Por Rodrigo Wasem Galia, Guilherme Wünsch e Marta Lúcia Tittoni - 29/10/2015
O pleno do Tribunal Superior do Trabalho decidiu na terça-feira dessa semana, mais precisamente no dia 27 de outubro de 2015, por unanimidade, alterar a redação da Súmula 392, com o objetivo de adequá-la à jurisprudência atual e iterativa do TST. Tal Súmula tinha a seguinte redação:
SUM-392 DANO MORAL E MATERIAL. RELAÇÃO DE TRABALHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO (nova redação) - Res. 193/2013, DEJT divulgado em 13, 16 e 17.12.2013
Nos termos do art. 114, inc. VI, da Constituição da República, a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ações de indenização por dano moral e material, decorrentes da relação de trabalho, inclusive as oriundas de acidente de trabalho e doenças a ele equiparadas.[1]
A mudança também atende ao entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca da competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações de indenização por dano moral e material decorrentes de acidente de trabalho, ainda que propostas pelos sucessores do trabalhador falecido. A Comissão de Jurisprudência e Precedentes Normativos decidiu propor a alteração na redação da Súmula 392 diante da sua adequação ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, que no julgamento do processo RE 600.091/MG, com repercussão geral reconhecida (Tema 242), declarou a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações em que os herdeiros de empregado falecido em decorrência de acidente de trabalho pleiteiam indenização por danos morais e materiais.[2]
Assim sendo, o voto do relator, ministro Dias Toffoli, registrou ainda que o fato de os autores serem sucessores do trabalhador é irrelevante para fins de fixação de competência, pois a causa de pedir permanece sendo o infortúnio ocorrido durante a relação laboral. Estando a causa de pedir ligada à relação de trabalho, nada mais correto que se atribuir a competência material à Justiça do Trabalho.
A Comissão destaca ainda que o TST tem adotado o entendimento de que a competência para processar e julgar ações indenizatórias decorrentes de acidente de trabalho propostas por sucessores do trabalhador falecido é da Justiça do Trabalho, inclusive antes do julgamento do RE 600.091/MG pelo STF.[3]
Diante da constatação da existência de acórdão suficiente para atender ao disposto no artigo 165 do Regimento Interno do TST, a comissão composta pelos ministros João Oreste Dalazen, Walmir Oliveira da Costa e Hugo Carlos Scheuermann propôs a nova redação da Súmula 392, agora aprovada.[4]
Em verdade, o Tribunal Superior do Trabalho, ao reformar tal Súmula, teria sido mais feliz caso tivesse ampliado os conceitos de dano, substituindo a palavra dano moral por danos extrapatrimoniais (expressão mais abrangente), contemplando assim, também, os danos estéticos e existenciais.
Para Sérgio Pinto Martins[5], em sentido amplo, dano: “[...] é um prejuízo, ofensa, deterioração, estrago, perda. É o mal que se faz a uma pessoa. É a lesão ao bem jurídico de uma pessoa. O patrimônio jurídico da pessoa compreende bens materiais e imateriais (privacidade, intimidade, honra, etc.)”.
Assim, os danos podem ser classificados em materiais e imateriais. Os materiais são os bens afetos ao patrimônio da pessoa e os imateriais, aqueles de cunho extrapatrimonial ou não materiais. [6]
Quanto à proteção aos danos não patrimoniais, a tendência mundial é a de aumento da proteção aos interesses imateriais da pessoa, não abrangendo apenas os danos morais propriamente ditos, mas todo e qualquer dano não patrimonial que seja juridicamente relevante ao livre desenvolvimento da personalidade, tal como é o direito à integridade física, à estética e às atividades realizadoras da pessoa, que tornam plena a sua existência.[7]
Rodrigo Wasem Galia, Guilherme Wünsch e Marta Lúcia Tittoni aduzem que:
Embora sejam espécies do gênero, dano de natureza extrapatrimonial, dano moral e dano existencial não devem ser confundidos. O dano moral consiste na lesão sofrida pela pessoa no tocante à personalidade, envolvendo um aspecto não patrimonial que atinge a pessoa no seu âmago. [8]
Para Maurício Godinho Delgado, o dano moral atinge a esfera subjetiva de um indivíduo, atingindo os valores personalíssimos inerentes à sua qualidade de pessoa humana, tal qual a honra, a imagem, a integridade física e psíquica, a saúde, entre outros fatores, e provoca dor, angústia, sofrimento, vergonha. [9]
A reparação por dano moral visa, por conseguinte, “[...] compensar, ainda que por meio de prestação pecuniária, o desapreço psíquico representado pela violação do direito à honra, liberdade, integridade física, saúde, imagem, intimidade e vida privada”. [10]
O dano existencial, entretanto, não depende de repercussão financeira ou econômica, e não diz respeito à esfera íntima do ofendido, pois não provém de dor e sofrimento, que são características próprias do dano moral. Trata-se, sim, de um dano que deriva de uma frustração ou de uma projeção que se inviabiliza e impede a realização pessoal do trabalhador, acarretando-lhe perda da qualidade de vida e, por conseguinte, modificação in pejus da personalidade. [11]
O dano existencial, nesse aspecto, impõe a readequação e obriga um relacionar-se de modo diferente no contexto social. O que o distingue do dano moral é que este tem repercussão íntima e se reflete no padecimento da alma, na dor, na angústia, na mágoa e no sofrimento. Além disso, a dimensão que o acompanha é subjetiva e não exige prova, ao passo que o dano existencial é passível de constatação objetiva. [12] A distinção entre dano existencial e o dano moral reside no fato de este ser essencialmente um sentir, e aquele, um não mais poder fazer, um dever de agir de outra forma, um relacionar-se diversamente, em que ocorre uma limitação do desenvolvimento normal da vida da pessoa. [13]
Para Flaviana Rampazzo Soares[14],
[...] enquanto o dano moral incide sobre o ofendido, de maneira, muitas vezes, simultânea à consumação do ato lesivo, o dano existencial, geralmente, manifesta-se e é sentido pelo lesado em momento posterior, porque ele é uma sequência de alterações prejudiciais no cotidiano. Tal sequência só o tempo é capaz de caracterizar.
Com relação à cumulação do dano material com o dano moral, aduz a Súmula 37 do STJ[15]: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”.
O acima exposto permite concluir que, da mesma forma, no contexto da relação de emprego, havendo a ocorrência de dano existencial e de dano moral, poderá haver a cumulação de ambos, desde que sejam provenientes do mesmo fato, da mesma forma que é possível cumular o dano moral com o dano material.
O julgado abaixo se manifesta sobre a cumulação do dano moral e do dano estético. Entretanto, quer-se apenas exemplificar que, estabelendo-se a mesma construção é possível cumular o dano existencial e o dano moral.
Maurício Godinho Delgado[16], Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, já se pronunciou de forma favorável quanto à cumulação do dano moral e do dano estético, veja-se:
RECURSO DE REVISTA. ACIDENTE DE TRABALHO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E ESTÉTICO. CUMULAÇÃO POSSÍVEL. PENSÃO. MATÉRIA FÁTICA. O Tribunal Regional, ao analisar o conjunto probatório produzido, concluiu pela ocorrência de acidente de trabalho e dos elementos suficientes a caracterizar a culpa dos reclamados, em face de sua atitude omissiva e negligente, o que justificou a condenação em indenização por dano moral e estético e em pensão. Fixadas tais premissas pelo Tribunal Regional, instância soberana no exame do quadro fático-probatório carreado aos autos, adotar entendimento em sentido oposto implicaria o revolvimento de fatos e provas, inadmissível nesta seara recursal de natureza extraordinária, conforme o teor da Súmula 126/TST. Cumpre frisar que a lesão acidentária também pode causar dano estético à pessoa humana atingida. Embora o dano moral seja conceito amplo, é possível, juridicamente, identificar-se específica e grave lesão estética, passível de indenização, no contexto de gravame mais largo, de cunho nitidamente moral. Nesses casos de acentuada, especial e destacada lesão estética, é pertinente a fixação de indenização própria para este dano, sem prejuízo do montante indenizatório específico para o dano moral. Ou seja, a ordem jurídica acolhe a possibilidade de cumulação de indenizações por dano material, dano moral e dano estético, ainda que a lesão acidentária tenha sido a mesma. O fundamental é que as perdas a serem ressarcidas tenham sido, de fato, diferentes (perda patrimonial, perda moral e, além dessa, perda estética).
De acordo com o exposto acima, verifica-se que, quando são afetadas as atividades realizadoras do trabalhador, em virtude do dano à sua saúde física ou mental, que se deu pelo excesso de trabalho, poderá haver a fixação de forma cumulada tanto do dano moral quanto do dano existencial. Essa cumulação acontece não só pelo prejuízo ocasionado aos prazeres de vida e ao desenvolvimento dos hábitos de vida diária do empregado; pessoal, social e profissional, mas também pelo dano à sua saúde, mesmo que a sequela oriunda do acidente do trabalho não seja responsável pela redução da sua capacidade para o trabalho. [17]
Notas e Referências:
[1] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Livro de Súmulas, Orientações Jurisprudenciais e Precedentes Normativos. Disponível em: http://www.tst.jus.br/documents/10157/63003/Livro-internet.pdf. Acesso em 28 de outubro de 2015.
[2] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Pleno do TST altera redação da Súmula 392 e cancela as OJs 419 e 315 da SBDI-1. Disponível em: http://www.tst.jus.br/noticia-destaque/-/asset_publisher/NGo1/content/pleno-do-tst-altera-redacao-da-sumula-392-e-cancela-as-ojs-419-e-315-da-sbdi-1. Acesso em 28 de outubro de 2015.
[3] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Pleno do TST altera redação da Súmula 392 e cancela as OJs 419 e 315 da SBDI-1. Disponível em: http://www.tst.jus.br/noticia-destaque/-/asset_publisher/NGo1/content/pleno-do-tst-altera-redacao-da-sumula-392-e-cancela-as-ojs-419-e-315-da-sbdi-1. Acesso em 28 de outubro de 2015.
[4] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Pleno do TST altera redação da Súmula 392 e cancela as OJs 419 e 315 da SBDI-1. Disponível em: http://www.tst.jus.br/noticia-destaque/-/asset_publisher/NGo1/content/pleno-do-tst-altera-redacao-da-sumula-392-e-cancela-as-ojs-419-e-315-da-sbdi-1. Acesso em 28 de outubro de 2015.
[5] MARTINS, Sérgio Pinto. Dano moral decorrente do contrato de trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 18.
[6] MARTINS, Sérgio Pinto. Dano moral decorrente do contrato de trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 18.
[7] SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2009. p. 39.
[8] WÜNSCH, Guilherme; TITTONI, Marta Lúcia e GALIA, Rodrigo Wasem. Inquietações sobre o dano existencial no direito do trabalho: o projeto de vida e a vida de relação como proteção à saúde do trabalhador. Porto Alegre: HS editora, 2015. p. 74.
[9] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho, Recurso de revista nº 217600-28.2009.5.09.0303. Recorrente: Marcos dos santos e Solução Trabalhos Temporários. Recorrido: Marcos dos Santos e Solução Trabalhos Temporários. Relator Ministro Maurício Godinho Delgado, 3ª Turma, Diário eletrônico da Justiça do Trabalho, Brasília, 3 out. 2012. <http://www.tst.jus.br/jurisprudencia>. Acesso em: 17 de mar. 2014.
[10] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho, Recurso de revista nº 217600-28.2009.5.09.0303. Recorrente: Marcos dos santos e Solução Trabalhos Temporários. Recorrido: Marcos dos Santos e Solução Trabalhos Temporários. Relator Ministro Maurício Godinho Delgado, 3ª Turma, Diário eletrônico da Justiça do Trabalho, Brasília, 3 out. 2012. <http://www.tst.jus.br/jurisprudencia>. Acesso em: 17 de mar. 2014.
[11] BEBBER, Júlio César. Danos extrapatrimoniais (estético, biológico e existencial): breves considerações. Revista LTr, São Paulo, n. 1, p. 30, jan. 2009.
[12] BEBBER, Júlio César. Danos extrapatrimoniais (estético, biológico e existencial): breves considerações. Revista LTr, São Paulo, n. 1, p. 31, jan. 2009.
[13] SOARES, Flaviana Rampazo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2009. p. 46.
[14] SOARES, Flaviana Rampazo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2009. p. 46.
[15] STJ Súmula nº 37 - 12/03/1992 - DJ 17.03.1992. Indenizações - Danos - Material e Moral - Mesmo Fato – Cumulação. “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 37. Disponível em: <www.stj.gov.br>Acesso em: 18 mar. 2014.
[16] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de revista n. 35600-25.2006.5.15.0036. Recorrentes: Marcos Fernando Garms e outro. Recorrido: Aremilton dos Santos. Relator Ministro Maurício Godinho Delgado, 6.ª Turma. Diário eletrônico da Justiça do Trabalho, Brasília, 5 ago. 2011. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/consulta-unificada>. Acesso em: 18 mar. 2014.
[17] BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. O dano existencial e o direito do trabalho. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3712, 30 ago. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25183>. Acesso em: 18 mar. 2014.
BEBBER, Júlio César. Danos extrapatrimoniais (estético, biológico e existencial): breves considerações. Revista LTr, São Paulo, n. 1, p. 28-31, jan. 2009.
BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. O dano existencial e o direito do trabalho. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3712, 30 ago. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25183>. Acesso em: 18 mar. 2014.
MARTINS, Sérgio Pinto. Dano moral decorrente do contrato de trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2008.
SOARES, Flaviana Rampazo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2009.
WÜNSCH, Guilherme; TITTONI, Marta Lúcia e GALIA, Rodrigo Wasem. Inquietações sobre o dano existencial no direito do trabalho: o projeto de vida e a vida de relação como proteção à saúde do trabalhador. Porto Alegre: HS editora, 2015.
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Rodrigo Wasem Galia é Doutorando e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Professor da graduação e Pós-graduação em Direito. Autor de diversas obras jurídicas na temática de Direito do Trabalho e Constitucional do Trabalho. Palestrante. Advogado.
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Guilherme Wunsch é formado pelo Centro Universitário Metodista IPA, de Porto Alegre, Mestre em Direito pela Unisinos e Doutorando em Direito pela Unisinos. Durante 5 anos (2010-2015) fui assessor jurídico da Procuradoria-Geral do Município de Canoas. Atualmente, sou advogado do Programa de Práticas Sociojurídicas – PRASJUR, da Unisinos, em São Leopoldo/RS; professor da UNISINOS; professor da UNIRITTER e professor convidado dos cursos de especialização da FADERGS, FACOS, FACENSA E IDC.
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Marta Lúcia Tittoni é Advogada Trabalhista graduada pela UNISINOS – São Leopoldo – RS.
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