DEPENDÊNCIA TOXICOLÓGICA E DOENÇA MENTAL

17/09/2020

A doença mental, no Direito Penal brasileiro, se relaciona diretamente com a imputabilidade do agente, na medida em que interfere em sua capacidade de entendimento e de determinação.

Denomina-se imputabilidade a capacidade do agente de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Consequentemente, denomina-se inimputabilidade a incapacidade do agente de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

O nosso Código Penal adotou, para aferir a imputabilidade, o critério biopsicológico, segundo o qual, num primeiro momento, se verifica se o agente, na época do fato, era portador de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado; num segundo momento, se verifica se era ele capaz de entender o caráter ilícito do fato; e, num terceiro momento, se verifica se ele tinha capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Nesse aspecto, o indivíduo deve ter uma estrutura psicológica que lhe acarrete a possibilidade de entender o caráter ilícito do fato (ilicitude do fato) e de se determinar de acordo com esse entendimento.

A doença mental é uma das quatro causas excludente de culpabilidade, previstas no Código Penal, tendo o art. 26, “caput”, dela tratado como um pressuposto biológico da inimputabilidade. Deve ela ser entendida como toda moléstia que cause alteração na saúde mental do agente.

Na presença de doença mental que leve à incapacidade de entendimento do caráter ilícito do fato e à incapacidade de determinação de acordo com esse entendimento, o agente será inimputável e, consequentemente, não terá culpabilidade. O crime persiste (fato típico e antijurídico), faltando ao agente culpabilidade, que, nesse caso, é pressuposto de aplicação da pena. A sanção penal aplicável ao agente, portanto, não consistirá em pena, mas, antes, em medida de segurança.

Inclusive, o art. 149, “caput”, do Código de Processo Penal dispõe que, “quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame médico-legal”. Deve ser ressaltado que, a teor do art. 153 do Código de Processo Penal, “o incidente de insanidade mental processar-se-á em auto apartado, que só depois da apresentação do laudo, será apenso ao processo principal”.

Especificamente no que se refere à dependência toxicológica, o art. 45 da Lei nº 11.343/06 – Lei de Drogas, estabelece:

“Art. 45. É isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Parágrafo único. Quando absolver o agente, reconhecendo, por força pericial, que este apresentava, à época do fato previsto neste artigo, as condições referidas no caput deste artigo, poderá determinar o juiz, na sentença, o seu encaminhamento para tratamento médico adequado.”

A dependência prevista no art. 45 da Lei de Drogas pode ser definida como a intoxicação crônica por uso repetido de drogas, que determina doença mental supressora da capacidade de entendimento e de determinação no momento do fato criminoso.

Vale ressaltar, entretanto, que vício e dependência são figuras distintas, que devem ser avaliadas no momento de se aferir a imputabilidade do agente. O vício se caracteriza pela mera compulsão no uso do entorpecente, sem qualquer consequência na liberdade de querer do agente. O vício não retira do agente a consciência da ilicitude do crime, mantendo preservada a sua capacidade de entender e de querer. Já a dependência integra o conceito de doença mental, de modo que retira totalmente a responsabilidade do agente, subvertendo-lhe a consciência e a vontade, bem como a capacidade de autodeterminação.

Não se ignora que o melhor caminho é e sempre foi o tratamento da toxicomania e não a punição do toxicômano.

O tratamento da toxicomania consiste em um conjunto de medidas terapêuticas aplicadas a um paciente, com o objetivo de aliviar os transtornos decorrentes do uso indevido de drogas, visando a sua recuperação e posterior reinserção social.

Com base no compromisso assumido pelo governo brasileiro, na oportunidade da realização da 47ª Assembleia Mundial de Saúde, o Ministério da Saúde, por intermédio da Portaria n. 1.311/97, definiu a implantação da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacionados à Saúde – CID-10, a vigorar a partir de janeiro de 1998, em todo o território nacional, nos itens Morbidade Hospitalar e Ambulatorial, para os transtornos decorrentes do uso abusivo de drogas.

As abordagens psicoterapêuticas mais amplamente utilizadas na atualidade são: psicoterapia analítica, terapia cognitivo-comportamental e prevenção de recaída. Outra alternativa que passou a ser regulamentada a partir de maio de 2001, pela Resolução RDC n. 101 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA do Ministério da Saúde, com prazo de 2 anos para sua completa adequação, é o tratamento proporcionado pelas Comunidades Terapêuticas. Ressalte-se que, nessa modalidade, não poderão os pacientes estar sofrendo de distúrbios psíquicos e orgânicos graves.

Já a prevenção do uso de drogas se caracteriza por uma pré-intervenção, isto é, uma intervenção que precede algum fenômeno que está por ocorrer. Em relação ao conceito de prevenção vinculado ao uso indevido de drogas, diz respeito às ações ou intervenções que visem a inibir o estabelecimento ou atenuar o prosseguimento de uma relação destrutiva por decorrência do uso abusivo de drogas, e quando indispensável assegurar o resgate biopsicossocial do indivíduo que apresente transtornos pelo uso indevido de drogas.

No sentido de controlar as consequências do uso abusivo de drogas, inúmeros programas foram criados em diversas partes do mundo, apresentando algumas variações em relação aos objetivos, metodologia e ideologias subjacentes.

Sendo assim, em se tratando do caráter complexo e multidimensional atribuído à questão do uso indevido de drogas, faz-se necessário respeitar e considerar a singularidade de cada região, população, condição social, cultural etc., impedindo, portanto, a imposição de projetos ditos “pacotes”, uma vez que tratam a questão de forma genérica, tanto para o Estado como para o País.

É necessário estabelecer objetivos, metas, público-alvo e suas necessidades, para que, a partir de indicadores concretos, se possa eleger o tipo de intervenção preventiva a ser priorizada na ação.

Assim, de acordo com a medicina, as intervenções preventivas são tradicionalmente enfocadas sob três aspectos, a saber:

- Prevenção primária, consistente em quaisquer atos destinados a diminuir a incidência de uma doença numa população, reduzindo o risco de surgimento de casos novos. Pretende, ainda, intervir antes que surja algum problema, no sentido de instruir, informar e educar com vistas à manutenção da saúde.

- Prevenção secundária, consistente em quaisquer atos destinados a diminuir a prevalência de uma doença numa população, reduzindo sua evolução e duração. Caracteriza-se por ser um prolongamento da prevenção primária, quando esta não atingiu os objetivos propostos. No âmbito da questão do uso indevido de drogas, trata-se, portanto, de intervenções que têm como objetivo principal evitar que um estado de dependência se estabeleça.

- Prevenção terciária, consistente em quaisquer atos destinados a diminuir a prevalência das incapacidades crônicas numa população, reduzindo ao mínimo as deficiências funcionais consecutivas à doença. Aplicada ao universo do uso indevido de drogas, ela tem como objetivo primordial evitar a recaída, visando à reinserção social dos indivíduos que se encontram numa perspectiva de dependência. Isto é, atua no sentido de possibilitar ao indivíduo uma reintegração no contexto social, na família e no trabalho, contemplando todas as etapas do tratamento (antes, durante e depois).

É sabido que as substâncias psicoativas atuam no sistema nervoso central, provocando alterações no humor, na cognição e no estado de consciência de quem delas faz uso.

O uso de álcool, opioides, canabinoides, cocaína, sedativos, hipnóticos, estimulantes, alucinógenos e drogas em geral podem acarretar transtornos mentais e de comportamento que, em estado agudo, desencadeiam a doença mental, gerando, consequentemente, a inimputabilidade do delinquente.

Assim, na Lei de Drogas, declarando-se o réu dependente de drogas, será ele submetido, por determinação judicial (art. 56, § 2º), a exame de dependência toxicológica, que se processará nos moldes do disposto nos arts. 149 a 154 do Código de Processo Penal.

Reconhecendo a inimputabilidade pela dependência toxicológica, deverá (e não poderá) o juiz impor medida de segurança ao agente. Nesse sentido, inclusive, o correto entendimento de Vicente Greco Filho e João Daniel Rassi (Lei de Drogas Anotada. São Paulo: Saraiva. 2007. p. 151): “Se, porém, a absolvição decorre da dependência que, como já se expôs, é doença mental, a única e inafastável consequência é a da imposição de medida de proteção social, que é, no caso, o tratamento, porque, tendo sido praticado crime em razão da dependência, há perigo social que não pode simplesmente ser desconsiderado. Entender o contrário seria suicídio jurídico, social e moral”.

Por fim, embora não haja consenso na jurisprudência, forçoso é concluir que a isenção de pena a que se refere o art. 45 aplica-se a todas as infrações penais, e não apenas àquelas previstas na Lei nº 11.343/06. Nesse sentido, é expresso o texto legal, que se refere a “qualquer que tenha sido a infração penal praticada”.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Justice sends mixed messages // Foto de: Dan4th Nicholas // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/dan4th/5133977586

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura