Por Redação - 16/08/2017
O entrevistado de hoje é Ricardo Jacobsen Gloeckner, Pós-Doutor pela Universidade Federico II (Napoli-ITA). Doutor em Direito pela UFPR. Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS. Especialista em Ciências Penais pela PUCRS. Bacharel em Direito pela UPF e organizador da obra “Sistemas Processuais Penais recentemente lançada pela Empório do Direito.
Por que começou escrever?
Sempre foi algo que me encantou. Sempre quis poder escrever como os autores que lia. Na verdade ainda gostaria de poder escrever como aqueles que habitualmente leio.... Na universidade, através de textos acadêmicos e técnicos, tive a oportunidade de dedicar mais tempo e espaço à atividade e constatar que realmente era uma atividade prazerosa. Hoje, faz parte das minhas duas atividades profissionais (como professor e advogado) e me sinto muito feliz com isso.
Qual é a importância do livro na vida das pessoas?
Creio que atualmente, com a vida agitada que levamos, se torna cada vez mais difícil encontrar tempo e forças para se dedicar à leitura. Contudo, isso não significa que a leitura seja algo inessencial. Todo o oposto. De certa forma parafraseando o filósofo Wittgenstein, o tamanho do nosso mundo é medido pelos livros que lemos. A falta do costume da leitura provoca justamente o efeito contrário: ocasiona um encurtamento de mundo. Somos o que somos também pelos livros que lemos...ou que deixamos de ler...
Sentiu diferença em sua produção após o "boom" da internet e de arquivos digitais?
Os dispositivos de compartilhamento de livros e a internet em geral provocaram uma profunda mutação. Evidentemente, tudo se tornou mais fácil para ser "encontrado e baixado" pela internet. Há facilidades, portanto, inegáveis, como o acesso a documentos históricos que estariam indisponíveis ao pesquisador, a menos que fizesse uma viagem internacional e além disso, obtivesse acesso ao livro ou artigo. Neste ponto, inegável o contributo ao pesquisador. De outro lado, tem-se a violação de direitos autorais e a proliferação de redes de compartilhamento destes arquivos, tornando ainda mais difícil a vida econômica das editoras. É claro que o preço dos livros no Brasil desestimula, em muitas oportunidades, a aquisição do livro pelo aluno. Especialmente quando o livro trata de um objeto muito específico. Por outro lado, a ampla possibilidade de acesso "gratuito" ao livro provoca um efeito cascata negativo: da editora ao autor, se verifica um processo de sucateamento, que acaba ao fim, gerando um efeito de limitação dos livros que serão foco de investimento pelas editoras (como a falta de espaço para a publicação de boas teses ou dissertações).
Qual é o diferencial do livro físico?
O livro físico adiciona um sentido ao ato de leitura, que é o tato. Para quem gosta de livros, há uma diferença muito grande. Que vai desde a capa passando pela editoração e pela qualidade do papel. Existe todo um trabalho de cuidado no momento de se editar um livro. Há aqui uma diferença gritante entre um livro físico e um digital. Há também aqueles que como eu, gostam de fazer anotações nas margens das páginas. Neste ponto, o livro físico continua sendo insubstituível, mesmo que as plataformas digitais tenham evoluído no sentido de tentar tornar a experiência semelhante.
Qual é o foco do seu(s) livro(s)?
Gosto de ler romances. Além disso, os livros técnicos são ferramenta essencial tanto no mister de professor quanto no de advogado. Estão presentes em meu dia a dia. A minha atividade no programa de pós-graduação em ciências criminais da PUCRS me conecta com distintos campos, como a filosofia, sociologia, criminologia e ciência política, enfim.... Gosto mesmo é de bons livros, independentemente de uma área específica.
De que maneira a temática que você aborda contribui com a área jurídica?
Creio que em um país como o Brasil, existe uma necessidade urgente de se rever muita coisa. Precisamos de uma análise crítica do direito brasileiro, que consiga atingir distintos segmentos. A começar pela graduação, que deve ter como preocupação a formação de um corpo técnico mais consciente de suas responsabilidades políticas, passando também pelos profissionais, que deveriam estar mais abertos para se despir de dogmatismos e se conscientizar de suas tarefas políticas na construção de um país melhor e mais democrático.
Quanto tempo leva para escrever um livro?
Depende muito. Para mim é muito difícil dedicar um determinado período de tempo exclusivamente à confecção de um livro. Pois neste meio-tempo ingressam questões do escritório e todos os seus compromissos, a necessidade de se produzir artigos para a universidade, etc. Depende também da extensão do livro e da profundidade da pesquisa, do público a quem o livro se destina.Enfim, existe um conjunto de variáveis que me impede de definir um período. Minhas experiências pessoais me dizem que entre 2 e 4 anos...
Qual é a sensação de saber que alguém aprendeu sobre determinado assunto através do seu livro?
É sempre muito bom saber que alguém está lendo alguma coisa que você produziu. É realmente muito gratificante saber que ao fim, compartilhamos tempo. Escritor e leitor dividem um tempo em comum: dialogam constantemente, trocam ideias. Escrever é doar tempo. É oferecer pistas para que alguém possa seguir por aquela trilha aberta.
Se já publicou mais de um, qual é o livro preferido que publicou? Por quê?
O preferido é sempre aquele que você está escrevendo. Sou motivado por novos projetos. Atualmente, estou em fase final de confecção de um livro que versa sobre o autoritarismo processual penal no Brasil. Como obra mais bem acabada e disponível no mercado, citaria o texto Nulidades no Processo Penal. O livro Sistemas Processuais Penais, da Empório também é muito bom. Talvez, pelos autores que o compõem e pelos artigos traduzidos e escritos por colegas, seja um dos melhores no mundo sobre o tema. Há diversas escolas e modos de pensar o tema nesta coletânea.
Qual é o ônus e o bônus de ser autor(a)?
Destacaria apenas os aspectos positivos. Mesmo que existam inúmeras dificuldades em ser escritor no Brasil, trata-se de algo que faço com o maior prazer. A escritura é um processo, como disse, de dedicação de tempo a alguém que você não conhecesse. E que por conta disso, permite diálogos inimagináveis e ilimitados. Conheci diversas pessoas por terem lido um artigo ou livro que escrevi. E isso é algo muito positivo: a força de conexão que o livro permite.
Pra quem tem medo de escrever, qual é o conselho?
Diria que nós mesmos somos nossos maiores obstáculos. Portanto, devemos superar as barreiras que nós mesmos colocamos (tempo, qualidade da escrita, pesquisa, etc)...
Qual é a situação atual do Brasil na literatura jurídica?
Eu poderia tratar de apenas dois campos que fazem parte mais imediatamente do meu cotidiano: a criminologia e o processo penal. Diria que no campo do processo penal, a nossa produção acadêmica, em geral, é muito mais sofisticada do que a da grande maioria dos países ocidentais, que por força da minha atuação como professor devo estudar. Temos uma escola crítica de processo penal dificilmente comparável a alguma em um país como a Itália (que sempre foi a referência em termos de teoria do processo e especialmente, processo penal). Temos uma escola crítica muito sofisticada e arrojada. É claro que grande parte deste trabalho de produção autêntica não se confunde com os nossos manuais de processo penal que se encontram no mercado, em geral muito ruins, voltados para o mercado de concursos e sem perspectivas críticas (salvo pouquíssimas exceções). A falta de espaço para publicação de temas específicos pelas grandes editoras dificulta a circulação de novas ideias e desta crítica que se desenvolve num espaço de busca por uma justiça mais democrática. O mesmo se poderia dizer acerca da criminologia (a produção brasileira é muito boa).
Em relação ao Sistemas Processuais Penais:
Qual é a dificuldade de falar sobre sistema processual?
Esta temática é uma daquelas em que muito já escreveu, mas pouco se disse. Existe uma convergência, na literatura brasileira, para se aceitar o sistema acusatório e o inquisitório como acervos históricos, como se se tratassem de elementos definitivamente superados. A tradição de nosso pensamento processual penal contribuiu (e muito!) para uma falsa percepção do problema. Parafraseando Deleuze, quando escreve acerca do fascismo (ele afirmava que era muito fácil ser antifascista no nível molar, mas ser um fascista no nível molecular), é muito simples alguém se declarar como um respeitador do sistema acusatório - mesmo que suas ações sejam claramente marcadas por pulsões inquisitórias. Não se trata - se é que algum dia se tratou - de uma questão essencialmente jurídica! Trata-se, antes, de uma opção política.
No livro, você diz que não há leituras formalistas e epidérmicas. Qual é o desafio de escrever de uma maneira mais reflexiva?
O livro traz um conjunto de abordagens heterogêneas produzidas por grandes pensadores internacionalmente reconhecidos pela sua obra. Se tudo se resumisse, a fim de caracterizar o sistema acusatório - como faz a tradicional doutrina brasileira - a uma questão de separação entre acusador e julgador, qual a razão de reunir cerca de 400 páginas para discutir um assunto já assentado? Como visto, a discussão coloca em cena elementos mais profundos e em conexão com os regimes políticos. Nossas práticas judiciais não são acusatórias, apesar de termos um juiz que decide e de um acusador que acusa? Aliás, tais limites em certos processos sequer são muito claros...Temos aqui a oportunidade de discutir que espécie de processo penal desejamos para o Brasil....
Acredita que as pessoas ainda gostam de livros mais teóricos, na qual não trazem muita reflexão e cotidiano? Por quê?
Uma academia séria não pode prescindir de livros teóricos. A dicotomia "prática" e "teoria" serve apenas para justificar que se constituam práticas avessas ao pensamento esclarecido. Não existe prática sem uma teoria ou mesmo sem ideologia. É claro que devemos, sempre que possível, resgatar esta dimensão do cotidiano, como forma de justificar todo o investimento no estudo do assunto, como forma de argumentar, etc. Confesso que precisamos de cada vez mais boas teorias e de cada vez menos "praxistas". Precisamos de práticas reflexivas e não de autômatos guiados por uma razão instrumental cega.
Confira aqui a obra Sistemas Processuais Penais