A estreia de mais uma coluna na Empório do Direito, intitulada “Direitos de Crianças, Adolescentes e Jovens”, será coordenada pelo professor Assis da Costa Oliveira, da Universidade Federal do Pará, em parceria com outras instituições, como ele comenta na entrevista abaixo:
1 – Dr. Assis, qual a proposta da sua coluna e os quais assuntos que você pretende abordar?
A proposta da Coluna “Direitos de Crianças, Adolescentes e Jovens” é tratar de diversos assuntos ligados às temáticas dos direitos, das políticas públicas, da jurisprudência, das investigações sociais e das ações políticas para, com e sobre as crianças, as/os adolescentes e as/os jovens, desde uma perspectiva crítica, interdisciplinar e cientificamente fundamentada. Os assuntos serão os mais diversos possíveis, tratando de questões atuais e/ou históricas, de cunho teórico, empírico e/ou normativo, sempre que possível dialogando com (ou abordando) pesquisas em andamento pelos grupos parceiros da empreitada, além de estar atento às diversidades, às adversidades e às resistências dos modos de ser “criança, adolescente e jovem” no Brasil.
A Coluna será produzida numa parceria entre a Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Pará, o Núcleo de Estudos da Infância e da Juventude da Universidade de Brasília, o Observatório da População Infantojuvenil da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e a Universidade Federal do Pará, de modo a garantir o fluxo de produção semanal e a pluralidade na abordagem dos assuntos.
2 - O que faz você sentir a necessidade de falar sobre esses assuntos?
Há 15 anos atrás, isto é, em 2004, li meu primeiro livro sobre os direitos de crianças e adolescentes, a obra “O Cidadão de Papel”, de Gilberto Dimenstein, originalmente publicada em 1993. Nela, este escritor e jornalista nos informava, logo no início, que pretendia “mostrar, passo a passo, o que está por trás de uma sociedade que produz crianças de rua. É uma viagem pelas engrenagens do colapso social, em que a infância é a maior vítima e a violência, uma consequência natural.” Mais adiante, o autor continuava informando que “[a] descoberta das engrenagens é a descoberta do desemprego, da falta de escola, da baixa renda, da migração, da desnutrição, do desrespeito sistemático aos direitos humanos. Com essa comparação, vamos observar como é a cidadania brasileira, que é garantida nos papéis, mas não existe de verdade. É a cidadania de papel.”[1]
Considero que esta citação nos propõe a reflexão sobre as engrenagens da sociedade e do Estado para compreender as condições histórias e atuais dos direitos e das condições de vida de crianças, adolescentes e jovens. Estas engrenagens são social, cultural, econômica, jurídica e politicamente condicionadas e estruturadas, e suas materializações trazem uma série de consequências, negativas e positivas, para o modo como se operacionaliza a gestão do conjunto de medidas ligadas às crianças, adolescentes e jovens, e para as condições de desenvolvimento humano e de vida em sociedade. Analisar estas engrenagens, nas suas diversas peças e modos de atuação, contribui para a qualificação do debate da opinião pública, não apenas restrita às universidades, a fim de avançar no desafio, mais do que nunca atual, de fazer com que a cidadania de papel se converta numa cidadania dignamente vivida pelos sujeitos, e que o conjunto das garantias jurídicas já conquistadas não sofram retrocessos, e continuem avançando na tarefa permanente de melhorar o que já é feito, corrigir o que é malfeito e denunciar o que viola os direitos garantidos.
No final de sua obra, Gilberto Dimenstein nos expõe uma imagem marcante de uma criança negra dormindo nos braços de uma estatua de anjo, mas que não olha diretamente para ela. Esta imagem será usada na apresentação simbólica desta Coluna, pois ela representa as condições e as contradições que temos para a garantia dos direitos de crianças, adolescentes e jovens. Na observação da imagem uma série de perguntas frutificam: quem o anjo estaria representando (família, sociedade e/ou Estado)? O que a postura do anjo representa em termos de (des)proteção aos direitos das crianças? O que significa a criança dormindo em seus braços? E, sendo uma criança negra, provavelmente moradora de rua, o que isto quer dizer sobre as condições de vida das crianças no Brasil? São perguntas e imagem como estas que nos mobilizam a produzir reflexões sobre os direitos de crianças, adolescentes e jovens nesta Coluna, e a convidar a leitora e o leitor a compartilhar conosco estas ideias, sentimentos e indagações.
3 - De que maneira a temática que vocês abordam contribui com a área jurídica?
Os direitos de crianças, adolescentes e jovens são um dos campos do ordenamento jurídico e da Ciência do Direito que teve uma reestruturação formal com a Constituição Federal de 1988, mas que ainda hoje é pouco debatido e pesquisado nas faculdades de Direito, proporcional ao baixo interesse dos profissionais por atuarem nesta área. No entanto, esta é uma temática cada vez mais presente no cotidiano da sociedade e nas pautas discutidas pelo Estado, sendo necessário avançarmos na produção de informações e pesquisas sobre o assunto para discutir o modo como o campo jurídico trata os elementos que perfazem os direitos de crianças, adolescentes e jovens. Isto também envolve a busca por uma análise mais interdisciplinar, focada no diálogo com outros campos da Ciência, como a Psicologia, o Serviço Social, a Pedagogia, a Antropologia e a Sociologia, para enriquecer a capacidade de análise e de reflexão.
4 - Falem sobre os planos para futuras publicações.
A primeira publicação da Coluna trata da análise das ameaças à manutenção do controle social na seara dos direitos de crianças e adolescentes devido as ações do governo Bolsonaro. Nas próximas sessões, trataremos de assuntos ligados à violência sexual, criminalização da juventude, políticas públicas, orçamento público e diversidade étnico-cultural de crianças, adolescentes e jovens. Tudo será feito em uma linguagem socialmente acessível e procurando apontar questões que sirvam para a reflexão teórica e a ação social das leitoras e dos leitores.
Notas e Referências
[1] Cf. Dimenstein, Gilberto. O Cidadão de Papel. 20 ed. São Paulo: Ática, 2002, p. 10-11.