Emoção e imputabilidade penal – Por Ricardo A. Andreucci

08/12/2016

É inegável a relação entre imputabilidade penal e emoção. Nos campos da psicologia e da psiquiatria esta relação de há muito é largamente explorada, ensejando a conclusão de que os estados emocionais absorventes, repentinos e transitórios, são fatores determinantes no desencadeamento de reação violenta no ser humano, capazes de influenciar o perfeito entendimento do caráter ilícito do fato e da determinação de agir conforme o direito.

No campo do Direito Penal, entretanto, a emoção pouco ou nada influencia a análise da imputabilidade, na medida em que a lei, expressamente, determina quais os casos de isenção de pena (doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado e embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior), relegando a influência e o domínio da emoção para hipóteses de diminuição de pena ou de atenuantes.

O incremento da criminalidade nos dias atuais, entretanto, traz ao jurista novamente a preocupação em estabelecer um critério determinante da personalidade criminosa, exigindo novas reflexões sobre as relações entre a psicopatologia e o ato delituoso.

A existência de uma personalidade biologicamente voltada para o crime, já sustentada por Lombroso (“L’Uomo Delinquente”), inaugurando a biotipologia criminal, indicava, ainda que de modo rudimentar, a existência de pessoas naturalmente más, que hoje seriam classificadas como portadoras de Transtorno Anti-social da Personalidade, Sociopatas ou Psicopatas, as quais poderiam ser identificadas por seus traços físicos, morfológicos ou anatômicos, sendo criado um verdadeiro biótipo do criminoso nato (determinismo biológico).

Lombroso foi um dos principais expoentes da Escola Positivista, berço dos estudos biológicos e sociológicos, que veio a se opor à Escola Clássica. Nesta época, a filosofia e a ciência estavam tomando novas dimensões, com o positivismo de Augusto Comte e o evolucionismo de Darwin e Spencer. A escola positivista pregava uma nova concepção do Direito, considerado como resultante da vida em sociedade e sujeito a variações no tempo e no espaço, de acordo com a lei da evolução.

A escola positivista dividiu-se em três grandes fases:

a) Fase Antropológica, da qual o principal expoente foi Cesare Lombroso;

b) Fase Sociológica, cujo principal expoente foi Enrico Ferri, criador da sociologia criminal;

c) Fase Jurídica, de Rafaele Garofalo, inaugurando os estudos da criminologia.

Lombroso pretendeu explicar o delito primeiramente pelo atavismo. Sustentava que o criminoso é um ser atávico, que regride em razão do processo. O criminoso, então, apresenta os sinais desta degenerescência, sendo que grande relevância seus caracteres psíquicos: insensibilidade moral, impulsividade, vaidade, preguiça, imprevidência, etc. Haveria, portanto, certos estigmas característicos do criminoso nato, sendo que a epilepsia é que produziria as reações atávicas.

Loucura moral foi o termo utilizado por Lombroso para caracterizar esse tipo de distúrbio, a qual deixa íntegra a inteligência do indivíduo, com a supressão apenas do senso moral.

Nessa época distinguiam-se apenas dois tipos de criminosos: o “criminoso ocasional”, representado por uma pessoa normal e fortuitamente criminosa sob influência de diversas circunstâncias e o “criminoso nato”, de natureza diferente da do homem normal, instintivo e cuja inclinação para o crime resultava de uma organização própria de sua biologia.

Lombroso, assim, classificou os criminosos em 5 tipos: a) criminoso nato; b) criminoso louco ou alienado; c) criminoso profissional; d) criminoso primário; e e) criminoso por paixão. Este último seria aquele portador de um humor exaltado, de uma sensibilidade exagerada, nervoso, explosivo e inconseqüente, a quem a contrariedade dos sentimentos leva por vezes a cometer atos criminosos, impulsivos e violentos, como solução para as suas crises emocionais.

Na literatura mundial sobre o assunto, dois pontos principais se destacam: primeiramente, é que parece aceito, unanimemente, a existência de determinada personalidade marcantemente criminosa ou, ao menos, inclinada significativamente para o crime. Em segundo, que a diferença principal entre as várias tendências doutrinárias diz respeito à flexibilidade ou inflexibilidade dessa personalidade criminosa, atribuindo ora uma predominância de fatores genéticos, ora de fatores emocionais e afetivos e, ora ainda, fatores sociais e vivenciais (Ballone GJ, Moura EC – “Personalidade Criminosa”, in PsiqWeb).

Na atualidade, a denominada Personalidade Dissocial se caracteriza justamente pelo desprezo das obrigações sociais, pela falta de empatia para com os outros e por um desvio considerável entre o comportamento e as normas sociais, havendo baixa tolerância à frustração e baixo limiar de descarga da agressividade, inclusive da violência, com tendência a culpar os outros ou a fornecer racionalizações duvidosas para explicar um comportamento de conflito com a sociedade. Inclusive, essas pessoas não se conformam com as normas legais, desrespeitam os direitos e sentimentos alheios, enganam ou manipulam os outros a fim de obter vantagens pessoais, mentem repetidamente, ludibriam e fingem, sendo irritáveis e agressivos.

Sob as ideias de Etienne De Greeff, psiquiatra francês, a pessoa passou a ser considerada a partir de sua história pessoal, considerando o conjunto de processos psicológicos, afetivos, morais etc, eventualmente capazes de conduzir à criminalidade. As ideias de De Greeff despertaram a necessidade de considerar o delinqüente como qualquer outra pessoa, possuidor de uma história particular e opções pessoais realizadas em função desta história. Essa posição pode ser considerada fenomenológica, e atenuou, sobremaneira, a hipótese de uma incontrolável predeterminação biológica, psicológica e social para a criminalidade. Essa fenomenologia valorizava a conduta geral da pessoa, seu caráter, seus motivos, instintos, afetos e antecedentes pessoais. A partir desse novo paradigma, haveria a necessidade de se conhecer profundamente o criminoso em sua personalidade específica pessoal e não mais uma personalidade geral e própria dos chamados homens criminosos (Greeff, Étienne De. “Les Instincts de Defénse et de Sympathie”. Ed. Univ. de France. 1947).

Modernamente, nas pesquisas de campo feitas em criminosos primários e reincidentes, não foram encontrados déficits ou psicopatologias relevantes o suficiente para se estabelecer associação entre a delinquência e a personalidade criminosa (comportamento criminal). Referidos indivíduos não se distinguiriam significativamente daqueles tidos como normais.

Nesse sentido, os atos, delituosos ou não, estariam relacionados com processos da personalidade ao nível da construção de significados e de valores da realidade, bem como com as opções de relacionamento da pessoa com essa realidade. Tal conceito implica na existência de uma estrutura da personalidade que determina certos padrões de ação e certos padrões de inter-relação particular do indivíduo com a realidade, fazendo com que ela aja em conformidade com a visão pessoal que tem da realidade.

Atualmente, portanto, é difícil aceitar-se a existência de uma personalidade tipicamente criminosa, composta por traços imutáveis e pré-definidos. Defende-se sim a existência de diferentes formas de organização e estruturação da personalidade, de diferentes maneiras de integrar os estímulos do meio e os processos psíquicos e de diferentes maneiras de relação com o mundo exterior. Essa estruturação típica e própria da personalidade é que produziria diferentes representações da realidade nas diferentes pessoas e, em função dessa personalidade, as pessoas definirão também suas diferentes formas de agir e de se relacionar com os outros e com o mundo. Seguindo esse raciocínio, o criminoso, como qualquer pessoa, estabelece uma representação da realidade, desenvolve uma ordem de valores e significados, na qual a transgressão adquire um determinado sentido e se torna, em dado momento da sua história de vida, uma modalidade de vida.


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Imagem Ilustrativa do Post: Split Personality // Foto de: Chris Marchant // Sem alterações

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