Por Redação - 31/05/2016
Fernando Gaspar Neisser lançou o livro Crime e Mentira na Política e falou ao Empório do Direito sobre a publicação:
Qual a proposta do livro Crime e Mentira na Política?
O livro Crime e Mentira na Política nasce da dissertação de mestrado que defendi na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em 2014.
A proposta central do livro é questionar o senso comum segundo o qual o eleitorado é facilmente manipulável pelas propagandas eleitorais e, diante da divulgação de fatos inverídicos, acaba decidindo "errado". Por esta leitura de mundo, ante a fragilidade do cidadão, é necessário contarmos com uma Justiça Eleitoral que exerça a função paternal de proteção, tutelando o eleitor contra os seus próprios erros.
O livro parte da constatação de que no Brasil a "mentira na propaganda eleitoral" é criminalizada, conforme preceitua o art. 323 do Código Eleitoral. A partir daí, propõe a realização de um teste metodológico de quatro fases, em que são feitas perguntas que buscam sopesar se é justificável a existência deste tipo penal.
Assim, inicialmente questiona-se se o legislador pode incriminar esta conduta. Dito de outro modo, se há um bem jurídico legítimo a ser protegido, apto a afastar a liberdade de expressão do candidato que se vale da divulgação de fatos inverídico em sua campanha.
Em um segundo momento, pondera-se quanto à necessidade de criminalização. Aqui, a dúvida gira em torno de saber se o tipo penal supera os critérios de fragmentariedade, lesividade e subsidiariedade. É neste ponto que se questiona o grau de influência que a propaganda negativa, verdadeira ou falsa, tem na formação do voto do eleitor e, por outro lado, se não há formas menos gravosas de controle judicial, que não por intermédio do Direito Penal.
Em seguida, o foco passa a ser a viabilidade do controle. Pergunta-se se a Justiça Eleitoral é apta a entregar a promessa contido no tipo penal e, portanto, se logra afastar o discurso falso da propaganda eleitoral.
Por fim, trata o livro da oportunidade da incriminação, analisando os possíveis efeitos negativos que a manutenção do tipo penal pode ter sobre a conformação da sociedade e o grau de maturidade do eleitorado.
Quais as motivações para escrever sobre este tema?
O desejo de tratar da propaganda negativa nasce com a constatação de que o tratamento dado pela legislação brasileira é excepcional em relação a outros países, uma verdadeira "jabuticaba". A opção pela incriminação de um comportamento que intuitivamente soa generalizado no mundo político mereceria maior justificação, o que não se via na doutrina.
De outro lado, sempre me incomodou a adoção de soluções de cunho paternalista pelo legislador; especialmente quando transferem competências e prerrogativas que deveriam ser dos cidadãos ao Poder Judiciário, no caso a Justiça Eleitoral.
Como foi o processo de pesquisa para escrever?
A pesquisa se deu no âmbito do programa de pós-graduação do Departamento de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP.
Já em um primeiro momento percebi que era necessário ir além da mera análise da doutrina jurídica sobre o tema, uma vez que não identifiquei ali elementos que justificassem minimamente a necessidade de controle judicial.
Por essa razão é que foram feitos dois estágios de pesquisa fora do Brasil, na Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona, cuja área de Direito Penal é conduzida pelo eminente Professor Catedrático Jesús-Maria Silva Sánchez. Foi ali que encontrei as bases teóricas necessárias para enfrentar a questão do efeito que a propaganda política tem sobre a formação do voto do eleitor, desmistificando, em grande parte, a visão intuitiva que nutrimos na sociedade.
Cuidando de investigação científica, pareceu-me mais do que necessário buscar as mais atuais pesquisas empíricas conduzidas no âmbito da ciência política sobre o tema, o que definitivamente colocou em cheque a postura pessimista que temos sobre a capacidade do cidadão em discernir o discurso político.
Quais as principais conclusões adquiridas com a obra?
A obra traz quatro conclusões principais, cada qual vinculada a uma das perguntas formuladas no teste metodológico proposto.
Em primeiro lugar, reconhece-se a legitimidade da incriminação, no que toca ao bem jurídico tutelado. Não se trata de um bem jurídico transindividual, mas sim à proteção do direito individual do eleitor de formar o seu voto sem influências deletérias.
A partir daí, contudo, as conclusões passam a colocar em dúvida a manutenção do tipo penal. Isso porque, no campo da necessidade de criminalização, percebe-se que a propaganda eleitoral tem menor relevância do que o imaginado neste processo de decisão do voto por parte do cidadão e, sem dúvida, a Justiça Eleitoral tem meios mais adequados para fazer este controle do que por meio da criminalização de condutas. Se temos em vista uma visão do Direito Penal como ultima ratio do sistema punitivo, opções como o direito de resposta ou as ações cíveis eleitorais respondem à questão de forma mais rápida e eficiente, com menor recurso à violência do Estado.
Também não se tem uma conclusão positiva naquilo que se refere à viabilidade do controle. A exigência de comprovação do dolo direto – "fatos sabidamente inverídicos" -, aliada à dificuldade de separação no discurso político de conceitos como "fato", "opinião" e "promessa", torna praticamente impossível que a Justiça Eleitoral consiga entregar à sociedade a promessa contida no tipo penal do art. 323 do Código Eleitoral.
Por fim, conclui-se não ser oportuna a manutenção da incriminação investigada. Ao controlar o conteúdo do que pode ser dito na propaganda eleitoral, ela reduz a quantidade de informação disponível para que o eleitor decida seu voto, inclusive aquela veraz. Ademais, infantiliza o eleitorado, quando retira de seus ombros uma responsabilidade que deveria ser exclusivamente sua, contribuindo para manter nossa Democracia no que denomino a "eterna adolescência".
O livro está disponível para venda aqui.