O texto anteriormente dedicado a esta Coluna Empório tratou da dissolução da sociedade de pessoas e de capital em seus aspectos fundamentais, mais detidamente sobre as causas condicionantes da dissolução (total ou parcial) enumeradas nos artigos 1.030, 1.033, incisos I, II, III, IV e V, 1.028, 1.044, incisos I e II, 1.085 e 1.026 do Código Civil, além do artigo 206, incisos I, II e III da Lei 6.404/76 (LSA)[i].
Cabe agora tratar da fase subsequente, da liquidação propriamente dita, bem como a respeito da estratégia a ser adotada pela sociedade nos casos de alienação ou dissolução, a partir da eleição de três cenários, a saber: a) continuidade da empresa, com incorporação de quotas pelo sócio ou sócios remanescentes; b) continuidade da empresa com a dissolução parcial (resolução em relação a um sócio) e redução do capital social; e c) descontinuidade da empresa com a dissolução total.
O exame da questão tem complexidade relativa, especialmente em razão de conflitos pontuais entre o Código Civil, a LSA e o Código de Processo Civil, sendo que este, em algumas particularidades, tratou do direito material e não apenas da parte procedimental. Tal fato tem trazido repercussões importantes para a ação de dissolução parcial e o uso dela para apurar haveres, bem como para a compreensão acerca da data-base da dissolução, a qual repercute diretamente na liquidação.
Como diz Fabio Ulhoa Coelho, “à dissolução total seguem-se a liquidação e a partilha, enquanto que à dissolução parcial segue-se a apuração de haveres e o reembolso. Entre uma e outra forma de dissolução não há, nem pode haver, qualquer diferença de conteúdo econômico. Quer dizer, o sócio deve receber, na dissolução parcial, a título de reembolso, o mesmo valor que receberia na dissolução total, a título de quota na partilha”[ii].
Cabe lembrar que, tanto o Código Civil (art. 51) como a LSA (art. 207) estabelecem que, mesmo dissolvida a empresa, esta conserva a personalidade jurídica até a extinção, que se dará com a conclusão da liquidação, pois é a partir dela que ocorre a realização dos ativos, o pagamento dos passivos e a partilha das sobras de acordo com a participação acionária. Com a finalização do caminho completo entre a iniciativa pela dissolução, a dissolução propriamente dita e a conclusão pelo encerramento da liquidação que objetive por fim à pessoa jurídica, denomina-se dissolução total, que ocorre, por exemplo, dentre outras causas, quando os sócios, por convenção unânime, resolvem pôr fim à sociedade (CC, art. 1.033, inciso II).
A liquidação poderá ocorrer de modo extrajudicial ou judicial, o que, obviamente, depende da causa. Para a estabilização deste procedimento, ou seja, para que traga o resultado e cumpra o objetivo-conceito-fim, três informações são indispensáveis, a saber: a causa da dissolução, a data-base da dissolução e a escolha do liquidante.
As causas estão enumeradas nos artigos supracitados, tanto no CC como na LSA.
A data-base da liquidação tem íntima relação com as causas e o CPC/15 regulou a respeito. Tem fulcral relevância na determinação do valor patrimonial das quotas sociais e na apuração de haveres. De certo modo, em que pesem as críticas ao conteúdo do CPC em razão da regulação sobre temas de direito material e, em alguma extensão, conflitante, como é o caso do choque de conteúdo entre o art. 1.027 do CC e o parágrafo único do art. 599, entende-se que o legislador resolveu tangenciar a temática diante de dificuldades interpretativas, de algumas lacunas e divergências jurisprudenciais, especialmente nesse tema “data-base”, que é muito importante para o processo e para a solução eficiente do conflito.
Assim, nos termos do artigo 605 do CPC, a data da resolução da sociedade será: I - no caso de falecimento do sócio, a do óbito; II - na retirada imotivada, o sexagésimo dia seguinte ao do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio retirante; III - no recesso, o dia do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio dissidente; IV - na retirada por justa causa de sociedade por prazo determinado e na exclusão judicial de sócio, a do trânsito em julgado da decisão que dissolver a sociedade; e V - na exclusão extrajudicial, a data da assembleia ou da reunião de sócios que a tiver deliberado.
Por sua vez, a escolha do liquidante dependerá da regulação deste assunto no contrato social ou no estatuto, que, omissos, submete à lei. Cumpre aos administradores providenciar imediatamente a investidura do liquidante e restringir a gestão própria aos negócios inadiáveis, vedadas novas operações, pelas quais responderão solidária e ilimitadamente (CC, art. 1.036). Lembre-se que o liquidante a ser investido poderá estar nomeado previamente no contrato social, caso contrário, ou seja, se não estiver designado, será eleito por deliberação dos sócios, podendo, a escolha, recair em pessoa estranha à sociedade (CC, art. 1.038). Para essa definição em reunião de quotistas ou assembleia, salvo disposição contrária no contrato social, o quórum exigido é o da maioria dos votos presentes (CC, art. 1.071, VII) para sociedade limitada e o da maioria absoluta para a sociedade simples (CC, art. 999).
Feitas as considerações preliminares, para tratar do tema “liquidação” de maneira contextualizada, sem a intenção de exauri-lo, até porque são inúmeras as causas de dissolução que carregam a fase subsequente de liquidação, optou-se por criar três cenários exemplificativos e, a partir deles, abordar o tema sob o viés prático.
Para o primeiro cenário elegeu-se a seguinte hipótese: o sócio “A” de uma determinada sociedade limitada, em cujo corpo societário participam 3 (três) sócios, resolve notificar os demais sócios da sua intenção de alienar as suas quotas sociais a eles. A alienação pura e simples, sem a redução de capital social, mediante oferta, negociação aceita e a preço justo equalizado entre os sócios é o caminho mais célere, eficiente e eficaz, pois satisfaz os interesses dos sócios remanescentes, na medida do aumento da participação acionária; do sócio alienante que receberá o preço que entende justo ou aceitável e da empresa, que continuará as suas atividades econômicas, preservando empregos, renda e repercutindo na economia nacional.
O mencionado negócio jurídico se perfaz por meio do contrato de cessão de quotas sociais, que deverá regular completamente o acordado, além de ulterior e/ou concomitante alteração do contrato social, regulando a retirada do referido sócio e a incorporação das quotas pelos demais. Percebe-se que, neste caso, não há dissolução parcial ou total da sociedade, mas compra e venda de quotas e modificação do quadro acionário, apenas.
Para o segundo cenário elegeu-se a seguinte hipótese: o sócio “A”, interessado em deixar a sociedade de prazo indeterminado, não encontra interesse na aquisição de suas quotas pelos demais sócios ou por terceiros, com anuência daqueles ou não, a depender da regulação inserida no respectivo contrato social.
Neste caso, após profunda reflexão sobre as consequências, caberá a ele notificar aos demais sócios da sua intenção de retirada, nos moldes do que dispõe o artigo 1.029 do CC, adotando-se, a partir daí, o procedimento da resolução da sociedade em relação a um sócio, nos termos do que disciplina o artigo 1.031 do CC, apurando-se o valor da quota que, salvo disposição contratual em contrário, terá como base a situação patrimonial da sociedade na data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota. A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo ou estipulação contratual em contrário (CC, art. 1.031, parágrafos 1º e 2º).
O prazo referido (90 dias) é contado do término da liquidação. Conforme o registro acima, é lícita a regulação aberta, ou seja, a estipulação no contrato social de parcelamentos e prazos especiais para o pagamento dos haveres ao sócio ou aos seus herdeiros, pela retirada, exclusão ou morte, o que se justifica para minimizar os efeitos da descapitalização, preservando-se a atividade econômica empresarial. Todavia tal regulação (parcelamentos e prazos especiais) passa pelo crivo da jurisdição (estatal ou arbitral), ou seja, por certo controle, com vistas a casos de eventual questionamento sobre abusividade, desproporcionalidade ou falta de razoabilidade[iii], suscetível, portanto, de anulabilidade.
Trata-se, como visto, da dissolução/resolução parcial da sociedade. Recebida a notificação referida, caberá aos administradores dar investidura ao liquidante para que os trabalhos de liquidação sejam iniciados com o propósito de apurar os haveres e se chegar ao valor da participação acionária do sócio retirante/excluído. Ao final do procedimento, aceito o resultado, paga-se ao sócio retirante/excluído o valor das suas quotas nos termos do que acordarem, na forma do contrato social, e, na omissão, segundo o parágrafo 2º do art. 1.031. Caso não aceito o resultado, ou seja, o respectivo valor apurado em liquidação, caberá ao prejudicado apurar os seus haveres utilizando-se da jurisdição estatal ou arbitral.
Não realizado o pagamento do valor incontroverso na forma estabelecida no contrato social ou na lei, a sociedade poderá responder demanda executiva, a critério exclusivo do sócio retirante (com as penalidades cabíveis e aplicáveis), com base no relatório final do liquidante, sem prejuízo da busca pelo excedente que entender cabível. A busca pelo excedente (apuração de haveres) se dará por meio da ação judicial de dissolução parcial (CPC, art. 599, inciso III) e terá por base o valor patrimonial da empresa na data da dissolução. A apuração do valor real das quotas a serem indenizadas dependerá do resultado do processo de valuation mutuamente acordado ou feito por perícia judicial (no caso de judicialização), levando-se em conta as melhores técnicas e métodos para tal fim. Trata-se de perícia.
Para o terceiro cenário elegeu-se a seguinte hipótese: os sócios “A”, “B” e “C” resolvem, de comum acordo, pôr fim à sociedade. Neste caso, havendo consenso pela dissolução total, dá-se investidura ao liquidante pela administração, nos termos já abordados, e se procede à liquidação, cujo relatório final do liquidante apontará os recursos necessários para pôr fim à pessoa jurídica, pagando o passivo e partilhando as sobras entre os sócios.
Os três cenários apontados são corriqueiros, mas muitas são as causas de dissolução, como apontado no texto anteriormente produzido e já referido nas respectivas notas.
O processamento da liquidação, o passo-a-passo, seguirá o conteúdo estabelecido no contrato social, no estatuto ou no instrumento de dissolução. Caso não haja regulação a respeito, ou seja, omissos os respectivos instrumentos e judicializada a questão por conflito instaurado, o processamento se dará nos moldes do que disciplina o artigo 1.102 e seguintes do CPC.
Observe-se que o legislador dedicou um capítulo específico sobre as questões procedimentais dentro do livro II, do Direito de Empresa. Trata-se do Capítulo IX, “Da Liquidação da Sociedade”. É ali, a partir do citado artigo 1.102, que se estabelecem mecanismos para essa importante fase, “liquidação”, incluindo-se todos os deveres do liquidante, destacando-se, dentre outros, os seguintes atos obrigatórios: proceder, nos quinze dias seguintes ao da sua investidura e com a assistência, sempre que possível, dos administradores, à elaboração do inventário e do balanço geral do ativo e do passivo; ultimar os negócios da sociedade, realizar o ativo, pagar o passivo e partilhar o remanescente entre os sócios ou acionistas; exigir dos quotistas, quando insuficiente o ativo à solução do passivo, a integralização de suas quotas e, se for o caso, as quantias necessárias, nos limites da responsabilidade de cada um e proporcionalmente à respectiva participação nas perdas, repartindo-se, entre os sócios solventes e na mesma proporção, o devido pelo insolvente; finda a liquidação, apresentar aos sócios o relatório da liquidação e as suas contas finais.
Para as companhias aplica-se a LSA e também, suplementarmente, isso ocorre nas sociedades limitadas a que o contrato social, expressamente, preveja tal solução para o caso de lacuna no CC. Trata-se do Capítulo XVII da Lei 6.404/76, que abrange a dissolução, a liquidação e a extinção da companhia.
Assim, no silêncio do estatuto compete à Assembleia Geral, nos casos do inciso I do artigo 206 (dissolução de pleno direito), determinar o modo de liquidação e nomear o liquidante e o conselho fiscal que devam funcionar durante o período de liquidação. A companhia que tiver conselho de administração poderá mantê-lo, competindo-lhe nomear o liquidante; o funcionamento do conselho fiscal será permanente ou a pedido de acionistas, conforme dispuser o estatuto (LSA, art. 208 § 1º). Trata-se, aqui, da dissolução da sociedade anônima pelos Órgãos da Companhia.
Por outro lado, a liquidação dela poderá ser processada judicialmente, nos casos previstos no inciso II do artigo 206 da LSA e nos demais casos dispostos no artigo 209 do mesmo instituto legal, a saber: I - a pedido de qualquer acionista, se os administradores ou a maioria de acionistas deixarem de promover a liquidação ou a ela se opuserem, nos casos do número I do artigo 206; II - a requerimento do Ministério Público, à vista de comunicação da autoridade competente, se a companhia, nos 30 (trinta) dias subsequentes à dissolução, não iniciar a liquidação ou, se após iniciá-la, interrompê-la por mais de 15 (quinze) dias, no caso da alínea e do número I do artigo 301.
Por sua vez, na liquidação judicial, o liquidante será nomeado pelo juiz (LSA, art. 209, parágrafo único).
Por fim, a judicialização, principalmente nas sociedades limitadas e nas sociedades por ações de capital fechado, dá-se em razão das discordâncias entre o valor contábil do patrimônio social e o valor real dele, que repercutirá na participação acionária e no reembolso ou haveres decorrentes. “Esta disparidade entre o valor contábil do patrimônio da sociedade — ao qual se chegaria pela mera subtração entre os seus ativos e passivos contábeis — e o valor real do patrimônio social, o qual incluiria o valor de mercado de seus ativos, bem como o dos intangíveis da sociedade, poderia gerar um enriquecimento sem causa da própria sociedade e, indiretamente, dos demais sócios em detrimento daquele que se desligava”[iv].
É certo que o valor real do patrimônio social importa em qualquer tipo de dissolução, pois sempre haverá interesses patrimoniais dos sócios ou acionistas da sociedade em liquidação. O processo de valuation que representa o estudo do valor econômico-financeiro da empresa é indispensável para se chegar ao um consenso a respeito. Tal estudo pode-se realizar extrajudicialmente (nas situações que comporta) ou judicialmente por perito judicial nomeado pelo juiz, até mesmo em sede preparatória (produção antecipada de provas).
A metodologia para a avaliação da empresa pode estar regulada no contrato social ou no estatuto, mas a jurisprudência, dentre as metodologias, tem adotado o fluxo de caixa descontado. A própria CVM, na IN 361, ao dispor sobre o procedimento aplicável às ofertas públicas, em termos de avaliação do valor da companhia, estabelece o que deverá conter o laudo de avaliação, desde informações sobre a empresa, histórico, descrição sumária do mercado, análise do setor, premissas macroeconômicas utilizadas no estudo, projetos de investimentos relevantes, dentre outros. De igual forma, avança a CVM na respectiva norma sobre diferentes critérios para se apurar o valor da companhia, tendo destacado o fluxo de caixa descontado, os múltiplos de mercado ou os múltiplos de transações comparáveis, sem desprezar outros, mas desde que compatível a chegar-se a um preço justo.
Por fim, o presente estudo está alinhado com o anteriormente publicado nessa mesma coluna empório, ou seja, são elementos indissociáveis (dissolução, liquidação e extinção). A vida do empreendedor passa, em um ou outro momento, por situações como as descritas, e elas podem indicar conflitos a serem solucionados, cabendo à sociedade e aos sócios, racionalmente, escolher o caminho menos oneroso (financeiramente) e menos tormentoso (em termos de psicologia comportamental), com o objetivo de reduzir os custos de transação sempre que a pauta derivar os temas expostos.
Notas e Referências
[i] ZOLANDECK, João Carlos Adalberto. Disponível em < https://emporiododireito.com.br/leitura/dissolucao-da-sociedade-e-resolucao-aspectos-fundamentais>. Acesso em 21/09/2020.
[ii] COELHO, Fábio Ulhoa. Novo manual de direito comercial: direito de empresa. 31ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 193-194.
[iii] MAMEDE, Gladson. Direito empresarial brasileiro: direito societário — sociedades simples e empresárias. 11ª ed. São Paulo: Atlas. 2019, p. 115-116.
[iv] CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil: parte especial: do direito de empresa (artigos 1.052 a 1.195), vol 13. 2ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 358.
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