Delação Premiada: a nova onda

16/09/2016

Por Elias Guilherme Trevisol – 16/09/2016

Tema recorrente na mídia e nos bancos das universidades e do próprio judiciário brasileiro é a dita e regulamentada Delação premiada, entrega de comparsas pelo próprio infrator penal, é enfim, a recepção legal do “dedo-duro”, da traição e da quebra da própria ética entre amigos, colegas, familiares ou vizinhos.

A delatio ou deferre termos que deram origem a palavra delação significam: delatar, denunciar, acusar, deferir e teve seu início no mundo jurídico com as Ordenações Filipinas[1].

Durante o tempo que se passou até a atualidade, o Estado, ente que detém o poder de punir (jus puniendi), se configurou de modo a sucumbir. A estrutura que se delineou nas políticas mundiais fez com que poucos investimentos em educação e políticas públicas de qualidade, aliados a uma cultura cada vez mais voltada para a punição do “inimigo”, restassem no que temos hoje. Um Estado falido, decrépito e que não comporta mais a demanda criminal que o mesmo criou e agora não consegue lidar, diminuir ou mesmo, conter.

Como solução evolutiva distorcida, se lançou mão da delação do criminoso em troca de benefícios, ou seja, a delação se tornou “premiada”. Daí surgiu no mundo jurídico a figura do criminoso que entregava seus comparsas em troca de algum benefício, seja em sua pena, seja em relação a um perdão judicial, isentando-o de reprimenda. É a decretação da falência do Estado em relação a perseguição criminal. É onde a polícia e o Ministério Público tomam auxílio do conhecimento do criminoso para que assim, possa prender os demais, é admitir que sem a delação não há como perseguir o crime ou o criminoso, como dito, é a real e o atestado de falência do atual sistema penal inquisitivo[2].

No Brasil não é diferente, muito atual haver delações premiadas em processos penais, principalmente, pelo impulso que a mídia deu ao caso da Lava-Jato, da tão mitigada “República” de Curitiba.

Durante o processo do caso citado, o Juiz Federal instituiu novos paradigmas no processo penal brasileiro. O mais expoente e midiático é a utilização da delação premiada dos acusados como meio de prova para novas prisões e assim, saciar o impulso punitivo e condenatório já emanado daquele magistrado, ovacionado, infelizmente, por grande parte da população e do próprio judiciário, onde muitos o tem como herói e justiceiro.

Ora, Juiz Federal é Juiz de Direito, porém, com atuação na esfera Federal. Deveria ser ator imparcial, imóvel perante os atos do processo, não podendo impulsionar o mesmo ao seu bel prazer, muito menos prender, sem que haja pedido expresso do representante do Ministério Público, este sim, parte ativa do processo e legitimada a realizar pedidos.

Bom, não é o intuito aqui declamar maiores informações sobre as partes no processo penal, mas sim, demonstrar que a delação premiada está sendo utilizada atualmente não só no âmbito do judiciário, mas está se disseminando no meio social, fazendo com que haja, passo a passo, uma mudança social muito perigosa para a democracia e para a própria sociedade.

A noção do direito penal do inimigo, da “luta” do cidadão de “bem” contra o “vagabundo”, está levando a sociedade brasileira a viver o medo e a aceitar a delação, o “dedo-durismo” como um fato normal e aceitável. É a justificação maquiavélica arquitetada para que você delate seu irmão, que talvez tenha pego um atestado médico falso. É o estímulo para seu Contador ou o estagiário do mesmo delatar as supressões (diminuições) dos Tributos informados ao fisco (crime fiscal). É a legitimação do seu vizinho te delatar por você estar assistindo um DVD pirata. E pode ser pior, a própria aceitação de delatar seus pais, seus filhos, amigos e demais familiares em busca de um “bem” que nem mesmo você sabe definir.

Aos que apoiam a delação premiada, a negociação da acusação penal, deve ao menos saber do que está por vir. Da antiga “cola” na escola, durante a prova, o seu colega de classe estará apto a apontar sua displicência, sua negligência, ou mesmo sua intimidade ou degradar outros direitos fundamentais em defesa de um processo eficiente e punitivo, ciclo que criou e gerou o sistema falido falado de início.

Acordamos numa sociedade do medo estimulada por “impunidades” que não sabemos definir (as cadeias estão superlotadas) e o próprio medo nos impulsiona a vingança, ao ódio, a delação, a traição.

Nossa missão é resistir e deslegitimar a traição, é com esforço dar estrutura ao Estado para que o mesmo possa perseguir e punir aqueles que realmente cometam crimes graves, não necessitando de ajuda dos mesmos criminosos para o saciar da gana punitiva. É não estimular a vingança privada, abolida desde a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”). É termos um processo penal justo, de partes, onde o Juiz seja imparcial e que pela apuração das provas legalmente adquiridas, possa-se absolver ou condenar o réu.

Por fim, é do ditado e do por que é importante refletir: “Primeiro levaram os negros. Mas não me importei com isso, eu não era negro. Em seguida levaram alguns operários. Mas não me importei com isso. Eu também não era operário. Depois prenderam os miseráveis. Mas não me importei com isso, porque eu não sou miserável. Depois agarraram uns desempregados. Mas como tenho meu emprego, também não me importei. Agora estão me levando. Mas já é tarde. Como eu não me importei com ninguém, ninguém se importa comigo” (Brecht).

A ignorância que nos alegra hoje pode ser a tristeza que nos molhará os olhos amanhã, razões suficientes para nos mantermos alertas e cientes do real papel da fidelidade para com nossos próximos, da lealdade, e da justificação real de um indefinido “bem” em detrimento da nossa própria justiça moral, interna e suprema.

Então, seguimos a onda ou paramos na praia?


Notas e Referências:

[1] MOSSIM, Heráclito Antônio; MOSSIM, Júlio Cesar O.G., Delação Premiada: Aspectos jurídicos. São Paulo: J.H. Mizuno. p. 37.

[2] Idem. p. 31.


Elias Guilherme Trevisol. . Elias Guilherme Trevisol é Doutorando em Direito e Ciências Sociais pela Universidade de Córdoba, Argentina. Advogado Criminalista. . .


Imagem Ilustrativa do Post: Yes, you. // Foto de: Blondinrikard Fröberg // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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