ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS COMPATÍVEIS COM A ORIENTAÇÃO SEXUAL DAS PESSOAS PRESAS

22/02/2018

Nesta semana, chamou atenção da comunidade jurídica a decisão proferida pelo Ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, nos autos do HC 152.491, de São Paulo, determinando que dois réus transexuais fossem colocados em estabelecimento prisional compatível com suas respectivas orientações sexuais.

A questão de fundo, que raras vezes vem enfrentada com seriedade nos processos e nas decisões judiciais, diz respeito à situação de cumprimento de pena privativa de liberdade dos transexuais no sistema penitenciário brasileiro.

A nossa Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84), no art. 5º, dispõe que “os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal”, nada mencionando acerca da orientação sexual, o mesmo ocorrendo em outros dispositivos legais, que apenas admitem a duplicidade de gênero: masculino e feminino.

Ao tratar dos estabelecimentos penais, os arts. 82 e seguintes da Lei de Execução Penal apenas disciplinam regras de separação entre homens e mulheres, indicando que estas últimas e os maiores de sessenta anos, separadamente, devem ser recolhidos a estabelecimento próprio e adequado à sua condição pessoal.

O “habeas corpus” que mencionamos acima, com pedido de concessão de liminar, impetrado junto ao Supremo Tribunal Federal contra acórdão unânime da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, não teve como objeto a discussão sobre a situação dos transexuais no sistema prisional, buscando apenas que um dos condenados aguardasse o processo em liberdade, já que sentenciado em primeira e segunda instância perante a Justiça Paulista.

Na decisão atacada, o Superior Tribunal de Justiça ressaltou “a periculosidade dos acusados e a gravidade concreta no cometimento do delito, no qual o paciente e corréu, ambos transsexuais, praticaram extorsão, com o uso de arma branca (faca), contra vítima que as deixara entrar em seu carro com intuito de praticar um programa sexual, tendo esta sua liberdade restrita e sendo obrigada, sob ameaças de morte, a entregar todo seu dinheiro e dirigir-se a um caixa eletrônico para sacar mais.”

O ministro Luís Roberto Barroso, em sua decisão, negou seguimento ao HC, mantendo a custódia cautelar já decretada, concedendo, entretanto, a ordem de ofício para determinar ao juízo da comarca de Tupã/SP, que as duas travestis, que foram colocadas em celas masculinas na Penitenciária de Presidente Prudente/SP, fossem transferidas para estabelecimento prisional compatível com a sua orientação sexual.

O ministro Barroso baseou sua decisão na Resolução Conjunta nº 1, de 15 de abril de 2014, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e do Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD/LGBT).

O Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (CNCD/LGBT) é um órgão colegiado, integrante da estrutura básica da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), criado por meio da Medida Provisória 2216-37, de 31 de agosto de 2001. O CNCD/LGBT, órgão colegiado composto por trinta membros, sendo quinze representantes da sociedade civil e quinze do governo federal, tem por finalidade formular e propor diretrizes de ação governamental, em âmbito nacional, voltadas para o combate à discriminação e para a promoção e defesa dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.

Dispõe a referida Resolução Conjunta que “a pessoa travesti ou transexual em privação de liberdade tem o direito de ser chamada pelo seu nome social, de acordo com o seu gênero”, sendo-lhe “facultado o uso de roupas femininas ou masculinas, conforme o gênero, e a manutenção de cabelos compridos, se o tiver, garantindo seus caracteres secundários de acordo com sua identidade de gênero.” Além disso, a resolução garante à população LGBT em situação de privação de liberdade, o “direito à visita íntima”, nos termos da Portaria MJ nº 1.190/2008 e da Resolução CNPCP nº 4, de 29 de junho de 2011.

No estado de São Paulo, a Resolução SAP - 11, de 30 de janeiro de 2014, que também fundamentou a decisão do Ministro Barroso, dispõe sobre a atenção a travestis e transexuais no âmbito do sistema penitenciário, facultando às unidades prisionais a implantação, após análise de viabilidade, de cela ou ala específica para população de travestis e transexuais, de modo a garantir sua dignidade, individualidade e adequado alojamento.

O combalido sistema penitenciário brasileiro, entretanto, como é evidente, tem encontrado sérias dificuldades em se adaptar aos novos tempos, de diversidade sexual, em que as autoridades se vêem premidas pelas circunstâncias e pelos novos paradigmas sociais relacionados à sexualidade que, desafiando os postulados estabelecidos e os estereótipos ligados aos sexos, colocam em xeque a legislação penal positivada e obrigam os julgadores a visitar novas fronteiras, nem sempre fáceis de ser vislumbradas.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Mutirão Carcerário do CNJ encontra presídio superlotado - São Paulo 19-07-2011 // Foto de: Conselho Nacional de Justiça - CNJ // Sem alterações

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