DELINEAMENTOS DO CRIME CONTINUADO

10/10/2019

Na seara criminal, uma das matérias mais importantes e incidentes nos casos concretos é aquela que trata do concurso de crimes, que vem previsto nos arts. 69 a 72 do Código Penal, prevendo as figuras do concurso material, do concurso formal e do crime continuado.

O concurso de crimes tem lugar quando, em uma mesma oportunidade ou em ocasiões diversas, uma mesma pessoa comete duas ou mais infrações penais, as quais estão ligadas de algum modo. Ocorrendo esse fenômeno, estaremos diante do concurso de crimes, que origina o chamado concurso de penas.

Em face do concurso de crimes, a doutrina penal elaborou alguns sistemas para a aplicação das penas:

a) sistema do cúmulo material: em que se determina a soma das penas de cada um dos delitos componentes do concurso;

b) sistema do cúmulo jurídico: em que a pena a ser aplicada deve ser mais grave do que a cominada para cada um dos delitos, sem se chegar à soma delas;

c) sistema da absorção: em que a pena a ser aplicada é a do delito mais grave, desprezando-se os demais;

d) sistema da exasperação: em que a pena a ser aplicada deve ser a do delito mais grave, entre os concorrentes, aumentada a sanção em certa quantidade, em decorrência dos demais crimes.

O Código Penal brasileiro adotou o sistema do cúmulo material no concurso material (art. 69 do CP), no concurso formal imperfeito (art. 70, “caput”, segunda parte, do CP) e no concurso das penas de multa (art. 72 do CP). Adotou ainda o sistema da exasperação no concurso formal perfeito (art. 70, “caput”, primeira parte, do CP) e no crime continuado (art. 71 do CP).

O crime continuado vem previsto no art. 71 do Código Penal, que diz:

“Art. 71. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.”

Com relação à natureza jurídica do crime continuado, o nosso Código Penal adotou a teoria da ficção jurídica. Isto porque, na realidade, existem vários crimes, sendo que a lei, por uma ficção, presume a existência de um único delito para efeito de pena.

O crime continuado, entretanto, demanda a concorrência de alguns requisitos para a sua configuração, que são:

a) pluralidade de condutas;

b) pluralidade de crimes da mesma espécie;

c) condições objetivas semelhantes;

d) unidade de desígnio.

São considerados crimes da mesma espécie aqueles previstos no mesmo tipo penal, ou seja, aqueles que possuem os mesmos elementos descritivos, abrangendo as formas simples, privilegiadas e qualificadas, tentadas ou consumadas.

Devem os crimes, ainda, ter sido praticados nas mesmas circunstâncias de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, todas chamadas de circunstâncias objetivas. Os crimes devem ter sido cometidos, assim, aproveitando-se o agente das mesmas relações e oportunidades ou com a utilização de ocasiões originadas da situação inicial.

O infrator tem de agir num único contexto ou em situações que se repetem ao longo de uma relação que se prolongue no tempo. Exemplos: empregado que furta várias vezes do mesmo patrão; agente que furta, numa só noite, vários escritórios de um mesmo edifício.

Com relação às condições de tempo, a jurisprudência admite, em regra, continuidade delitiva até o espaço máximo de 30 dias entre os crimes praticados. Entretanto, esse critério não pode ser observado sem reservas, uma vez que nada impede se reconheçam intervalos regulares maiores que 30 dias, o que não irá descaracterizar o crime continuado.

Quanto às condições de espaço, além de crimes praticados na mesma rua, na mesma esquina ou no mesmo bairro, a jurisprudência admite continuidade entre crimes praticados em bairros vizinhos ou em bairros diversos de uma mesma cidade, e cidades vizinhas ou próximas territorialmente.

Já no que se refere ao modo de execução, deve o julgador levar em conta os métodos utilizados pelo agente na prática dos crimes, estabelecendo-se um padrão. Já se decidiu, em nossos Tribunais, que a variação de comparsas impede o reconhecimento da continuidade, assim como a variação de meios utilizados para a prática do crime, como uso de arma, emprego de violência ou grave ameaça etc.

Há, ainda, que ser observado um último requisito, de ordem subjetiva, que, embora não previsto em lei, vem sendo exigido por significativa parcela da jurisprudência pátria, representando unidade de ideação (unidade de dolo, unidade de resolução, unidade de desígnio). Nesse sentido, merece ser citado o item 59 da Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal — Lei n. 7.209/84: “O critério da teoria puramente objetiva não revelou na prática maiores inconvenientes, a despeito das objeções formuladas pelos partidários da teoria objetivo-subjetiva. O Projeto optou pelo critério que mais adequadamente se opõe ao crescimento da criminalidade profissional, organizada e violenta, cujas ações se repetem contra vítimas diferentes, em condições de tempo, lugar, modos de execução e circunstâncias outras, marcadas por evidente semelhança. Estender-lhe o conceito de crime continuado importa em beneficiá-la, pois o delinquente profissional tornar-se-ia passível de tratamento penal menos grave que o dispensado a criminosos ocasionais”. Portanto, para o legislador de 1984, não se exige a unidade de desígnio para a configuração do crime continuado.

Outrossim, é possível distinguir, no art. 71 do Código Penal, duas espécies de crime continuado:

a) crime continuado simples ou comum, previsto no “caput”, em que o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie em continuação, sem violência ou grave ameaça à pessoa;

b) crime continuado qualificado ou específico, previsto no parágrafo único, em que o agente pratica crimes dolosos contra vítimas diferentes, empregando violência ou grave ameaça à pessoa.

Por fim, no que se refere à aplicação da pena, no crime continuado simples ou comum, o “caput” do art. 71 do Código Penal adota duas regras: se as penas são idênticas, aplica-se uma só, com o aumento de um sexto a dois terços; se as penas são diversas, aplica-se a mais grave, aumentada de um sexto a dois terços.

No crime continuado qualificado ou específico também adotou o parágrafo único do art. 71 do Código Penal duas regras: se as penas são idênticas, aplica-se uma só, aumentada até o triplo; se as penas são diversas, aplica-se a mais grave, aumentada até o triplo. Neste último caso, a pena nunca poderá ser superior àquela que seria aplicável em caso de concurso material e nunca poderá exceder 30 anos, prazo previsto pelo art. 75 do Código Penal.

 

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