DELINEAMENTOS DA PRESCRIÇÃO PENAL

30/08/2018

 

Assunto de extrema importância a todos os que se lançam ao estudo do Direito Penal, é o da prescrição, que tem seus contornos estabelecidos nos arts. 109 a 118 do Código Penal.

Prescrição é a perda do direito de punir do Estado pelo decurso do tempo, tendo sua justificativa no desaparecimento do interesse estatal na repressão ao crime, em razão do tempo decorrido, já não havendo mais sentido na punição tardia.

Isso porque o Estado deve ter um tempo determinado para exercer o “jus puniendi”, tempo este que varia de acordo com a pena fixada para o delito.

Existem cinco espécies de prescrição: a) prescrição da pretensão punitiva; b) prescrição da pretensão executória; c) prescrição intercorrente; d) prescrição retroativa; e)      prescrição antecipada ou virtual.

Na prescrição da pretensão punitiva, o decurso do tempo faz com que o Estado perca o “jus puniendi” (direito de punir), consubstanciado no direito de invocar o Poder Judiciário para aplicar a sanção ao autor do crime pelo fato cometido. O art. 109 do Código Penal estabelece os prazos em que ocorre a prescrição, tomando em conta as penas privativas de liberdade, abstratamente cominadas ao delito, em seu limite máximo.

De acordo com esse regramento, para saber qual o prazo da prescrição da pretensão punitiva de um delito, deve-se verificar o “quantum” máximo de pena cominada em abstrato no preceito secundário da norma. Merece ser destacado que, no concurso de crimes, seja material, formal ou crime continuado, a prescrição incide sobre cada infração, isoladamente, nos termos do que dispõe o art. 119 do Código Penal.

Vale ressaltar também que, segundo o disposto no art. 115 do Código Penal, os prazos prescricionais são reduzidos de metade quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 anos, ou, na data da sentença, maior de 70 anos.

O início do prazo da prescrição da pretensão punitiva vem estabelecido no art. 111 do Código Penal, devendo-se levar em consideração que, por se tratar de matéria de Direito Penal, prevalece a regra do art. 10 do Código Penal, incluindo-se na contagem do prazo o dia do começo. A Lei nº 12.650/12 incluiu o inciso V ao referido artigo, estabelecendo que, nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, previstos no próprio Código Penal ou em legislação especial, a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr da data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal. Trata-se de regra instituída para a proteção à infância e juventude, impedindo a prescrição dos mencionados crimes antes de a vítima completar 18 (dezoito) anos, considerando que somente a partir daí é que passa a correr o prazo.

Na prescrição da pretensão executória, por seu turno, o decurso do tempo sem o exercício do “jus puniendi” faz com que o Estado perca o direito de executar a sanção imposta pela sentença condenatória. Essa modalidade de prescrição ocorre após o trânsito em julgado da sentença condenatória, sendo regulada pela pena imposta e verificando-se nos prazos fixados pelo art. 109 do Código Penal.

Diferentemente do que ocorre na prescrição da pretensão punitiva, na prescrição da pretensão executória o prazo é determinado pela pena imposta na sentença condenatória, atingindo o seu reconhecimento apenas o efeito principal da condenação (sanção) e não os efeitos secundários. Tratando-se de condenado reincidente, o prazo da prescrição da pretensão executória é aumentado de um terço, devendo a reincidência ser reconhecida no bojo da sentença condenatória.

A prescrição intercorrente vem tratada no art. 110, § 1º, do Código Penal. Essa modalidade de prescrição, embora ocorra após o trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação, é regulada pela pena em concreto aplicada. Isto porque essa disposição do art. 110, § 1º, constitui uma exceção à regra do art. 109 do Código Penal.

Na prescrição intercorrente, aplicada a pena na sentença e não havendo recurso da acusação, a partir da data da publicação da sentença começa a correr o prazo prescricional, calculado sobre a pena concretizada. Assim, embora ainda não se possa considerar prescrição da pretensão executória, por não haver a sentença transitado em julgado para ambas as partes (acusação e defesa), a prescrição intercorrente não mais se regula pela pena em abstrato, mas, antes, pela pena em concreto aplicada, uma vez que, tendo apenas o réu apelado, havendo trânsito em julgado para a acusação, a quantidade da pena aplicada não pode mais ser alterada, em função do princípio que proíbe, nesse caso, a “reformatio in pejus” indireta.

Outrossim, a publicação do acórdão confirmatório da sentença condenatória recorrível interrompe o prazo prescricional superveniente à decisão de primeiro grau, segundo a nova redação dada ao inciso IV do art. 117 do CP, pela Lei nº 11.596/07. Nesse caso, embora possa haver outros recursos por parte da defesa, o prazo prescricional com base na pena em concreto começará a ser contado novamente.

No que se refere à prescrição retroativa, já era ela reconhecida antes mesmo das alterações introduzidas pela reforma penal de 1984, que instituiu a vigente Parte Geral do Código Penal. Entretanto, após 1984 é que a prescrição retroativa passou a ser admitida com fundamento legal, resultante da combinação das disposições dos arts. 110, §§ 1º e 2º, e 109, ambos do Código Penal. Em razão de forte oposição à prescrição retroativa por parcela significativa dos operadores do Direito, a Lei nº 12.234/10, conferiu nova redação ao § 1º do art. 110, revogando expressamente o § 2º. É também a prescrição retroativa modalidade de prescrição da pretensão punitiva e constitui exceção à forma de contagem de tempo estabelecida no art. 109, uma vez que deve ser considerada com base na pena concreta.

Para a verificação da prescrição retroativa, deve-se tomar a pena em concreto aplicada ao réu e, em seguida, adequá-la a um dos prazos estabelecidos nos incisos do art. 109. Encontrado o valor, deve-se tentar colocá-lo entre a data do recebimento da denúncia ou queixa e a data da publicação da sentença condenatória. Embora o § 1º do art. 110 do CP, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 12.234/10, se refira à data da denúncia ou queixa, e não à “data do recebimento da denúncia ou queixa”, constante da redação anterior, a prescrição retroativa continua a existir entre os dois marcos: a data do recebimento da denúncia ou queixa e a data da publicação da sentença condenatória recorrível. A prescrição retroativa que não pode mais ser operada é a que tem por termo inicial data anterior à denúncia ou queixa, ou seja, aquela que poderia ocorrer entre os dois pólos: a data do crime e a data da denúncia ou queixa. Essa não existe mais.

Deve-se ressaltar que, na prescrição retroativa, a sentença condenatória deve ter transitado em julgado para a acusação, visto que o recurso, seja do Ministério Público, seja do querelante ou do assistente, se provido pelo Tribunal, pode modificar o prazo prescricional. Ainda que haja recurso da acusação, se improvido, não impedirá o reconhecimento da prescrição retroativa, que poderá ser feito pelo próprio Tribunal. Entretanto, a publicação do acórdão confirmatório da sentença condenatória recorrível, por interromper o prazo da prescrição, de acordo com a nova redação do art. 117, IV, do CP, dada pela Lei nº 11.596/07, pode-se constituir em outro pólo para a contagem da prescrição retroativa, caso haja ainda outro recurso a tribunais superiores.

Por derradeiro, a prescrição antecipada, também chamada de virtual, ou prescrição em perspectiva, se baseia na falta de interesse de agir do Estado e tem por escopo evitar que eventual condenação não tenha função alguma, desprestigiando a Justiça Pública. Assim, afirmava-se que a prescrição referida no art. 110, § 1º, do Código Penal, poderia ser reconhecida antecipadamente, geralmente na fase extrajudicial, considerando-se a pena em perspectiva. Considerava-se a pena que seria aplicada ao criminoso em vista das circunstâncias do caso concreto, pena esta que, após os trâmites processuais, já estaria prescrita. Esse posicionamento, entretanto, já vinha sendo observado com cautela pelos Tribunais, argumentando-se que, não havendo sentença, não há falar em pena presumida e consequente prescrição.

Pacificando a questão, a Súmula 438 do Superior Tribunal de Justiça vedou expressamente o reconhecimento da prescrição antecipada ou virtual, dispondo: “É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal”.

 

 

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