Desmilitarização da Polícia Militar: um debate mais do que necessário

11/01/2017

Por Pedro Filipe C. C. de Andrade - 11/01/2017

Em maio de 2012 o Conselho de Direitos Humanos da ONU – Organização das Nações Unidas - recomendou ao Brasil o fim da militarização das suas polícias. Pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgada em julho de 2014, que entrevistou mais de 21 mil policiais em todo o Brasil, mostrou que 73,7% deles são a favor das desvinculação do Exército, 76,1% deles defenderam a desmilitarização e 93,6% disseram que é preciso modernizar os regimentos e códigos disciplinares. Em recente entrevista ao jornal “O Dia”, o Secretário de Segurança Pública mais longevo do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, que coordenou naquele estado o programa mais exitoso na área de segurança pública nos últimos tempos, também se manifestou favorável a desmilitarização.

Episódios como o ocorrido no Rio Grande Norte, onde a justiça daquele estado concedeu habeas corpus ao soldado da Polícia Militar João Maria Figueiredo da Silva, preso administrativamente por 15 dias por questionar em uma rede social o modelo de polícia no Brasil, mostra que esse debate é irreversível. Na postagem que ensejou a punição o soldado asseverou: “temos uma polícia que se assemelha a jagunços”.

Infelizmente no Brasil esse debate tem sido permeado de muita hipocrisia, demagogia e desinformação, insuflada por interesses e influências menores de uma pequena casta de privilegiados dentro do militarismo, que não querem perder suas regalias institucionalizadas. A discussão há de ser muito mais profunda, livre de interesses classistas e institucionais, tendo como objetivo o interesse coletivo. Como mostrou os índices da pesquisa realizada entre os policiais, esse não é um debate contra a polícia, como alguns maldosamente tentam colocar, mas sim a favor da polícia e da sociedade.

Dentre os muitos mitos que precisam ser desmistificados estão a confusão que faz entre a relação de desmilitarização com desarmamento da polícia, que nem de longe se confundem, e a defesa que se faz da relação de hierarquia e disciplina entre comandante e subordinadas, tão necessárias para o “controle da tropa”. Como é sabido, hierarquia e disciplina existem e são bases de toda estrutura administrativa, seja ela civil ou militar. Pra citar como exemplo, a Polícia Rodoviária Federal, que tão bem tem desempenhado seu papel, é uma polícia forte, armada, de caráter ostensivo, e nem por isso é militarizada, e isso não faz que seus dirigentes percam o controle sobre ela, pois seus membros são seres racionais e servidores públicos cientes de seus deveres e responsabilidade, sujeitos a controles internos e externos de responsabilidades cível, administrativa e criminal.

Desmilitarizar a polícia não significa desarmá-la nem muito menos acabar com ela, não há ainda, no atual estágio de evolução civilizatória, Estado Democrático de Direito efetivo sem uma polícia ostensiva forte, protetora e garantidora de dos direitos, garantias e liberdades de seus cidadãos, todavia, são cada vez mais raros no mundo os países que adotam o modelo militarizado como o nosso. E o motivo é simples, a doutrina militar historicamente foi criada para defesa de território, governos e seus governantes, na lógica militar o adversário é sempre um inimigo a ser abatido. Esse modelo se mostrou ao longo do tempo defasado no que tange ao policiamento comunitário, e episódios como a “Noite de Terror” ocorrida em Londrina em janeiro do ano passado, e a “Batalha do Centro Cívico”, em 2015, mostra como sentimos cada vez mais perto os efeitos desse modelo equivocado. Precisamos cada vez mais de uma polícia que defenda a sociedade, seus cidadãos, e não apenas o Estado e seus detentores de poder.

Importante salientar que esse não é um debate pronto, acabado, é um debate em construção e que precisa ser discutido e desenvolvido não só dentro das polícias, mas como também com a sociedade, governos, parlamentares, estudiosos, acadêmicos, e a imprensa, sempre cumprindo sua responsabilidade social de fomento das discussões de relevância para o país. Não se tem aqui a pretensão de exaurir os argumentos, mas apenas intenção de contribuir com o debate e para que ele ocorra, antes que seja tarde demais.


pedro-filipe-c-c-de-andrade. Pedro Filipe C. C. de Andrade é delegado de polícia, professor da Escola Superior de Polícia Civil do Paraná e do Curso Cenpre, diretor jurídico da Associação dos Delegados de Polícia do Paraná, graduado em direito, pós-graduando em Gestão da Segurança Pública pela ESPC-PR e em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional.


Imagem Ilustrativa do Post: PMDF // Foto de: André Gustavo Stumpf // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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