Por Redação- 24/09/2016
A Defensoria Pública de Santa Catarina, por intermédio da Defensora Pública Caroline Kohler Teixeira, do Núcleo da Capital/SC, impetrou Habeas Corpus para garantir o direito de ir e vir do paciente que estava segregado há mais de 30 anos cumprindo medida de segurança de internação.
Consta nos autos que o paciente foi internado em 10 de julho de 1984 e até então estaria internando no Hospital de Custódia e tratamento de Florianópolis. É a pessoa que está há mais tempo cumprindo medida de segurança no Estado de Santa Catarina.
A Defensora Pública esclarece em seu pedido, que a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art, 5º, inc. XLVII, veda as penas de caráter PERPÉTUO e que o Código Penal (art. 75, caput) brasileiro impôs o limite máximo de cumprimento de pena o prazo de 30 anos. De partida, diga-se que o termo ‘penas’ é utilizado, pelo constituinte, na acepção ampla do termo, compreendendo todas as espécies de sanções penais – não só as privativas de liberdade como também as restritivas de direitos e as MEDIDAS DE SEGURANÇA.
Que entender contrariamente implicaria em discriminar o portador de doença mental em conflito com a lei, penalizando-o duplamente em razão de um fato – distúrbio psíquico – que não está na sua esfera de voluntariedade.
"Deste modo, o art. 75 do Diploma Repressivo deve ser extensivamente interpretado para fins de incluir na limitação de prazo máximo de trinta anos de cumprimento para as penas privativas de liberdade também as medidas de segurança", destaca.
Caroline menciona que, mesmo que não se tivesse diante de situação de extravasamento do prazo máximo previsto na legislação para cumprimento de sanção penal, a discussão acerca da ‘periculosidade’ torna-se, nos dias atuais, obsoleta, porque a Lei 10.216/01 é nitidamente abolicionista no que se diz respeito à aplicação de medidas de segurança às pessoas com transtorno mental em conflito com a lei, já que no art. 2.º, VIII da Lei, menciona que é direito da pessoa portadora de transtorno mental, " ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis".
Segundo seu entendimento, a lei extravagante antimanicomial derrogou o Código Penal no que se refere à aplicação de medidas de segurança, pontificando que as pessoas com transtorno mental que vierem a cometer infrações penal não mais serão submetidas a tratamento psiquiátrico, notadamente a internação, em instituições de natureza penal, muito menos as que ostentarem condições asilares.
Ressaltou que a Resolução 04/2010 do CNPCP estipulou prazo de 10 anos para extinção dos manicômios judiciários. Prazo que se implementará em 2020 e que por essa razão, as pessoas portadoras de sofrimento mental em conflito com a lei deverão receber MEDIDAS TERAPÊUTICAS, à luz da política instituída pela portaria 94 do Ministério da Saúde, com acompanhamento pela rede pública de saúde e ‘fiscalização’ pelo Poder Judiciário.
Ainda, a Defensora argumenta que só é possível a internação em caso de surto, e enquanto ele durar, rechaçando-se a colocação de pessoa com transtorno mental em instituição de natureza penal, mas sim na rede de saúde, pois a recente edição da Lei Brasileira de Inclusão que, no art. 81 preconiza que “os direitos da pessoa com deficiência serão garantidos por ocasião da aplicação de sanções penais” (Lei 13.146/15).
"Conclui-se, assim, que a manutenção da pessoa com transtorno mental em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, em tempos constitucionalmente democráticos, consubstancia-se em ‘tortura institucional’, ainda mais em se tratando de cumprimento por tempo além do prazo máximo estipulado a qualquer sanção penal."
Após a rejeição do pedido liminar, a Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, no julgamento histórico em Santa Catarina, decidiu, por unanimidade, conceder parcialmente a ordem para determinar o encaminhamento do paciente a Serviço Residencial Terapêutico, a se efetivar no prazo máximo de 60 dias.
Contudo, mesmo com a votação favorável ao paciente, esclarece a Defensora Pública que "ainda continua a arbitrariedade, uma vez que deveria ter sido cessada a internação (medida de segurança aplicada), pois o paciente ainda estará submetido a tratamento ambulatorial."
"Fazendo um paralelo com o Direito penal é como se alguém tivesse cumprido o prazo máximo de prisão permitido no país e o Tribunal reconhecesse o excesso, mas colocasse a pessoa em um regime mais brando..." O que não se admite em um Estado Democrático de Direito, a ilegalidade ainda persiste em desfavor do paciente, ressalta Caroline.
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Veja o acordão com o voto do Relator. Habeas Corpus n. 4002762-19.2016.8.24.0000, da Capital Relator: Desembargador Roberto Lucas PachecoHABEAS CORPUS. MEDIDA DE SEGURANÇA. INTERNAÇÃO POR MAIS DE 30 ANOS. IMPOSSIBILIDADE. PRAZO MÁXIMO ALCANÇADO. "Esta Corte já firmou entendimento no sentido de que o prazo máximo de duração da medida de segurança é o previsto no art. 75 do CP, ou seja, trinta anos" (STF, Habeas Corpus n. 107.432, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, j. em 24.5.2011). PARTICULARIDADES DO CASO. PERICULOSIDADE AINDA PRESENTE. AUSÊNCIA DE APOIO FAMILIAR. DIFICULDADES EM MINISTRAR MEDICAMENTOS AO PACIENTE. CASO CONCRETO QUE DEMONSTRA A NECESSIDADE DE ENCAMINHAMENTO DO PACIENTE AO SERVIÇO RESIDENCIAL TERAPÊUTICO, COMO FORMA DE ADAPTAÇÃO AO RETORNO DO CONVÍVIO SOCIAL. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus n. 4002762-19.2016.8.24.0000, da comarca da Capital (Vara de Execuções Penais) em que é Impetrante Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina, e Paciente R. da R. C.
A Quarta Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, conceder parcialmente a ordem para determinar o encaminhamento do paciente a Serviço Residencial Terapêutico, a se efetivar no prazo máximo de 60 dias. Custas legais.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Des. Rodrigo Collaço e a Exma. Sra. Desa. Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer. Funcionou como representante do Ministério Público a Exma. Sra. Dra. Heloísa Crescenti Abdalla Freire.
Florianópolis, 15 de setembro de 2016. [assinado digitalmente]
Desembargador
Roberto Lucas Pacheco Presidente e Relator
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RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado pela Defensoria Pública, em favor de R. da R. C., em razão da decisão proferida pelo juízo da Vara de Execução Penal da comarca da Capital que, nos autos n. 0361542-24.2006.8.24.0023, indeferiu o pedido de extinção de medida de segurança do paciente, por considerar estar atestada a sua periculosidade.
Em suma, sustentou a impetrante que o paciente sofre evidente constrangimento ilegal, porque já cumpriu mais de 30 anos de medida de segurança. Requereu a concessão liminar da ordem, expedindo-se o competente alvará de soltura em favor do paciente e, no mérito, a sua confirmação.
A liminar foi indeferida à p. 139.
As informações foram prestadas às p. 141-144.
Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. José Eduardo Orofino da Luz Fontes, que opinou pela denegação da ordem ou pela determinação, de ofício, de transferência do paciente para hospital psiquiátrico que disponha de estrutura para o tratamento adequado (fls. 148-152).
É o relatório.
VOTO
Embora não haja previsão legal de duração máxima de medida de segurança (CP, art. 79, § 1.º), o Supremo Tribunal Federal já assentou que ela deve respeitar o prazo previsto no art. 75 do Código Penal: Esta Corte já firmou entendimento no sentido de que o prazo máximo de duração da medida de segurança é o previsto no art. 75 do CP, ou seja, trinta anos (Habeas Corpus n. 107.432, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, j. em 24.5.2011).
Consoante relatado no feito, ao paciente foi aplicada medida de segurança, consistente em internação, à qual está submetido desde 1984.
A continuidade da periculosidade do paciente, decorrente da esquizofrenia que o acomete, foi atestada em diversos exames periciais realizados ao longo dos anos, justificando a sua manutenção durante todo o período.Agora, contudo, diante da extrapolação do prazo de 30 anos, a medida de segurança não pode mais subsistir.
A liberação pura e simples do paciente, todavia, não se mostra a solução ideal. O caso concreto merece especial atenção.
De acordo com os laudos periciais e o histórico do paciente colhidos durante esse período, certificou-se que ele não possui apoio familiar apto a auxiliá-lo no retorno à convivência social, quer por desinteresse ou por ausência de condições de fornecer-lhe o tratamento adequado à periculosidade atestada.
Destacam-se trechos do último Laudo de Exame de Verificação de Cessação de Periculosidade, confeccionado em 12.4.2016 (p. 119-120 – ipsis litteris):
O periciado recebeu o diagnóstico de Esquizofrenia apresentou na época do crime psicose caracterizada por desajuste comportamental, prejuízo do pragmatismo e irritabilidade, foi considerado inimputável, recebeu absolvição imprópria com determinação de medida de segurança em regime de internação e está atualmente cumprindo medida de segurança de tratamento em regime de internação no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Florianópolis desde 15 de novembro de 1999 e tem o seguinte histórico de reinternações por não se adaptar ao ambiente extra-hospitalar: 21/09/1991 até 13/11/1999; 12/04/1989 até 24/07/1991; 17/11/1987 até 05/04/1989 e 10/07/1984 até 18/11/1987. O tratamento empregado não propiciou ao periciado a recuperação do ajustamento comportamental não obstante estar recebendo tratamento psicofarmacológico e psicossocial regular. [...] O periciado tem o comportamento rígido, sem crítica da enfermidade e recusa qualquer relacionamento que contraria suas ideias e rotinas, ironicamente impostas por ele ao HCTP. Os sintomas detectados no exame psíquico atual são pensamentos delirantes de cunho místico persecutório [...]. O periciado deve prosseguir o tratamento psiquiátrico em regime de internação, pois a doença que ele é portador, além de ser de curso crônico e exigir tratamento com medicamentos de uso contínuo e de atenção psicológica e social, também é muito pouco responsiva as intervenções terapêuticas. É possível afirmar que os recursos terapêuticos extra-hospitalares, mesmo os de excelência, não serão suficientes para sanar os riscos que o paciente impõe a terceiro e a si mesmo, devido a sua psicose eivada de sintomas residuais que não melhoram mesmo com o tratamento regular em regime de internação e com toda continência e contenção propiciada pelo HCTP. Diante das condições relatadas acima, concluímos que não está cessada a periculosidade do periciado.
Perante essas informações, ante a impossibilidade de continuidade da medida de segurança – mesmo que necessária – e a ausência de apoio familiar, o paciente não pode ser colocado em convívio social incondicionalmente, até por conta de seu histórico de difícil socialização com as demais pessoas no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico – HCTP.
Trata-se de uma questão de saúde pública e que pode colocar em risco até o próprio paciente.
Relatou-se o insucesso da tentativa de saída progressiva do paciente do HCTP e a sua dificuldade em receber medicamentos ou aceitar alteração do produto ou da dosagem, de forma que a sua colocação em liberdade, sem o devido cuidado e adaptação, trará mais prejuízos do que a própria manutenção da internação, podendo até tornar inócuo todo o trabalho desenvolvido durante a medida de segurança.
Diante disso, verifica-se a necessidade de se determinar que o paciente seja encaminhado, com a devida e cautelosa adaptação, ao Serviço Residencial Terapêutico, o qual pode ser melhor compreendido pelo documento digital disponibilizado pelo Ministério da Saúde no seguinte sítio: residencias-terapeuticas
Veja-se que o Serviço Residencial Terapêutico é destinado a atender egressos do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico e não tem como objetivo o cumprimento de medida de segurança, mas continuidade no tratamento do paciente.
O encaminhamento do paciente a esse serviço, inclusive, foi recomendado pelo diretor do HCTP (p. 153-154 dos autos de origem).
À vista do exposto, deve-se conceder parcialmente a ordem para determinar o encaminhamento do paciente a Serviço Residencial Terapêutico, a se efetivar no prazo máximo de 60 dias.
É como voto.
Fonte: TJSC
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