Em país no qual PEC tem 2ª chance, aglutina que cabe – Passe de mágica regimental e Constituição

02/07/2015

Por Maurilio Casas Maia - 02/07/2015

O Brasil não é um país sério

Carlos Alves de Souza Filho ou Charles de Gaulle (no momento, tanto faz...)

1º de julho de 2015 no Brasil – um dia para o povo ou um dia de ilegalidade antidemocrática? Duas versões correm na Câmara e por todos os cantos do Brasil. No dia antecedente – 30/6/2015 –, a votação da PEC n. 171/1993 revelou uma maioria da Câmara dos Deputados que desejava a redução da idade de maioridade penal. Com menos de 24 horas, esforços conduziram a uma emenda aglutinativa. A retrocitada emenda aglutinativa n. 16 (PEC n. 171) “pegou mais leve” que o substitutivo rejeitado para facilitar a aprovação e trouxe esperança aos derrotados do dia 30/6/2015. Na verdade, levou mais que esperança, conduzindo-os à vitória (em primeiro turno) por 323 votos.

No dia anterior, a ideia seria votar o projeto original já no dia 1º de julho – esse projeto, porém, era mais severo e provavelmente não passaria na primeira votação. Entretanto, com o surgimento da vitoriosa aglutinativa, vieram também as acusações de “pedalada regimental” contra a presidência da casa, colocando-se em risco a credibilidade democrática e o devido processo legislativo (regimental e de emenda constitucional).

Ora, o § 5º do artigo 60 da Constituição da República determina que “[a] matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.” A redação é clara. Percebe-se que ao lado dos argumentos sobre a tal “pedalada regimental”, a referida regra constitucional, ao que tudo indica, foi também violada e pode acarretar um bater de portas no Supremo Tribunal Federal (vide aqui), talvez mais cedo do que se imaginava.

No primeiro dia (30/6), alguns leigos não entenderam como uma votação vencedora poderia ter saído derrotada apesar da superioridade numérica do “sim” à PEC. Simples. A Constituição é a Carta de Garantia dos cidadãos. Para tutelar os direitos humanos e fundamentais dos cidadãos e evitar sua agressão principalmente em tempos de crise social, criou-se regra protetora da Constituição, dificultando (mas não tornando impossível) a mudança constitucional arbitrária – vide os termos do § 2º do artigo 60 da Constituição: “§ 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros”.

Não se deve esquecer, ademais, a existência de vozes indicando que a maioridade penal constitucional é cláusula pétrea (Constituição, art. 60, § 4º) e, dessa forma, intocável pelo constituinte das emendas. Há outras falas também verberando a não convencionalidade da PEC n. 171/1993, reforçando ainda mais a ideia de sua rejeição material pelos juristas.

Pois bem. Apesar de tudo, a PEC vai ao 2º turno.

Os parabéns aos corajosos que souberam (e saberão) resistir à “opinião publicada” (MAFFESOLI) e raciocinar um futuro mais “educado” para o Brasil, sem violar a lógica do paradoxo de Wacquant – segundo o qual não se pode resolver o problema da ausência de política social com mais política encarceradora, a qual retira valores orçamentários relevantes da política social – tudo a um custo alto para a sociedade brasileira.

É preciso “pensar” o Brasil e não apenas “emocionar-se” com o Brasil. É necessário, sim, raciocinar bem o Brasil e não agir por impulsos vingativos (ou meramente populistas e eleitoreiros). Aos que souberam pensar um projeto de nação calcado na dignidade humana, o mais profundo respeito se registra aqui. Construir uma sociedade humana, evoluída e civilizada isso sim, não tem preço.

Portanto, aos que disseram “não” à PEC n. 171/1993, disseram esses parlamentares um “sim” à Constituição, um “sim” à dignidade do povo brasileiro, um “sim” ao modelo que provoca menos reincidência e um “sim” à crença de que paliativos fortalecedores de um ciclo social vicioso não podem e não devem encontrar espaço na sociedade brasileira.

Difícil esperar alguma (boa) surpresa quanto ao 2º turno agendado para o 2 de julho, 10 horas, em Brasília. Difícil crer na vitória da racionalidade em meio a tanta pressa e sede populista.

Com efeito, a PEC n. 171/1993 mereceu uma segunda chance em um passe de mágica regimental terão os adolescentes infratores a mesma sorte?

E era uma vez um “1x7” que – num passe regimental –, tornou-se “8-7” – um minuto, por favor, alguém esqueceu a Constituição?


Notas e Referências:

MAIA, Maurilio Casas. A elite voadora e o paradoxo de Wacquant – Entre o cavalo de tróia da indústria carcerária e as cifras omitidas: Ainda sobre fragmentos libertadores de Barrabás e aprisionadores de adolescentes. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/a-elite-voadora-e-o-paradoxo-de-wacquant-entre-o-cavalo-de-troia-da-industria-carceraria-e-as-cifras-omitidas-ainda-sobre-fragmentos-libertadores-de-barrabas-e-aprisionadores-de-adolescentes/>. Acesso em: 15 Jun. 2015.

MAFFESOLI, Michel. Apocalipse: Opinião pública e opinião publicada. Porto Alegre: Sulina, 2010.

ROSA, Alexandre Morais. MAIA, Maurilio Casas.  Neoinquisidores perderam ontem e não se deram por vencidos. O dono da bola quer sangue com a redução da “maioridade penal”. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/neoinquisidores-perderam-ontem-e-nao-se-deram-por-vencidos-o-dono-da-bola-quer-sangue-com-a-reducao-da-maioridade-penal-por-alexandre-morais-da-rosa-e-maurilio-casas-maia/>. Acesso em: 1 Jul. 2015.

______. Precisamos conversar sobre gastar, no mínimo, 20 mil reais com cada preso. Vale a pena? Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/precisamos-conversar-sobre-gastar-no-minimo-20-mil-reais-com-cada-preso-vale-a-pena-por-alexandre-morais-da-rosa/>. Acesso em: 10 Jun. 2015.

WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. 2ª ed. Tradução: André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

______. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Revan, 2003.


Maurilio Casas Maia é Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pós-Graduado lato sensu em Direito Público: Constitucional e Administrativo; Direitos Civil e Processual Civil. Professor de carreira da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e Defensor Público (DPE-AM).

Email:  mauriliocasasmaia@gmail.com                                                                                     


Imagem Ilustrativa do Post: Senado Federal // Foto de: Senado Federal //Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/agenciasenado/4997127772 Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura