Decidir pela constituição de uma pessoa jurídica mediante a formalização do contrato de sociedade é tão desafiador como dissolvê-la, e o tipo de instrumento dependerá da causa. A dissolução poderá ser total ou parcial e repercute nos sujeitos (sócios, terceiros e na própria empresa), pois várias relações jurídicas derivam do contrato de sociedade, até mesmo em função das atividades econômicas desenvolvidas.
A sociedade ganha vida com a sua constituição, ou seja, com a reunião de pessoas e objetivos comuns para a exploração de certa atividade econômica. A leitura sobre a dissolução da sociedade é influenciada pelo princípio da preservação da empresa, e pode-se dar pela vontade dos sócios ou por outras causas previstas na legislação[i].
Com a dissolução rompe-se o vínculo intersubjetivo que une os sócios (quotistas, acionistas ou cooperados), a partir de atos de desmembramento do patrimônio, desagregando-se pessoas e capital, ao contrário do que ocorre com a constituição[ii].
O art. 1.033 do Código Civil revogou as disposições do Código Comercial sobre o tema, e passou a disciplinar algumas hipóteses de dissolução total, quando ocorrer:
I - o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado.
Nesse particular não há dificuldades para interpretar, mas tal regra traz repercussão importante para as sociedades de capital. É que o artigo 206, inciso I, alínea “a” da Lei 6.404/76 (LSA) determina a dissolução da companhia de pleno direito quando do término do prazo de duração, não havendo qualquer ressalva quanto à prorrogação da sociedade. Entende-se, assim, aplicável a elas (companhias) a mesma regra do Código Civil, ou seja, caso as atividades econômicas não cessem no seu termo, prorrogam-se por tempo indeterminado.
II - Consenso unânime dos sócios.
Trata-se do conhecido distrato, ou seja, o acordo bilateral ou plurilateral dos sócios, com a finalidade de por fim à sociedade, procedendo-se com a liquidação e a extinção da pessoa jurídica.
III - A deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado.
Como regra a maioria absoluta do capital pode deliberar pela dissolução e liquidação da sociedade, todavia, a doutrina e a jurisprudência não têm sido categórica no reconhecimento dessa hipótese, caso algum sócio minoritário discorde de tal deliberação e queira dar continuidade à empresa e, portanto, nas suas atividades econômicas. Assim, caso a decisão pela dissolução da sociedade não se dê pela unanimidade do quadro social, mas pela sua maioria, prefere-se a continuidade com o reembolso aos sócios retirantes pelos remanescentes, recompondo-se, se for o caso, a pluralidade no prazo de 180 dias[iii].
IV - A falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias.
A priori quando não for possível recompor a pluralidade dos sócios, por exemplo, no caso de retirada ou outra causa de dissolução parcial, resolve-se, pela dissolução total, todavia mesmo que a sociedade não seja reconstituída no aludido prazo legal, a sociedade não se dissolverá se houver transformação dela em Empresa Individual e Eireli (CC, art. 1.033, parágrafo único), ou em sociedade limitada unipessoal (CC, art. 1.052, § 1º[iv]).
V- A extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar.
A atuação em mercados regulados depende de autorização do Poder Estatal, submetendo à atividade econômica e à atuação da empresa. Alguns atos empresariais sujeitam-se à aprovação prévia de órgãos e entidades governamentais para ulterior registro e arquivamento de atos nas Juntas Comerciais, disciplinados pelo DREI (a exemplo da IN DREI nº 14/2013). Isto quer dizer, a título de exemplo, que as agências de fomento, os bancos de câmbio, as cooperativas de crédito, as administradoras de consórcio, os bancos múltiplos, dentre outros, dependem de aprovação prévia para a constituição, autorização de funcionamento, bem como para a dissolução. Caso a autorização para funcionar seja extinta, conforme a regra legal, a sociedade se dissolverá procedendo-se a liquidação, exceto, obviamente, se deixar de atuar no segmento de mercado cuja autorização foi cassada/cessada.
Somem-se às hipóteses de dissolução total a falência da sociedade (CC, art. 1.044), mas a dissolução e a liquidação ocorrerão por meio do processo de quebra que chegar a cabo.
O mesmo não ocorre com a falência do sócio empresário, ou seja, a sociedade de que participa não será dissolvida por essa razão, mas as suas quotas serão liquidadas no processo de falência do qual é parte. Percebe-se que nessa situação não haverá dissolução total, mas parcial em relação a um sócio[v].
A dissolução total também poderá ocorrer no caso de anulação do ato constitutivo decorrente de ação declaratória que demonstre a existência de vícios na origem, no momento da constituição, derivados dos negócios jurídicos em geral (nulidade ou anulabilidade), bem como pelo exaurimento do fim social (a exemplo das sociedades de propósito específico – SPE) ou inexequibilidade do objeto (CC, art. 1.034, incisos I e II). Objeto inexequível é aquele impossível de se concretizar, a exemplo de uma determinada obra, que por evento da natureza, torne-se inviável.
Além da dissolução total da sociedade, é possível ocorrer à resolução parcial em relação a um sócio, e ocorre ou pode ocorrer, nas seguintes hipóteses:
a) Morte de sócio, salvo se o contrato dispuser diferentemente; se os sócios remanescentes optarem pela dissolução total ou se os herdeiros, por acordo, substituírem o sócio falecido (CC, art. 1.028, incisos I, II e III).
b) Retirada, mediante notificação do sócio retirante aos demais sócios, com antecedência mínima de 60 dias nas sociedades por prazo indeterminado, se por prazo determinado, provando judicialmente a justa causa. Trata-se do direito de recesso, pois ninguém pode ser obrigado a continuar em uma sociedade, com as ressalvas de que tal conduta deve ser muito bem pensada e planejada, diante dos custos de transação, das obrigações subjacentes, dos direitos sociais não mais exercíveis e dos impactos patrimoniais dessa decisão (CC, art. 1.029 e CF, art. 5º, XX).
c) Exclusão judicial do sócio, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios desde que caracterizada falta grave no cumprimento das obrigações (CC, art. 1.030). Sobre isso, a jurisprudência tem apontado também para a possibilidade da exclusão do majoritário, pelo minoritário, quando aquele incorrer em falta grave, especialmente quando abusar do poder de controle.
d) Incapacidade superveniente, ou seja, aquela que ocorrer depois da constituição da sociedade, em grau, cientificamente demonstrável, que afete o discernimento a ponto de impedir o exercício da condição de sócio (em direitos e ou em obrigações), invariavelmente decorrente de problemas de saúde. Isso se dará mediante ajuizamento de ação judicial específica para se declarar tal condição (CC, art. 1.030, segunda parte), condicionada a deliberação prévia pela maioria do capital (pré-ajuizamento);
e) Exclusão extrajudicial do sócio, condicionada à previsão expressa no contrato ou estatuto social sobre a exclusão por justa causa, a ser suscitada pela maioria dos sócios que representem mais da metade do capital, desde que estejam caracterizados atos de inegável gravidade que ponham em risco a continuidade da empresa, devendo-se, em qualquer cenário, ser observado o direito de defesa, respeitados os atos de convocação para reunião ou assembleia especialmente convocada para esse fim (CC, art. 1.085).
Ressalva-se que a notificação para a convocação deverá declarar o ato ou fato de inegável gravidade e as consequências prováveis, para que o sócio acusado possa, de fato, exercer o contraditório. Ademais, a conduta do sócio acusado não pode ter sido motivada pela contraparte, cabendo a intervenção do Poder Judiciário, mediante a provocação do sócio interessado/prejudicado, para interpretar e equalizar as forças sociais.
f) Penhora das quotas sociais pelo credor de sócio devedor, desde que inexistam outros bens capazes de satisfazer o respectivo crédito (CC, art. 1.026).
É fato que as quotas de sociedade são bens jurídicos patrimoniais com conteúdo econômico pertencente ao sócio, cabendo, portanto, não apenas a penhora, mas também a adjudicação da respectiva participação acionária em sociedades simples ou empresárias, de capital ou de pessoas. Preferencialmente, a penhora recairá sobre a participação (lucros/dividendos), mas caso não exitosa, sobre a quota ou quotas (nessa ordem). Na segunda hipótese, caberá ao adjudicante das respectivas quotas requerer a resolução da sociedade em relação à parte acionária pertencente ao sócio/devedor, e após a liquidação, o valor que for apurado será depositado em dinheiro no juízo da execução, em até 90 dias após a liquidação, do contrário, haverá título executivo para o exaurimento dos ativos sociais[vi].
g) Partilha no caso de divórcio ou morte do cônjuge. Nesses casos, não há propriamente a resolução da sociedade em relação a um sócio, até porque o tema é tratado na seção dedicada ao relacionamento da empresa com terceiros. De qualquer forma, os herdeiros do cônjuge de sócio, ou o cônjuge do que se separou judicialmente, não podem exigir desde logo a parte que lhes couber na quota social, mas concorrer à divisão periódica dos lucros, até que se liquide a sociedade (CC, art. 1027), salvo acordo prevendo situação diversa.
Frise-se, por oportuno, que o legislador não inseriu a quebra da afinidade dos sócios (affectio societatis) como uma possível causa para a resolução parcial ou dissolução total da sociedade, dando-se prevalência ao princípio da preservação da empresa, até mesmo pelo que ela (empresa) representa em termos de geração de empregos e de contribuição para a economia nacional.
Ademais, a falta de afinidade, por si só, não impede a continuidade e o sucesso da atividade empresarial, em que pese dificultar. Assim, mesmo diante de um cenário de quebra da afeição societária, é possível a formalização de um acordo societário com cláusula de convivência e atribuições bem definidas, o que se pode alcançar no âmbito de um bem elaborado plano de governança e compliance, invariavelmente decorrente da bem sucedida mediação/conciliação. Lembre-se que tal instituto (affectio) está presente principalmente nas sociedades de pessoas, e excepcionalmente nas sociedades de capital, no caso, nas sociedades anônimas de capital fechado, pois na sua essência há importância para as relações jurídicas derivadas dos sócios de capital.
Para que não fique sem registro, cabe lembrar que a Lei 6.404/76 (LSA) regulou expressamente as situações-hipóteses de dissolução das companhias, segundo o rol do artigo 206, a saber: I de pleno direito — a) pelo término do prazo de duração; — b) nos casos previstos no estatuto; — c) por deliberação da assembleia-geral (art. 136, X); — d) pela existência de 1 (um) único acionista, verificada em assembleia-geral ordinária, se o mínimo de 2 (dois) não for reconstituído até à do ano seguinte, ressalvado o disposto no artigo 251 (subsidiária integral); — e) pela extinção, na forma da lei, da autorização para funcionar. II por decisão judicial: — a) quando anulada a sua constituição, em ação proposta por qualquer acionista; — b) quando provado que não pode preencher o seu fim, em ação proposta por acionistas que representem 5% (cinco por cento) ou mais do capital social; — c) em caso de falência, na forma prevista na respectiva lei. III por decisão de autoridade administrativa competente, nos casos e na forma previstos em lei especial.
Tanto o Código Civil (art. 51), como a LSA (art. 207) estabelecem, ainda que dissolvida a empresa, essa conserva a personalidade jurídica até a extinção, que se dará com a conclusão da liquidação, pois é a partir daí que ocorre a realização dos ativos, o pagamento dos passivos e a partilha das sobras de acordo com a participação acionária.
Segundo Assis, “dissolução, assim, é um acontecimento que a lei reputa determinante da extinção da sociedade. Mas para que a sociedade seja extinta, desapareça do mundo jurídico, é preciso, normalmente, que ela entre em liquidação – fase ou período em que são concluídos os negócios pendentes, convertidos em dinheiro os bens que compõem o patrimônio social, pagas as dívidas e divididas as sobras entre os sócios ou acionistas”[vii]. Desse modo, a dissolução total ou parcial somente se completa com a conclusão da fase de liquidação, pela via administrativa ou judicial, cujo procedimento será abordado em texto ulteriormente dedicado.
Lembre-se que na dissolução parcial não ocorre a extinção da sociedade, apenas a redução do capital, caso o valor da quota não seja recomposta pelos sócios remanescentes ou coberto por um terceiro ingressante para manter a higidez o capital social.
Pelo contexto, a perenidade da empresa é regra e a dissolução a exceção, havendo razoável compatibilidade entre as normas do Código Civil e da LSA.
Conclui-se que a conduta dos agentes econômicos, em especial dos administradores, sócios majoritários, minoritários ou em posição igualitária, repercute não apenas nas atividades econômicas da empresa e nos resultados, mas também na eficiência e efetividade dos casos de dissolução, pois em termos societários as questões comportamentais darão norte à vida ou à extinção da empresa.
Notas e Referências
[i] RIBEIRO, Marcia Carla Pereira e BERTOLDI, Marcelo M. Curso avançado de direito comercial. 9ª ed. 2015, p.160.
[ii] MAMEDE, Gladson. Direito empresarial brasileiro: direito societário — sociedades simples e empresárias. 11ª ed. São Paulo: Atlas. 2019, p. 113.
[iii] RIBEIRO, Marcia Carla Pereira e BERTOLDI, Marcelo M. Curso avançado de direito comercial. 9ª ed. 2015, p.160.
[iv]CC, art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.
§1º A sociedade limitada pode ser constituída por 1 (uma) ou mais pessoas (incluído pela Lei nº 13.874, de 2019). OBS. A Medida Provisória 881/2019, chamada de MP da Liberdade Econômica, trouxe a figura da sociedade limitada unipessoal. Convertida na Lei 13.874/2019, manteve-se a previsão.
[v] TEIXEIRA, Tarcisio. Direito empresarial sistematizado. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 132.
[vi] MAMEDE, Gladson. Direito empresarial brasileiro: direito societário — sociedades simples e empresárias. 11ª ed. São Paulo: Atlas. 2019, p. 113.
[vii] GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017 p. 331.
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