É ilegal o interrogatório por videoconferência sem motivos relevantes, decide TJSC

18/12/2015

Por redação - 18/12/2015

O interrogatório é ato pessoal e a substituição por videoconferência deve ser excepcional, devidamente motivada, não sendo possível apenas por conveniência do Juízo. Com alentado fundamento, o relator, Des. Rodrigo Collaço, da Quarta Câmara do TJSC, em votação unânime, concedeu a ordem em Habeas Corpus impetrado pela aguerrida Defensora Pública Ana Carolina Dihl Cavalin. Vale a pena conferir.

Habeas Corpus n. 2015.085972-2, de Itajaí Relator: Des. Rodrigo Collaço

HABEAS CORPUS. SUPOSTA PRÁTICA DO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. DETERMINAÇÃO DE REALIZAÇÃO DO INTERROGATÓRIO POR MEIO DE VIDEOCONFERÊNCIA. MEDIDA EXCEPCIONAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO EM ELEMENTOS DO CASO CONCRETO E ATINENTES AOS REQUISITOS ESTABELECIDOS NO ART. 185, § 2º, DO CPP. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. ORDEM CONCEDIDA PARA DETERMINAR A REALIZAÇÃO DO INTERROGATÓRIO PRESENCIAL.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus n. 2015.085972-2, da comarca de Itajaí (1ª Vara Criminal), em que é impetrante Ana Carolina Dihl Cavalin (Defensora Pública), e paciente O. D. B.: A Quarta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conceder a ordem para suspender a realização de interrogatório por vídeo conferência paciente O. D. B., bem como do corréu L. de O., mantida a data da audiência inicialmente designada (14.12.2015). Comunique-se com urgência. Custas legais. Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Jorge Schaefer Martins (Presidente) e Roberto Lucas Pacheco. Funcionou como representante do Ministério Público o Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Carlos Eduardo Abreu Sá Fortes.

Florianópolis, 10 de dezembro de 2015 Rodrigo Collaço RELATOR


Confira o acórdão na íntegra:

RELATÓRIO Trata-se de habeas corpus impetrado por Ana Carolina Dihl Cavalin (defensora Pública) em favor de O. D. B., em razão da decisão proferida pelo juízo da 1ª Vara Criminal da comarca de Itajaí que, nos autos n. 00072606420158240033, que determinou a realização do interrogatório do paciente por meio de videoconferência, nos autos de ação penal proposta em razão da suposta prática do crime , imposta pela prática, em tese, de delitos tipificados nos arts. 33, caput, e 35, da Lei n. 11.343/06. Sustenta, em síntese, que o constrangimento ilegal é evidenciado ante a marcação do ato por videoconferência sem o preenchimento de qualquer uma das situações excepcionais previstas no art. 185, § 2º, do Código de Processo Penal. Esclarece que a realização do ato por videoconferência sem justificativas plausíveis traz inúmeros prejuízos à defesa técnica do paciente. Anuncia que o ato está marcado para o dia 14/12/2015 e pede, liminarmente, a sua suspensão.Postula, ainda, a concessão da ordem para que o interrogatório seja realizado na presença do Juiz.

Indeferida a liminar (fls. 69-70) e solicitadas informações à autoridade coatora, estas foram devidamente prestadas (fls. 75-80). A douta Procuradoria-Geral de Justiça, por parecer da lavra do Excelentíssimo Procurador de Justiça Carlos Eduardo Abreu Sá Fortes, opinou pela concessão da ordem (fls. 84-90).

VOTO O paciente está preso preventivamente pela suposta prática dos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico. Como visto, o presente habeas corpus foi impetrado contra decisão que determinou a realização do interrogatório do paciente por meio de videoconferência, procedimento previsto no art. 185, § 2º, do CPP, que assim dispõe: "Art. 185, § 2º - Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades: I – prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento; II – viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal; III – impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código; IV – responder à gravíssima questão de ordem pública". Acerca do tema, leciona Guilherme de Souza Nucci: "A excepcionalidade do uso da videoconferência: temos sustentado inexistirem direitos absolutos e intocáveis, sejam eles constitucionais ou provenientes de legislação ordinária. A meta do sistema processual penal do Estado Democrático de Direito é compatibilizar os direitos individuais com a guarida à segurança coletiva. Por isso, a lei federal recém-editada, disciplinando a utilização da videoconferência, foi bem clara ao conferir o status de excepcionalidade a tal medida. Demanda-se decisão fundamentada e alguma das hipóteses descritas nos incisos I a IV do § 2º do art. 185 do Código de Processo Penal. Diante disso, é fundamental não se permitir a vulgarização da utilização da videoconferência por mero comodismo dos órgãos judiciários ou estatais em geral. Ser mais fácil não significa ser o ideal. Ser mais célere, por si só, não simboliza modernidade, nem preservação de direitos. Portanto, deferir-se a videoconferência, fora do contexto da excepcionalidade, fere a ampla defesa e é medida abusiva, gerando nulidade absoluta ao feito. Decisão judicial fundamentada: todas as decisões do Poder Judiciário devem ser fundamentadas (art. 93, IX, CF), mas nunca é demais relembrar, no texto da lei ordinária, ser esse parâmetro essencial a determinados cenários do processo penal. Por isso, simbolizando a utilização da videoconferência uma restrição ao direito de audiência, exercitado pessoalmente pelo réu, exige-se a motivação judicial para o ato. Aliás, por se tratar de decisão excepcional e vinculada aos pressupostos legais (como a decretação da prisão preventiva, por exemplo), é indispensável conhecer os parâmetros usados pelo magistrado para adotar a videoconferência" (Código de Processo Penal Comentado. 13ª ed., São Paulo: Forense, 2014, p. 442)

Assim, é certo que a realização de interrogatórios por meio de videoconferência é instrumento extremamente útil, devendo ser utilizado nos casos facultado pelo Código de Processo Penal, desde que determinado por decisão fundamentada. Nesse contexto, verifica-se que a decisão ora combatida não conta com fundamentação idônea, senão vejamos: "O interrogatório dos acusados, por sua vez, será realizado mediante videoconferência com o Complexo Penitenciário do vale do Itajaí. A medida é necessária, diante da gravidade do caso concreto, o que demonstra a necessidade do acautelamento da ordem pública, e a fim de se evitar a fuga do réu durante seu deslocamento do estabelecimento prisional até o prédio do Fórum e vice-versa, bem como para impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, uma vez que não há estrutura para colher o depoimento destas por videoconferência. O dia-a-dia desta vara criminal é sintomático. É frequente a recusa da vítima/testemunha em prestar depoimento na presença do réu, por temer pela sua vida e de seus familiares. Muito antes do início das audiências, aquela apelam para que não se permita que o autor do fato se depare com elas, fazendo que sejam tomadas medidas que demandam tempo e deslocamento do réu pelo Fórum para que este encontro não ocorra. Estas manifestações das vítimas e das testemunhas, sobretudo nos crimes de especial gravidade, como no caso em tela, revelam que a presença do acusado na sala de audiências pode influenciar negativamente nos depoimentos a serem tomados, em detrimento da verdade substancial. Diante dessa situação, verifica-se que há um conflito de direitos: direito de presença do réu versus interesse da verdade real e direito da vítima/testemunha de ser tratada com dignidade e não ser submetida ao pavor de encontrar ou falar defronte de um acusado tido como violento, perigoso e destemido. Em casos como este, o direito de presença do acusado que, como qualquer direito, é relativo, deve ceder ao interesse público. Não se perca de vista que o defensor, no exercício do seu mister, pode até, se esse for o seu entendimento, pedir a suspensão da audiência, para estabelecer contato com o acusado, naquilo que for interesse da defesa, não havendo qualquer prejuízo. Ademais, na hipótese de requerimento para reconhecimento do autor dos fatos, as condições para que isso ocorra pelo modo da videoconferência são sensivelmente melhores, já que, no Estabelecimento Prisional, por erto, haverá outras pessoas com características semelhantes, conforme prevê o art. 226, I, do CPP". Em que pese válidas referência extraídas da experiência do julgador, não se admite que decisões excepcionais – como a determinação da segregação cautelar do agente ou, como no caso dos autos, o interrogatório por meio de videoconferência – estejam fundamentadas exclusivamente em elementos abstratos e genéricos, sendo necessária a exposição de fundamentos extraídos de elementos do caso concreto que legitimem a excepcionalidade da medida.

Na verdade, fundamentação genérica é aquela que serve para qualquer réu, em qualquer processo. Generalidades como a gravidade do crime e hipotético pedido de prestar depoimento na ausência do acusado, sem o enfrentamento dos elementos do caso concreto, não servem para embasar a realização do interrogatório por videoconferência. Justamente para coibir tal arbitrariedade, tem-se exigido que a decisão esteja fundamentada em elemento do caso concreto. Nesse sentido, colhe-se da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: "PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. ROUBO. AUDIÊNCIA POR VIDEOCONFERÊNCIA. HIPÓTESE NÃO PREVISTA NO § 2º DO ART. 185 DO CPP. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE DEFENSOR NO PRESÍDIO. OFENSA AO § 5º DO ART. 185 DO CPP. NULIDADE. OCORRÊNCIA. 1. A deficiência de transporte e escolta para que o réu seja deslocado do presídio para o fórum não constitui justificativa plausível para designação de audiência por meio de videoconferência. A hipótese deve estar prevista em um dos incisos do art. 185, § 2º, do Código de Processo Penal, o que não ocorreu no presente caso. [...]" (REsp n. 1.438.571/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 28.4.2015).

"PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. TRANSNACIONALIDADE. AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E INTERROGATÓRIO POR VIDEOCONFERÊNCIA. ATO PROCESSUAL SOB A ÉGIDE DA LEI FEDERAL Nº 11.900/09. POSSIBILIDADE. ELEMENTOS CONCRETOS A JUSTIFICAR A MEDIDA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. OCORRÊNCIA. FLAGRANTE ILEGALIDADE. INEXISTÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. 1. A determinação judicial para a realização da audiência de instrução e interrogatório do réu por videoconferência ocorreu após a alteração do artigo 185 do Código de Processo Penal pela Lei n.º 11.900/2009. 2. A adoção da medida foi calcada em elementos extraídos do caso concreto, especialmente nos fortes indícios de que a conduta do agente provavelmente estaria inserida na atividade de organização criminosa empresarial com atuação internacional e na necessidade da escolta do acusado por centenas de quilômetros para propiciar o interrogatório presencial, com risco de fuga. 3. Não se limitou o magistrado a reproduzir o texto legal, mas alinhavou a gravidade concreta como substrato para a realização de atos processuais por intermédio da referida tecnologia, com espeque nos requisitos do artigo 185, § 2º, incisos I e IV, do Código de Processo Penal, demonstrando-se, assim, a necessidade da providência excepcional.

4. Recurso a que se nega provimento" (RHC n. 57.546/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 14.4.2015).

"CONSTITUCIONAL. PENAL. HABEAS COPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO A RECURSO PRÓPRIO. ROUBO TENTADO. NULIDADE POR CERCEAMENTO DE DEFESA. INTERROGATÓRIO REALIZADO POR VIDEOCONFERÊNCIA. DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. REGIME  PRISIONAL. PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. SÚMULA 440 DO STJ E SÚMULA 719 DO STF. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. CONCESSÃO DA ORDEM, DE OFÍCIO, PARA ESTABELECER O REGIME ABERTO PARA CUMPRIMENTO INICIAL DA PENA. [...] 02. 'A realização do interrogatório por videoconferência é medida excepcional, a ser justificada com base em qualquer das hipóteses previstas no § 2º do artigo 185 da Lei Processual Penal' (HC 194.576/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 24/04/2013; AgRg no HC 199.414/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, DJe 21/09/2012). No caso, a excepcionalidade da medida foi fundamentadamente justificada: necessidade de evitar que o réu intimide as vítimas, entre as quais duas crianças (CPP, art. 185, § 2º, inc. III). [...]" (HC n. 279.441/SP, Rel. Min. Newton Trisotto, j. 20.11.2014).

Diante do exposto, o voto é no sentido de conceder a ordem para suspender a realização do interrogatório por vídeo conferência do paciente O. D. B., bem como do corréu L. de O., mantida a data da audiência inicialmente designada (14.12.2015).


Imagem Ilustrativa do Post: Albert V Bryan Federal District Courthouse - Alexandria Va - 0018 - 2012-03-10 // Foto de: Tim Evanson // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/23165290@N00/6830726846/ Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

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