Estado, Direito e a responsabilidade das Big Techs na “era do capitalismo de vigilância” – Parte II: Desafios para o Estado Democrático de Direito

16/05/2024

As novas tecnologias digitais vêm proporcionando grandes impactos nos projetos de implementação de um Estado Democrático de Direito, no Brasil, com aspectos positivos e negativos. Por um lado, a internet e as mídias sociais democratizaram o acesso à informação, promovendo a participação cívica e a liberdade de expressão. No entanto, essas mesmas tecnologias também têm sido usadas para propagar desinformação e propagandas que alimentam populismos e polarizações.

O presente texto é um desdobramento de uma discussão já publicada aqui no Empório do Direito. Conforme já apontado anteriormente, as Big Techs têm mostrado relutância em relação a qualquer tipo de regulamentação. Com os recentes acontecimentos envolvendo a rede “X”, talvez seja necessário dizer que não há apenas uma relutância, mas um verdadeiro embate entre grandes corporações privadas e Estados nacionais.

Ao acusar o Supremo Tribunal Federal de violar o direito à liberdade de expressão, Elon Musk não apenas mostra seu desconhecimento em relação à legislação e Constituição brasileiras, mas também seu receio em relação ao avanço no Brasil[1] na elaboração de normas que possam responsabilizar e onerar sua plataforma.

É difícil acreditar que os responsáveis por tais plataformas estejam realmente preocupados com os direitos fundamentais dos países do sul global. Musk, por exemplo, é defensor do criticável longotermismo[2] e mais de uma vez se mostrou despreocupado com a democracia e a efetivação de direitos fundamentais de países periféricos.

Essa situação enfraquece elementos essenciais da democracia atual, como a separação de poderes e a liberdade de imprensa, uma vez que grandes corporações detêm grande poder sobre a informação disseminada. É necessário que tanto cidadãos quanto representantes do Estado estejam preparados para lidar com esses desafios, exigindo também a criação de marcos legais adequados, que deverão ser constantemente atualizados, bem como a promoção da responsabilidade e prestação de contas.

As novas tecnologias de comunicação e informação requerem uma implementação cuidadosa por parte das empresas e governos, assim como uma adaptação consciente por parte dos indivíduos. O direcionamento preciso da publicidade online com base em perfis detalhados dos usuários levanta sérias questões sobre privacidade e manipulação de opinião pública, afetando a integridade do processo democrático.

Diante desses desafios, é crucial abordar as lacunas regulatórias que surgem com a evolução rápida das tecnologias digitais. Estabelecer marcos legais apropriados e fortalecer a responsabilidade e prestação de contas são passos essenciais para garantir a proteção dos direitos fundamentais no ambiente digital em constante mudança, preservando assim os princípios do Estado Democrático de Direito.

Não obstante, dado o alcance global das Big Techs, os governos democráticos podem (ou devem) trabalhar em conjunto em acordos internacionais para regulamentar suas atividades. Isso poderia ajudar a evitar a evasão regulatória e garantir uma abordagem consistente em todo o mundo. Mas este é um desdobramento para as próximas abordagens.

 

Notas e referências

[1] E recentemente também na Austrália, quando o bilionário acusou o país de censurar sua rede, ao ser exigida a remoção de um vídeo que mostrava a prática de um homicídio em uma igreja. A Austrália é outro país que também busca avançar em legislações que regulamentam a ação das Big Techs.

[2] O longotermismo/longoprazismo, derivado do pensamento filantrópico do altruísmo eficaz, é um movimento que enfatiza a tomada de decisões e a formulação de políticas com base em considerações de longo prazo, em vez de apenas focar nos resultados imediatos. O movimento sofre inúmeras críticas, considerado enganoso e até perigoso, tendo em vista que ao buscar beneficiar as futuras gerações, prega que é aceitável sacrificar o bem-estar das pessoas presentes (bem como negligenciar problemas urgentes como pobreza extrema, forme e acesso à saúde), especialmente as mais vulneráveis, em nome de um futuro hipotético.

 

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