agente, em vista de um acontecimento externo, gerador de um episódio emocional significativo, tem prejudicada a compreensão cognitiva da emoção, ensejando o ato extremo de supressão da vida da vítima.

A emoção também se integra na cognição por meio do conhecimento dela mesma e das suas atribuições. O conhecimento das emoções envolve aprender distinções sutis entre emoções básicas e aprender quais situações podem provocar determinadas emoções. O conhecimento apurado dessas emoções capacita o indivíduo a avaliar a situação com uma discriminação mais alta e, com isso, responder com emoções mais altamente adequadas à situação.  O homicida emocional raramente consegue obter esse conhecimento, respondendo emocionalmente com a supressão de uma vida.

E, não raramente, o homicida emocional revela profundo arrependimento após a prática delitiva, de vez que praticado o ato em circunstâncias excepcionais que, embora não justificantes, podem ser claramente caracterizadas no campo da capacitação emocional prejudicada.

Nesse sentido, uma análise atribucional desse fato, se concentra em atribuições pós-resultado, aptas a explicar quando e porque as pessoas experimentam orgulho, gratidão ou esperança, depois de resultados positivos, e culpa, vergonha, raiva e pena depois de resultados negativos.

De outra banda, em uma análise social e cultural da emoção, os outros seres humanos são as fontes mais ricas de experiências emocionais. Durante a interação social, muitas vezes são captadas as emoções dos outros por meio de um processo de contágio emocional que envolve mímica, “feedback” e, por fim, contágio.

Também partilhamos e revivemos nossas experiências emocionais recentes quando conversamos com os outros, processo conhecido como compartilhamento social da emoção. E a cultura socializa seus membros para que experimentem e expressem emoções de determinadas maneiras. As outras pessoas e culturas em geral nos instruem sobre as causas de nossas emoções (conhecimento das emoções), sobre o modo como devemos expressar nossas emoções (manejo das expressões) e sobre quando controlar nossas emoções (manejo das emoções). E o modo como as pessoas reagem emocionalmente aos eventos de suas vidas nos diz algo sobre o tipo de pessoas que elas são (Ekman, P. 1972. “Universal and cultural differences in facial expression of emotion.”  In J. R. Cole Ed. “Nebraska symposium on motivation” (vol. 19. pp. 207-284). Lincoln: University of Nebraska Press.”).

Daí a necessidade de que tais aspectos sejam adequadamente manejados, no caso do homicídio emocional, durante o julgamento pelo Tribunal do Júri, cabendo à parte interessada instruir os jurados, ainda que de maneira perfunctória, acerca das interações emocional-psicológicas suportadas pelo homicida no caso concreto.

Ainda que a parte interessada (réu, por seu Defensor, ou Promotor de Justiça), não tenha o suficiente conhecimento técnico científico acerca dessas interações psíquico-psicológicas, de modo a manejá-las adequadamente durante os debates no plenário do Júri, poderá valer-se de assistente técnico (art. 159, § 3º, do CPP) ou de esclarecimentos periciais especializados (art. 473, § 3º, do CPP), possibilitando o adequado enfrentamento da questão posta em debate.


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