Na quarta-feira, dia 28 de agosto do corrente, em sessão conjunta, o Congresso Nacional rejeitou o veto presidencial ao projeto de lei que criou o crime de denunciação caluniosa com finalidade eleitoral, com pena prevista de 2 (dois) a 8 (oito) anos de reclusão, além de multa.
A bem da verdade, o veto presidencial era parcial, sendo certo que a Lei nº 13.834/19, de 4 de junho de 2019, já havia sido sancionada e publicada, acrescentando o art. 326-A ao Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65).
O novo tipo penal criado, e já em vigor, tem a seguinte redação:
“Art. 326-A. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.
§1º. A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve do anonimato ou de nome suposto.
§2º. A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção.
§3º. (VETADO)”
Como se percebe, o veto presidencial, agora rejeitado, havia recaído sobre o §3º, que dispõe:
“§3º. Incorrerá nas mesmas penas deste artigo quem, comprovadamente ciente da inocência do denunciado e com finalidade eleitoral, divulga ou propala, por qualquer meio ou forma, o ato ou fato que lhe foi falsamente atribuído.”
Nas razões do veto, o Presidente da República alegou o seguinte: “A propositura legislativa ao acrescer o art. 326-A, ‘caput’, ao Código Eleitoral, tipifica como crime a conduta de denunciação caluniosa com finalidade eleitoral. Ocorre que o crime previsto no § 3º do referido art. 326-A da propositura, de propalação ou divulgação do crime ou ato infracional objeto de denunciação caluniosa eleitoral, estabelece pena de reclusão, de dois a oito anos, e multa, em patamar muito superior à pena de conduta semelhante já tipificada no § 1º do art. 324 do Código Eleitoral, que é de propalar ou divulgar calúnia eleitoral, cuja pena prevista é de detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Logo, o supracitado § 3º viola o princípio da proporcionalidade entre o tipo penal descrito e a pena cominada.”
Com absoluta razão o Presidente da República em vetar o referido §3º.
Como se sabe, o crime de denunciação caluniosa tem como objetividade jurídica a proteção à Administração da Justiça, no que concerne à inutilidade de o Estado ser acionado diante de falsa comunicação de prática delituosa (no caso, com finalidade eleitoral).
Ora, a figura do §3º nada tem a ver com a Administração da Justiça, uma vez que aquele que divulga ou propala o ato ou fato atribuído na denunciação caluniosa não movimenta desnecessariamente e inutilmente a máquina administrativa, não dando causa à instauração de nenhum processo ou procedimento. Nesse caso, o agente se limita a divulgar ou propalar a denunciação caluniosa eleitoral.
Logo, o referido §3º, completamente fora do contexto do novo tipo penal, está mais próximo de um crime contra a honra, não podendo ser considerado um crime contra a Administração.
Além disso, a nova conduta tipificada no §3º muito se assemelha à conduta típica já existente no Código Eleitoral, constante do art. 324, §1º, do seguinte teor:
“Art. 324. Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena - detenção de seis meses a dois anos, e pagamento de 10 a 40 dias-multa.
§1°. Nas mesmas penas incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.”
Não bastasse esse argumento, o novo dispositivo fere o princípio da proporcionalidade da pena, ao estabelecer a sanção de reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos e multa, muito superior àquela acima indicada, da propalação ou divulgação de calúnia eleitoral.
Como se sabe, a justa retribuição ao delito praticado é a ideia central do Direito Penal, que, no caso do novo crime, foi completamente negligenciada pelo legislador.
Além disso, o direito penal é valorativo, porque estabelece, por meio de normas, uma escala de valor dos bens jurídicos tutelados, sancionando mais severamente aqueles cuja proteção jurídica considera mais relevante.
Deve ser ressaltado, entretanto, que o §3º do art. 326-A, agora em vigor, guarda uma relação de acessoriedade com o crime previsto no “caput”, não sendo caracterizado pelo mero compartilhamento de um fato falso pelas redes sociais. Até porque a notícia ou fato falso compartilhado pelas redes sociais pode, muitas vezes, parecer verossímil num primeiro momento, não havendo dolo na conduta daquele que a propala ou divulga.
Para a caracterização do crime do §3º, portanto, há a necessidade de que o agente propale ou divulgue o ato ou fato que foi falsamente atribuído a alguém “comprovadamente ciente da inocência do denunciado e com finalidade eleitoral”. A conduta deve ser dolosa. Ausente esse elemento subjetivo do tipo, o crime não se configura, até porque, não raras vezes, essa comprovação da inocência do denunciado somente é revelada “a posteriori”, quando o ato ou fato já foi propalado ou divulgado por aquele que supunha ser verdadeira a notícia.
Imagem Ilustrativa do Post: Statue of Iustitia // Foto de: Ralf Peter Reimann // Sem alterações
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