É possível se tornar um “cidadão de bem”?

28/11/2015

Coluna Espaço do Estudante

"Enquanto houver uma classe inferior, pertenço a ela; enquanto houver um elemento criminoso, sou parte dele; enquanto houver uma alma na prisão, não sou livre."

Eugenio Debs

Por que (algumas) pessoas deixam de cometer crimes?

A resposta a essa intrigante pergunta representa um desenvolvimento relativamente recente na investigação criminológica, até porque durante muitos anos, os criminólogos focaram os estudos apenas sobre os motivos do cometimento do crime (action focuse) - questão até lógica - pois assim buscar-se-iam os instrumentos para a efetiva prevenção do delito.

Contudo, a partir da década de 90, foi possível observar uma virada criminológica do input (entrada) para o output (saída) do crime, principalmente com a publicação de ‘Crime in the Making”, por Robert Sampson e John Laub (1993). Os motivos foram variados, desde a falência do discurso oficial do sistema penal até a busca por novos lugares no palco da criminologia.

Adotando uma teoria social da desistência, esses autores sustentaram que um indivíduo é mais propenso a se envolver em um crime quando seu vínculo com a sociedade (e suas instituições) encontra-se enfraquecido ou quebrado. Para eles, as instituições, os vínculos e relações sociais criariam uma espécie de “controle social informal” (informal control), ou seja, indivíduos integrados a uma comunidade, afim de não quererem receber uma etiqueta negativa pela sociedade, acabariam abstendo-se de praticar atividades ilícitas. Logo, a perda de identidade social representaria fator criminógeno e o fortalecimento das instituições sociais e dos vínculos comunitários acabaria sendo a “fórmula de ouro” para que os criminosos desistissem de uma “vida bandida” (road to crime).

A partir de tais ideias, Shadd Maruna (2001) argumentou que a desistência do crime adviria de um sentimento de pertença (pro-social identity), onde uma anterior rotulação negativa (homem mau) acabaria por contribuir para a busca de uma “nova” identidade. Maruna refere-se a este dispositivo narrativo como uma redenção (redemption script). Um exemplo comum de script estudado pela autora: “eu era essencialmente bom, mas vim de uma família pobre, fui atraído para drogas e o crime surgiu como uma válvula de escape desse pano de fundo, mas, com o tempo isso se tornou uma armadilha. No entanto, com a ajuda de boas pessoas pude mudar”.

Veja-se que o núcleo essencial estudado por Maruna foi definir que as rotulações anteriores 'ruins', ao invés de representar o estigma da vergonha, representaria para os desisters, um meio para refazer o caminho de suas vidas, servindo-se como uma importante contribuição para a sociedade: a de que é possível desistir do crime. Suas histórias, espalhadas pela comunidade gerar novas desistências, novos caminhos...

Criminólogos têm encontrado alguns processos comuns associados com a desistência do crime: os chamados gatilhos (triggers). Entre eles, temos à obtenção de emprego. Thomas Meisenhelder (1977) e Neal Shover observaram que a aquisição de um bom trabalho acabava gerando "um padrão de atividades rotineiras que deixava pouco tempo para as atividades diárias associadas com o crime.

Parcerias importantes na vida também representariam um gatilho para a desistência. Segundo Shover (1983: 213), “o estabelecimento de um relacionamento mutuamente satisfatório com uma mulher era um padrão comum 'e' um fator importante na transformação de um criminoso". Um número de estudos também sugeriu que a experiência de tornar-se um pai ou mãe também estaria associada a desistência do infrator.

Em síntese: as pessoas mudam, mas desde que sejam vistas como pessoas, e sejam integradas à sociedade. Nesse contexto, buscou-se aqui apresentar notas introdutórias sobre a questão da desistência do caminho do crime (road to crime), sustentando que ela é um processo complexo, tanto do ponto de vista social, como pessoal, e que nenhuma desistência pode advir “forçadamente”, sendo necessário uma integração comunitária e um sentimento de identidade e compromisso social mais amplo. Este alargamento da visão criminológica é importante para a criação do paradigma de desistência, ou seja, um novo modo-de-ser reabilitador e inclusivo, evitando com isso a formação de conflitos sociais e marginalizações. Afinal segundo Clarice Lispector: “o mais importante é a mudança, o movimento, o dinamismo, a energia. Só o que está morto não muda!”.


Notas e Referências:

Sampson, R. e Laub, J. (1993). Crime in the Making, Cambridge, MA: Harvard University Press.

Maruna, S. (2001). Making Good. Washington, DC: American Psychological Association.

Shover, N. (1983). ‘The later stages of ordinary property offender careers’,Social Problems 31(2): 208–218.


Alexandre Brito

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Alexandre do Rosario Brito é Acadêmico de Direito do 8º Semestre da Faculdade Estácio do Pará – ESTÁCIO-FAP.

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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