Por Tiago Gagliano Pinto Alberto - 11/02/2016
Olá a todos!!!
O Novo CPC, Lei nº. 13.105/2015, determina, em seu artigo 8º, que “Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.”. Há uma menção explícita à razoabilidade e proporcionalidade, tema nebuloso sobre o qual já me debrucei em outra oportunidade nesta coluna.
Nesta semana, gostaria de focar na razoabilidade da propositura da demanda. Desde logo saliento que não entrarei nas infindas discussões pertinentes ao esclarecimento do conteúdo da razoabilidade; ao contrário, para os fins descritivos e propositivos deste artigo, pretendo compreendê-la, algo mais simples, como probabilidade de êxito – e já ficará claro este particular significado da expressão.
O último “Justiça em Números” indicou a incrível quantidade de 70,8 milhões de ações propostas somente em 2015[1]. No Supremo Tribunal Federal, entre recursos e novas demandas, ingressaram 90.000 (noventa mil) novos feitos na Corte, caracterizando o que o Presidente, Min. Ricardo Lewandowski, denominou “extrema litigiosidade”[2].
Nos Estados Unidos, apenas para estabelecer um comparativo, estima-se que 8.000 novas ações ingressaram na Suprema Corte norte-americana, sendo que apenas cerca de 80 delas receberam julgamento de mérito[3].
Diversas razões poderiam ser procuradas para justificar tamanha discrepância, figurando entre tais, de maneira exemplificativa, o sistema federativo norte-americano que difere em muito do brasileiro; o próprio funcionamento institucional da Corte que, divorciando-se muito do brasileiro, institucionalmente já afasta a possibilidade do recebimento e julgamento de mérito de grande número de ações etc.
Neste artigo, contudo, gostaria de me concentrar em uma das possíveis razões, que justifica a alusão ao artigo 8º do NCPC acima transcrito: a propositura de demandas não-razoáveis, em geral afastada do sistema norte-americano, principalmente em função do alto custo para a propositura de ações judiciais.
No nosso país, como assinalou o Min. Lewandowski, temos uma espécie de gana pela propositura de demandas. Seja com o objetivo de ganhar algum dinheiro, seja para tentar postergar o pagamento de alguma dívida (muitas vezes recém-contraída), seja para rediscutir algo que já encontrou solução nos Tribunais, seja por outros aspectos ou motivos, o fato é que não parece existir uma necessária correspondência entre o exercício da cidadania manifestado por intermédio da ação judicial e a deflagração de uma demanda em Juízo.
Já vivenciamos situações ímpares que parecem comprovar essa tese: i) indenização moral pretendida em razão de um nevoeiro que impediu o demandante de ver o Cristo Redentor no momento da visitação; ii) indenização pretendida (seguro DPVAT) em razão de uma unha encravada[4]; entre outras que indicam que uma espécie de controle de razoabilidade ao momento da deflagração da demanda seria bem interessante, a fim de que o Poder Judiciário não gastasse tempo e recursos públicos com o processamento e julgamento de ações fadadas ao insucesso.
Assim é que se, por um lado, o artigo 8º do NCPC determina ao juiz que ao aplicar o ordenamento jurídico deva observar o apanágio valorativo indicado na legislação, não seria um absoluto contrassenso que, por outro flanco, com lastro na principiologia do processo colaborativo e tendo em linha de conta que, com base no artigo 6º do mesmo Diploma, “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”, as demandas frívolas, desarrazoadas ou despidas de bom senso fossem afastadas do cenário jurisdicional.
Este controle de razoabilidade na propositura da demanda não deve, contudo, identificar-se com a aplicação de sanções processuais, ou a possibilidade de improcedência liminar do processo com base no artigo 332 do NCPC. Ao contrário, a eticidade e razoabilidade na propositura da demanda devem ser controladas pelos advogados procurados pelos afetados para o patrocínio da causa.
O primeiro a se negar a levar a discussão ao Poder Judiciário deve ser o advogado, que, consciente da multiplicidade de demandas aguardando julgamento e da crise institucional decorrente do abarrotamento do Poder Judiciário, deve defenestrar a intenção de judicializar questões sem razoável chance de êxito.
Na mesma linha, outras questões devem ser evitadas: ações cujo posicionamento inaugural do Postulante se situe para além de conclusões já achegadas no enfrentamento do tema por tribunais, superiores ou não[5]; ações questionando cláusulas contratuais em que o advogado perceba que já por ocasião da celebração da avença não existia intenção de cumpri-la[6]; situações cujo mero aborrecimento já se identifique por ocasião da exposição do fato pelo afetado, entre outras.
Tentar por tentar consubstancia comportamento que em nada auxilia no dia-a-dia judicante, revelando-se pouco colaborativo ou cooperativo. O tempo que a máquina judiciária decerto gastará com o processamento de uma demanda da natureza das assinaladas será impeditivo da potencialização da qualidade do trabalho como um todo.
O primeiro limite há de ser o advogado. Nessa linha, inclusive, a célebre frase de Francesco Carnelutti, segundo a qual “o advogado é o primeiro juiz da causa”. Não que esse controle já não seja feito; não há dados, mas tenho certeza e absoluta segurança de que assim já se procede, mas, de qualquer forma, o comportamento deve ser potencializado. Quiçá com o advento do NCPC poderemos esperar também do princípio colaborativo/cooperativo este efeito, que auxiliará sobremaneira no gerenciamento do caos da quantidade de processos em trâmite que se verifica atualmente.
A colaboração com o julgamento da causa em tempo razoável deve ser um preceito que, na linha pan-processual que hodiernamente se sustenta[7], não se limite ao feito em análise, mas que, em uma visão sistêmica, encontre ressonância também no trabalho jurisdicional como um todo.
Este é mais do que um reclamo da novel legislação processual; é um pedido. Vamos atendê-lo?
Um grande abraço a todos. Compartilhe a paz!
Notas e Referências:
[1] Dados disponíveis em http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pj-justica-em-numeros. Acesso em 09 fevereiro de 2016.
[2] Dados disponíveis em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=309014. Acesso em 09 fevereiro de 2016.
[3] Dados informados pelo Professor Frederick Schauer, em palestra proferida na University of Virginia School of Law intitulada “Does the Constitution Matter?”, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Hb6UEBvkyWU. Acesso em 09 fevereiro de 2016.
[4] Esses e outros casos podem ser encontrados em: Dura lex, sed lex. Casos inusitados, exóticos e extravagantes do judiciário brasileiro. Caxias do Sul: Editora Plenum, 2012.
[5] Claro, em situações diversas das previstas no artigo 332 do NCPC, para as quais já haverá de ser extinto liminarmente o processo.
[6] Há diversos exemplos dessas causas: contratos de financiamento em que sequer a primeira parcela fora paga, ou apenas esta, ou esta e algumas outras, são questionados diuturnamente.
[7] Entre vários autores: CAPONI, Remo. O princípio da proporcionalidade na justiça civil: primeiras notas sistemáticas”. In: REVISTA DE PROCESSO: RePro, v. 36, n. 192, p. 397-415, fev. 2011.
Tiago Gagliano é Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professor da Escola da Magistratura do Estado do Paraná (EMAP). Professor da Escola da Magistratura Federal em Curitiba (ESMAFE). Coordenador da Pós-graduação em teoria da decisão judicial na Escola da Magistratura do Estado de Tocantins (ESMAT). Membro fundador do Instituto Latino-Americano de Argumentação Jurídica (ILAJJ). Juiz de Direito Titular da 2ª Vara de Fazenda Pública da Comarca de Curitiba.
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