Por Tiago Gagliano Pinto Alberto - 12/08/2015
Olá a todos!!!
Ao longo das últimas semanas, venho tratando de questões afetas à linguagem, condições de fala e a implicação destas vertentes tanto no cotidiano, quanto no aspecto não meramente judicial da tomada de decisões. Nesta semana, porém, gostaria de explorar alguns enfoques da justiça, sem prejuízo da retomada em momento oportuno das questões até agora exploradas.
Essa alteração se deve principalmente a dois casos que na semana passada foram bem comentados, gerando, porque polêmicos, um sem-número de discussões tanto em ambiente virtual, como acadêmico.
O primeiro ocorreu na cidade de Palhoça, na bela Santa Catarina. Determinado casal se mudou para uma comunidade alternativa, denominada Vale da Utopia, com sua nenê recém-nascida. A mãe, formada em enfermagem, acabara de ser submetida, segundo a reportagem, a uma cirurgia nos seios, motivo pelo qual aparentemente não podia amamentar o bebê. Em vista disso, os pais decidiram que a criança seria alimentada com uma mistura de óleo de coco e castanha, o que possivelmente gerou a desnutrição que ao final culminou com o falecimento, ou, segundo os pais, a sua transcendência ao céu, aonde se transformou em um ponto de luz iluminando a Terra[1].
Não farei qualquer juízo fático acerca do caso em si, já que não conheço as peculiaridades que ocorreram para além do narrado pelos veículos de imprensa; tampouco empreenderei qualquer julgamento meritório acerca da conduta e decisão dos pais quanto à alimentação do nenê. Em realidade, limitarei o exame do ocorrido ao enfoque das teorias da justiça, em conjunto com a casuística adiante narrada.
Em São Paulo, determinada casa noturna está sendo investigada por supostamente discriminar jovens, em especial mulheres, na entrada. Ao que se depreende das notícias divulgadas, o Ministério Público estadual está perquirindo se ao autorizar a entrada de mulheres, a casa barrava aquelas tidas como feias ou gordas, permitindo que somente as meninas que se enquadravam em determinado padrão de beleza aprioristicamente definido adentrassem ao estabelecimento[2].
Ao que parece, tanto em um caso como em outro, questões deontológicas encontram-se bem patentes. Supondo que na comunidade alternativa “Vale da Utopia” as tradições há muito fossem observadas e seguidas, figurando entre tais a alimentação composta de óleo de coco e castanha[3], seria justa a condenação dos pais que optaram livremente por esta forma de pensamento, ou, de outro lado, deveria prevalecer a sua liberdade de escolha tanto em relação ao local aonde pretendem viver, como no tocante à criação de sua prole? Ainda sob o ponto de vista da escolha, considerando que vivemos em uma sociedade aparentemente livre[4], acertado compreender que o estabelecimento não pode escolher quem está autorizado a adentrar?
As respostas envolvem necessariamente escolhas; e estas não prescindem de decisão com lastro em alguma diretriz axiológica quanto ao conflito em si.
Há muito se discute o que é certo. E mais, se o certo prevalece ao bom; e, ainda, se o certo e o bom devem ceder passo ao efetivo. Postulando a prevalência do certo, encontra-se farta bibliografia, cuja sustentação perpassa ora pela constatação de valores pré-existentes[5], ora de escolhas baseadas em razões evidenciadas na sociedade e traduzidas por consensos[6] e até por conflitos[7]; e, no tocante ao bom, seria possível destacar a escolha ora por virtudes[8], ora simplesmente por emoções[9]. O efetivo encontra no pragmatismo[10] e na aferição de resultados o seu mote.
Sob a veste do certo, a tradição da alimentação na forma como realizada não encontra qualquer empeço; já no que tange ao bom, não se afiguraria adequada, podendo ensejar a morte da criança, como de fato se deu. Quanto à casa noturna, o mais efetivo no tocante ao incremento de lucros parece ser a seleção na entrada, ainda que a conduta não esteja amparada pelo certo, ou o bom.
Vivemos em uma sociedade com vários bons, ou certos? Ou existiriam várias sociedades no âmbito da mesma, cada qual postulando ora o certo, ora o bom, ora o efetivo? Criticar casos-limite, tal como aqueles narrados, não parece denotar qualquer dificuldade, mas o que dizer da inscrição de animais em programas governamentais, as pequenas corrupções aparentemente inofensivas do dia-a-dia, ou o egoístico propósito de satisfação do “eu” traduzida pelo ditado “farinha pouca, meu pirão primeiro”?
Não parece ser possível definir a prevalência seja do bom, do certo, ou o efetivo. Por outro lado, tampouco necessário que de fato algum destes prevaleça, já que a casuística social sempre apresentada é rica e multifacetária.
Quiçá a justiça possa ser alcançada tendo a coerência e a alteridade como propósitos. Neste terreno, em que pese continuemos a constatar ora a prevalência do certo, ora do justo e ora do efetivo, assim procederemos sob outra lente, a da plenitude da justiça, com o atuar direcionada ao outro, tendo como alça de mira a divergência razoável e a justificação ponderada de condutas, privadas ou estatais. Neste talvez onírico cenário, poderemos cogitar de sociedade que conglobe o justo ao certo e o efetivo ao razoável.
Isto seria possível? E, acaso positivo, como fazê-lo? Desenvolveremos o tema na próxima semana. Acompanhem.
Um grande abraço a todos. Compartilhe a paz!
Notas e Referências:
[1] A íntegra da notícia encontra-se disponível em http://www.bandab.com.br/jornalismo/casal-e-preso-apos-filha-morrer-por-desnutricao-em-palhoca-pai-e-de-ponta-grossa/. Acesso em 05 agosto de 2015.
[2] A íntegra da notícia encontra-se disponível em http://noticias.r7.com/sao-paulo/fotos/balada-famosa-de-sp-e-investigada-por-barrar-feios-gordos-e-negros-06082015#!/foto/1. Acesso em 07 agosto de 2015.
[3] Este é um mero raciocínio hipotético, não havendo informações nesse sentido.
[4] Por demais controvertida essa tal liberdade...
[5] Alusão, neste ponto, ao comunitarismo, que, claro, comporta diferentes vertentes. Dois autores, entre muitos, podem ser citados, cada qual contando com posicionamento diverso, conquanto bebam na mesma fonte. TAYLOR, Charles. Argumentos Filosóficos. Tradução: Adail Ubirajara Sobral. EDIÇÕES LOYOLA: São Paulo, 2000. SANDEL, Michael J.. Justiça: o que é fazer a coisa certa. Tradução de Heloísa Matias e Maria Alice Máximo: Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 4ª edição. 2011.
[6] Entre muitos autores e, mesmo este autor, muitos trabalhos, confira-se o seguinte: HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms: contribuctions to a discourse theory of law and democracy. Cambridge: MIT Press, 1998.
[7] Também entre muitos trabalhos acadêmicos: HONNETH, Axel. The social dynamics of disrespect: situating critical theory today. In: DEWS, P. Habermas: a critical reader. Blackwell, 1999.
[8] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W. D. Rosá. Col. Os pensadores. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1973.
[9] Entre outros, observem-se as seguintes obras: AYER, Alfred Jules. Language, Truth & Logic. New York: Dover Publications Inc., 1952. RUSSEL, Bertrand. Political Ideals. 2002. Disponível em: file:///C:/Users/fe95/Downloads/Russell,%20Bertrand%20-%20Political%20Ideals.pdf. Acesso em 05 agosto de 2015.
[10] Vide, para uma análise do pragmatismo, a seguinte obra escrita pela epistemóloga Susan Haack: HAACK, Susan. Manifesto de uma moderada apaixonada. Ensaios contra a moda irracionalista. Tradução de Rachel Herdy. Rio de Janeiro: editora PUC-Rio: Edições Loyola, 2011, em especial o ensaio n°. 2, em que simula conversação entre Richard Rorty e Charles Sanders Peirce.
Tiago Gagliano Pinto Alberto é Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professor da Escola da Magistratura do Estado do Paraná (EMAP). Professor da Escola da Magistratura Federal em Curitiba (ESMAFE). Coordenador da Pós-graduação em teoria da decisão judicial na Escola da Magistratura do Estado de Tocantins (ESMAT). Integrante do grupo Justiça, Democracia e Direitos Humanos, sob a coordenação da Professora Doutora Claudia Maria Barbosa. Integrante do Núcleo de Fundamentos do Direito sob a coordenação do Professor Doutor Cesar Antônio Serbena, UFPR. Membro fundador do Instituto Latino-Americano de Argumentação Jurídica (ILAJJ). Juiz de Direito Titular da 2ª Vara de Fazenda Pública da Comarca de Curitiba.”
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