DIRETRIZES DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA PARA A REALIZAÇÃO DO RECONHECIMENTO DE PESSOAS EM PROCEDIMENTOS E PROCESSOS CRIMINAIS

09/02/2023

Por meio da Portaria n. 484, de 19 de dezembro de 2022, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ estabeleceu diretrizes para a realização do reconhecimento de pessoas em procedimentos e processos criminais e sua avaliação no âmbito do Poder Judiciário.

Buscou o CNJ evitar a condenação de pessoas inocentes e possibilitar a responsabilização dos culpados, tendo o Plenário do órgão aprovado, por unanimidade, a dita resolução a partir do julgamento do Ato Normativo n. 0007613-32.2022.2.00.0000, na 361ª Sessão Ordinária, realizado em 06 de dezembro de 2022. Esse Ato Normativo foi resultado do grupo de trabalho (GT) instaurado pela Portaria CNJ n. 209/2021, que reuniu especialistas no tema e desenvolveu estudos e procedimentos a serem observados pelo Poder Judiciário. A equipe, organizada e coordenada pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativa (DMF), foi coordenada pelo ministro Rogério Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça.

A ministra Rosa Weber, presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, ao apresentar a proposta ao Plenário, ressaltou que as reflexões e os debates desenvolvidos no âmbito do grupo de trabalho tiveram como tônica a pluralidade de olhares institucionais e a diversidade de perspectivas epistemológicas. Disse a ministra, na ocasião: “Ao disponibilizar à sociedade brasileira todas as contribuições do GT, o CNJ dá um passo histórico na elevação do padrão de confiabilidade da prova de reconhecimento e na qualificação da prestação jurisdicional em nosso país, fatores que contribuem, a um só tempo, para evitar a prisão e condenação de inocentes, reduzir a impunidade e ampliar o respaldo do sistema de justiça perante a comunidade”.

Na fundamentação (“considerandos”) da Portaria n. 484/22, vêm referenciados os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, do devido processo legal, da ampla defesa e a vedação às provas ilícitas (arts. 3º, III, e 5º, LIV, LV e LVI, CF), ressaltando-se, ainda, que o reconhecimento de pessoas equivocado é uma das principais causas de erro judiciário, conforme demonstrado por ampla produção científica, nacional e internacional, que indica a existência de diversos fatores sensíveis no procedimento de reconhecimento.

A portaria estabeleceu, em seu art. 2º, que reconhecimento de pessoas é o procedimento em que a vítima ou testemunha de um fato criminoso é instada a reconhecer pessoa investigada ou processada.

Foi destacada, ainda, a delimitação, por natureza, do reconhecimento de pessoas como prova irrepetível e o estabelecimento de que o reconhecimento seja realizado preferencialmente pelo alinhamento presencial de, no mínimo, 4 (quatro) pessoas não relacionadas ao fato investigado e, em caso de impossibilidade, pela apresentação de fotografias, observadas, em qualquer caso, as diretrizes da resolução e do Código de Processo Penal. A norma também prevê que, na impossibilidade de realização do reconhecimento conforme esses parâmetros, outros meios de prova devem ser priorizados.

Além disso, a portaria estabeleceu que o reconhecimento de pessoas deve ser composto de 5 (cinco) etapas, a saber:

I – entrevista prévia com a vítima ou testemunha para a descrição da pessoa investigada ou processada;

II – fornecimento de instruções à vítima ou testemunha sobre a natureza do procedimento;

III – alinhamento de pessoas ou fotografias padronizadas a serem apresentadas à vítima ou testemunha para fins de reconhecimento;

IV – o registro da resposta da vítima ou testemunha em relação ao reconhecimento ou não da pessoa investigada ou processada; e

V – o registro do grau de convencimento da vítima ou testemunha, em suas próprias palavras.

Vale ressaltar que, para fins de aferição da legalidade e garantia do direito de defesa, determina a portaria que o procedimento seja integralmente gravado, desde a entrevista prévia até a declaração do grau de convencimento da vítima ou testemunha, com a disponibilização do respectivo vídeo às partes, caso solicitado. A pessoa cujo reconhecimento se pretender tem direito a constituir defensor para acompanhar o procedimento de reconhecimento pessoal ou fotográfico, nos termos da legislação vigente.

Por fim, a portaria determina que o ato de reconhecimento seja reduzido a termo, de forma pormenorizada e com informações sobre a fonte das fotografias e imagens, para juntada aos autos do processo, em conjunto com a respectiva gravação audiovisual, sendo certo que a autoridade judiciária, ao apreciar o reconhecimento de pessoas efetuado na investigação criminal (consistente em prova irrepetível, realizada uma única vez, consideradas as necessidades da investigação e da instrução processual, bem como os direitos à ampla defesa e ao contraditório) avaliará a higidez do ato, para constatar se houve a adoção de todas as cautelas necessárias, incluídas a não apresentação da pessoa ou fotografia de forma isolada ou sugestiva (“show up”), a ausência de informações prévias, insinuações ou reforço das respostas apresentadas, considerando o disposto no art. 157 do Código de Processo Penal. Deverá, ainda, a autoridade judiciária atentar para a precariedade do caráter probatório do reconhecimento de pessoas, que será avaliado em conjunto com os demais elementos do acervo probatório, tendo em vista a falibilidade da memória humana.

 

 

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