EMOÇÃO E CRIME – UMA RELAÇÃO COMPLEXA E EM CONSTANTE EVOLUÇÃO

18/04/2024

A emoção, um conceito multifacetado e de difícil definição, permeia a vida humana, conferindo-lhe nuances e intensidade. No âmbito jurídico, compreender a complexa relação entre emoção e crime é fundamental para a busca por justiça e a aplicação da lei de forma justa e ponderada.

O homicídio emocional, em particular, exige uma análise profunda das interações biopsicológicas que o circundam, a fim de desvendar a teia complexa da mente humana e seus impactos nas ações do indivíduo.

A relação entre imputabilidade penal e emoção é um tema antigo, complexo e intrigante, que vem sendo explorado há séculos por estudiosos das áreas de psicologia, psiquiatria e direito. Apesar de não haver um consenso absoluto sobre o assunto, é inegável que as emoções exercem um papel significativo na conduta humana, inclusive no contexto de atos delituosos.

No direito penal brasileiro, a emoção, por si só, não é suficiente para excluir a imputabilidade penal. O artigo 28 do Código Penal estabelece que a emoção e a paixão não excluem a imputabilidade penal. Isso significa que, mesmo que um indivíduo tenha cometido um crime sob forte impacto emocional, ainda assim será ele considerado responsável por seus atos.

Portanto, a emoção pouco ou nada influencia a análise da imputabilidade, na medida em que a lei, expressamente, determina quais os casos de isenção de pena (doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado e embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior), relegando a influência e o domínio da emoção para hipóteses de diminuição de pena ou de atenuantes.

No campo das ciências biológicas, a emoção se manifesta como uma sinfonia de reações fisiológicas, moldadas por circuitos neuronais específicos no cérebro. O sistema nervoso autônomo, o sistema endócrino e os circuitos neurais do sistema límbico se entrelaçam para produzir as diversas nuances emocionais que experimentamos, desde a alegria exuberante até a tristeza profunda.

A cognição, por sua vez, assume um papel central na avaliação da situação e na modulação da resposta emocional. Através de avaliações primárias e secundárias, o indivíduo determina a relevância do evento e as possíveis ações a serem tomadas. Essa avaliação, muitas vezes influenciada por crenças, valores e experiências pessoais, molda a forma como a emoção se manifesta e se traduz em comportamento.

A dimensão sociocultural também imprime sua marca nas emoções. A interação social, a mímica, o feedback e o compartilhamento de experiências emocionais moldam a forma como percebemos, interpretamos e expressamos nossas emoções. As normas e valores sociais, transmitidos através da cultura, também influenciam o comportamento emocional, definindo o que é considerado aceitável ou inaceitável em cada contexto.

O aumento da criminalidade tem intensificado a busca por um critério determinante da personalidade criminosa. No passado, teorias como a de Cesare Lombroso, que defendia a existência de um "tipo físico do criminoso nato", predominavam.

No entanto, estudos posteriores demonstraram que tais teorias eram falhas e simplistas. Atualmente, a comunidade científica reconhece que a criminalidade é um fenômeno multifatorial, influenciado por diversos componentes biológicos, psicológicos, sociais e ambientais.

Um conceito mais moderno e abrangente para compreender a criminalidade é o da Personalidade Dissocial. Essa condição se caracteriza por um conjunto de características psicológicas que aumentam o risco de comportamento antissocial, como: desprezo pelas normas e obrigações sociais, falta de empatia e compaixão, impulsividade e baixa tolerância à frustração, tendência à manipulação e exploração do próximo, comportamentos agressivos e violentos.

É importante ressaltar que a Personalidade Dissocial não é sinônimo de criminalidade. Indivíduos com essa condição podem se relacionar socialmente e viver normalmente, sendo aceitos pelo meio e desempenhando atividades produtivas. No entanto, esses indivíduos apresentam maior risco de se envolver em comportamentos antissociais e criminosos.

Nesse panorama se insere o homicídio emocional, que se configura como um ato extremo, muitas vezes desencadeado por um evento externo que gera um episódio emocional intenso. A capacidade cognitiva de compreensão da emoção se vê prejudicada, levando o indivíduo a agir de forma impulsiva e desproporcional, culminando na supressão da vida da vítima.

É justamente nesse cenário complexo que o conhecimento das emoções e suas atribuições assume relevância crucial. A compreensão das distinções sutis entre emoções básicas, das situações que as provocam e das respostas mais adequadas à cada contexto torna-se essencial para a análise do caso. O homicida emocional, muitas vezes, falha em desenvolver esse conhecimento, respondendo de forma intempestiva e desmedida ao estímulo emocional.

A análise atribucional, que se concentra nas atribuições pós-resultado, busca compreender as motivações por trás das emoções experimentadas após eventos positivos ou negativos. No caso do homicídio emocional, essa análise se torna fundamental para desvendar as razões que levaram o indivíduo a agir de forma extrema.

O arrependimento profundo, frequentemente manifestado pelo homicida emocional após o crime, evidencia a complexa teia de fatores que o impulsionaram. As circunstâncias excepcionais que o cercaram, embora não o justifiquem, podem fornecer pistas valiosas sobre a capacidade emocional prejudicada no momento do crime.

Percebe-se, pois, que a relação entre emoção e crime é complexa e multifacetada. As emoções podem, em algumas situações, influenciar a conduta humana de forma significativa, inclusive no contexto de atos delituosos.

No entanto, é importante considerar que a criminalidade é um fenômeno multifatorial, influenciado por diversos outros fatores além das emoções, daí porque a busca por um critério único e determinante da personalidade criminosa se mostrou infrutífera.

Atualmente, a comunidade científica reconhece a necessidade de uma abordagem mais abrangente e complexa para compreender a criminalidade, que leve em consideração os diversos fatores biológicos, psicológicos, sociais e ambientais que contribuem para esse fenômeno.

No Tribunal do Júri, onde a emoção e a razão se entrelaçam, a instrução dos jurados acerca das interações emocional-psicológicas vivenciadas pelo homicida no caso concreto torna-se crucial. Cabe à parte interessada, seja o réu por seu defensor ou o Promotor de Justiça, apresentar elementos que possibilitem aos jurados compreenderem a complexa dinâmica emocional que permeou o crime.

Embora o profissional do direito possa não deter conhecimento técnico-científico aprofundado sobre essas interações, ferramentas como a assistência técnica (art. 159, § 3º, do CPP) e os esclarecimentos periciais especializados (art. 473, § 3º, do CPP) podem auxiliar na construção de um argumento sólido e na busca por um julgamento justo e ponderado.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Spinning // Foto de: Charles Roper // Sem alterações

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