Direito ao respeito: uma aproximação da jurisdição constitucional com a alteridade

05/04/2017

Por Cândice Lisbôa Alves – 05/04/2017

Meus alunos do projeto de extensão Constituição na Escola, que faz parte do ESAJUP (escritório de assessoria jurídica popular) da Universidade Federal de Uberlândia, me apresentaram, semana passada, uma foto para postagem no facebook, que dizia assim: “Professor... ensina com amor, pois não sabes por quais tormentas passam teus alunos. Talvez, para alguns, o único lugar seguro seja a tua sala, e a única moral o teu exemplo. Pense nisso com carinho”. Pronto: desafio lançado. Falar de jurisdição constitucional pelo olhar do outro, do respeito para com o outro, da alteridade.

No contexto do projeto, essa fala seria referente à atuação de docentes no ensino fundamental, todavia, remetendo à aplicação do Direito percebo o quanto ele precisa dar as mãos à antropologia para que o ideal de Justiça seja resgatado, e o Direito seja mais do que normas estéreis de condutas para o tal do homem médio, que ninguém sabe e ninguém nunca viu. E que, olhando a fundo, é só a representação dos elementos de dominação tradicional (é homem, patriarcal, dominante, branco, enfim... só o retrato de uma parcela da população acostumada ao poder e que não precisa de um direito que lhe proteja).

É preciso falar de respeito e integridade, no Direito e na Educação. Talvez seja necessário falar de respeito para que a convivência social volte a ser amistosa e solidária e não a lei do “olho por olho e dente por dente” que, embora não se assuma publicamente, virou a tônica do convívio na sociedade atual: exalta-se o mais esperto, rechaça-se quem faz a coisa certa, por ser tido como o bobo da história. A premiação social é para aquele que se dá bem, e isso não coincide (em grande parte das vezes) com quem age em prol do outro.

Diante do desafio, então, fui à Constituição buscar a utilização da palavra respeito. Achei algumas possibilidades voltadas para o Direito Penal, como a prevista no art. art. 5º, XLIX onde se determina ser assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral. Palavras escritas, direito ditado, mas que não tem significado prático em um país onde se reconhece que o sistema penitenciário está falido, cogitando-se no “estado de coisas inconstitucional” quanto à situação (ADPF 347). Respeito, aqui, deveria significar o respaldo ou resguardo à sua compleição física, assim como a seu aspecto subjetivo que está entrelaçado a elementos morais. Mas, tristemente, a sociedade repele direitos aos presos por eles serem presos: ao mal deve-se pagar com o mal. Ecoam aos quatro cantos: “bandido bom é bandido morto”; “uma cabeça a menos”; “antes ele do que eu”; “fizeram tem que pagar, e morrer ajuda”.

Onde está a alteridade?

Seguindo na pesquisa da Constituição encontrei a norma do art. 227: “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Mais uma norma para inglês ver, tristemente.

Buscando a essência do respeito no art. 227, ele remeteria ao fato de que todos deveriam ser tratados com igual consideração, tidos por semelhantes na acepção substancial do termo, garantindo-se, nessa esteira, igualdade de oportunidades para crianças e adolescentes. Mas, não posso evitar a dúvida: quando essa disposição é efetivada? Ano passado, um caso que ainda me causa assombro, na ADI 5357 a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino – CONFENEN – ingressou com a referida ação perquirindo a inconstitucionalidade de as instituições particulares serem obrigadas a aceitar pessoas com deficiência junto aos seus quadros, como discentes. Junto com a inicial veio o argumento de que os docentes e serventuários das instituições chegavam a ter abalos psicológicos em função da convivência com essas pessoas com deficiência. E as crianças?  E as crianças com deficiência? Só para realocar a menção, o estatuto das pessoas com deficiência foi o único tratado incorporado em nosso Ordenamento com o quórum de Emenda, ou seja, inegavelmente o artigo questionado no estatuto tem status de norma constitucional.

Retomo a indagação: onde está o direito das pessoas com deficiência de serem respeitadas e integradas no meio social? Felizmente o Ministro Relator Edson Fachin entendeu que o direito a inclusão importa tanto no direito de as crianças serem aceitas como são quanto na oportunidade de a sociedade conviver com essas pessoas com deficiência. Mas, embora haja a vinculação da decisão, a pergunta repete-se: quem realmente quer isso, afora as famílias e amigos das pessoas com deficiência? Parece que a sociedade, bizarramente, se volta contra o fato pois traz problemas financeiros e de adaptação, ao ponto de o Ministro ressaltar a necessidade da imposição para que a inclusão deixe de ser uma mera ficção e possa tornar-se realidade.

O Direito, embora tenha no seu epicentro, a fundamentalidade dos direitos fundamentais (redundante à princípio, mas bem significativo quando se estuda a teoria constitucional) queda-se distanciado da noção de respeito, reciprocidade ou inclusão. Essas palavras são mencionadas de maneira fria quando se fala do princípio da igualdade, e nada mais. Todavia, enquanto não aprendermos a incluir não haverá condomínios residenciais que sejam capazes da separação pretendida, seja do diferente, do pobre, do endividado, do drogado, do deficiente ou qualquer outra classe ou subclasse de pessoas estranhas - no linguajar de Bauman - ou subcidadãs - nas palavras de Jessé de Souza.

A transformação do Direito, e da Jurisdição Constitucional, requer uma aproximação com a antropologia, com o outro, com o rosto do outro - na esteira de Lévinas – ou da hospitalidade – de Derrida. Nesse sentido a decisão da ADI 5357 fez menção aos estudos do Professor Álvaro Ricardo de Souza Cruz e também da Professora Vera Karam de Chueiri, essa última nos brindando com a noção de hospitalidade, falando de encontro, abraço e da percepção por meio do olhar do outro. Para surpresa dos positivistas arraigados, alguns eminentes professores conseguem perceber a melhora no Direito por meio da humanização dos homens, e consequente aceitação da diferença.

Nessa toada, a noção de hospitalidade - como aceitação sem restrição, incondicional -  é um meio de a democracia ser democratizada, isto porque toma como premissa básica o respeito para com o outro, sua inclusão e importância para o convívio social.

Sem o outro somos mero barro: estéril, insosso, quebradiço. É o outro que nos dá vida e nos permite ter imagem, ser semelhança, desenvolver os sentimentos que são a graça e a vida da sociedade, coração que pulsa, muito mais que bater, pois nele há música para se compartilhar. É o contato com o outro que nos aprimora e esculpe. O ser humano não é uma ilha, não consegue viver sem conviver. Conviver requer aproximação e contato. Com inclusão.  Por isso acredito que a nova (velha) música do Direito seja a do reconhecimento com alteridade, não com a diferenciação entre regras e princípios, mas com a nova concepção e incentivo ao acolhimento, que faz da diferença um detalhe positivo e não uma sentença ao ostracismo.


Cândice Lisbôa AlvesCândice Lisbôa Alves é Bacharel em Direito pela UFV(2004). Mestre pela UFV (2006). Doutora em Direito Público pela Puc Minas(2013). Professora Adjunta I da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia (2016). Professora de Organização do Estado e dos Poderes e Jurisdição Constitucional na graduação. Professora de Jurisdição Constitucional no Mestrado em Direito da Universidade Federal de Uberlândia. Advogada. Coordenadora do grupo de estudos Hoplita, que analisa as atividades contramajoritárias do direito em prol dos direitos fundamentais. Uma das professoras coordenadoras do projeto Ouvidoria Acolhidas (ouvidoria especializada para atender casos de discriminação de gênero e assedio sexual na Universidade Federal de Uberlândia). Coordenadora do projeto Constituição na Escola (projeto de extensão e pesquisa que busca ensinar à crianças e adolescentes o conteúdo da Constituição, elegendo pontos relevantes para o incentivo à cidadania).


Imagem Ilustrativa do Post: Putting The Puzzle Together // Foto de: Ken Teegardin // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/teegardin/6147270119

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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