DESOBEDIÊNCIA A ORDEM DE PARADA EMITIDA POR POLICIAIS OU OUTROS AGENTES PÚBLICOS

07/05/2020

Quando se analisa o crime de desobediência, previsto no art. 330 do Código Penal, invariavelmente surge discussão acerca da configuração do ilícito no caso de desobediência a ordem de parada emitida por policiais e outros agentes públicos.

A questão principal é saber se uma pessoa poderia ser processada por desobediência em caso de não atendimento à determinação de parada feita por policiais rodoviários ou por agentes de trânsito e se, igualmente, poderia ser processada pelo mesmo crime no caso de ser a ordem de parada emanada de agente público em atividade de policiamento ostensivo (Polícia Militar) ou de polícia judiciária (Polícia Civil ou Polícia Federal) em curso de investigação.

De início, urge relembrar que o crime de desobediência, previsto no art. 330 do Código Penal, tem como objetividade jurídica a proteção à Administração Pública, no que concerne ao cumprimento de determinação legal expedida por funcionário público.

Sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa, inclusive funcionário público, havendo ou não relação entre o objeto da ordem e a sua função. Havendo relação hierárquica entre o funcionário público autor da ordem e o funcionário público destinatário dela, não haverá crime de desobediência, mas tão somente infração administrativa.

Sujeito passivo é o Estado e, secundariamente, o autor da ordem, que deve ser o funcionário público legalmente investido do cargo público criado por lei, com denominação própria, em número certo e pago pelos cofres públicos.

A conduta típica vem expressa pelo verbo “desobedecer”, que significa descumprir, não acatar, desatender.

A ordem do funcionário público deve ser legal, ou seja, fundada em lei, e deve ser transmitida diretamente ao destinatário. Nesse sentido, o destinatário deve ter ciência inequívoca da ordem, sob pena de não se configurar o delito.

A conduta pode ser omissiva (não fazer) ou comissiva (fazer), sendo imprescindível que o destinatário da ordem tenha o dever jurídico de acatá-la.

A consumação ocorre com a ação ou omissão do desobediente. No caso de omissão, ocorre a consumação com o decurso do prazo fixado para o cumprimento da ordem. Se não houver prazo, considera-se o tempo juridicamente relevante. Admite-se a tentativa apenas na modalidade comissiva.

Voltando à questão da ordem de parada, a jurisprudência pátria encontra-se dividida, havendo entendimentos no sentido de que o crime restaria configurado com a desobediência à ordem de parada em fiscalização de trânsito, e entendimentos em sentido contrário, calcados no fato de já prever o Código de Trânsito Brasileiro sanção administrativa para a desobediência à determinação de parada do agente de trânsito.

Majoritária parcela da doutrina pátria entende que, quando a lei extrapenal já estabelece sanção administrativa ou civil para o caso de descumprimento da ordem, não restaria caracterizado o crime de desobediência, a não ser que houvesse ressalva expressa de cumulação de sanções.

Assim, desobedecendo o sujeito a ordem de parada dada por autoridade de trânsito ou seus agentes, ou até mesmo por policiais no exercício de atividades relacionadas ao trânsito, não haveria crime de desobediência, à vista da previsão administrativa específica constante do art. 195 do Código de Trânsito Brasileiro.

Nesse aspecto, dispõe o art. 195 da Lei nº 9.503/97 – Código de Trânsito Brasileiro:

“Art. 195. Desobedecer às ordens emanadas da autoridade competente de trânsito ou de seus agentes:

Infração - grave;

Penalidade - multa.”

Em sentido semelhante dispõe o art. 210 do mesmo diploma:

“Art. 210. Transpor, sem autorização, bloqueio viário policial:

Infração - gravíssima;

Penalidade - multa, apreensão do veículo e suspensão do direito de dirigir;

Medida administrativa - remoção do veículo e recolhimento do documento de habilitação.”

O Superior Tribunal de Justiça, em mais de um precedente se manifestou no mesmo sentido: "a desobediência de ordem de parada dada pela autoridade de trânsito ou por seus agentes, ou mesmo por policiais ou outros agentes públicos no exercício de atividades relacionadas ao trânsito não constitui crime de desobediência, pois há previsão de sanção administrativa específica no art. 195 do Código de Trânsito Brasileiro, o qual não estabelece a possibilidade de cumulação de sanção penal". (HC n. 369.082/SC, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 1/8/2017).

Entretanto, a mesma posição não prevalece quando a ordem de parada é dada ao sujeito por policiais ou agentes públicos no contexto de atividade de policiamento ostensivo de segurança pública, ante a suspeita de práticas ilícitas.

O Superior Tribunal de Justiça, no caso acima, tem se orientado majoritariamente pela ocorrência do crime de desobediência.

Assim: “a ordem de parada não foi dirigida por autoridade de trânsito e nem por seus agentes, mas por policiais militares no exercício de atividade ostensiva, destinada à prevenção e à repressão de crimes, que foram acionados para fazer a abordagem do recorrido, em razão de atividade suspeita, conforme restou expressamente consignado no v. acórdão impugnado. Desta forma, não restou configurada a hipótese de incidência da regra contida no art. 195, do Código de Trânsito Brasileiro, e, por conseguinte, do entendimento segundo o qual não seria possível a responsabilização

Criminal do agente pelo delito de desobediência tipificado no art. 330  do  Código  Penal.” (AgRg no REsp n. 1.803.414/MS, Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 13/5/2019).

Ainda: “Na hipótese dos autos, contudo, a ordem de parada não foi dada por autoridade de trânsito, no controle cotidiano do tráfego local, mas emanada de policiais militares, no exercício de atividade ostensiva destinada à prevenção e à repressão de crimes, tendo a abordagem do recorrente se dado em razão de suspeita de atividade ilícita, o que configura hipótese de incidência do delito de desobediência tipificado no art. 330, do CP.” (AgRg no REsp 1805782/MS, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 28/6/2019).

Portanto, restam delineadas duas situações diversas, cada qual com um desfecho jurídico correspondente.

Se a ordem de parada foi dada ao sujeito por policiais ou outros agentes públicos no exercício de atividades relacionadas ao trânsito, o seu não atendimento não configura o crime de desobediência, pois há previsão de sanção administrativa específica nos arts. 195 e 210 do Código de Trânsito Brasileiro, o qual não estabelece a possibilidade de cumulação com sanção penal. No caso, o sujeito receberia tão somente a sanção administrativa prevista na legislação de trânsito.

Já se a ordem de parada foi dada por policiais militares no exercício de atividade ostensiva, destinada à prevenção e à repressão de crimes, ou por policiais civis ou federais, em atividades de investigação de delitos, a negativa de atendimento pelo sujeito encontra-se devidamente tipificada no art. 330 do Código Penal, respondendo o agente pelo crime de desobediência, sendo-lhe imposta a respectiva sanção penal.

 

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