CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO E O RESPEITO AOS MORTOS

29/03/2018

Em plena semana santa, às vésperas da Páscoa, nunca é demais lembrar que o art. 5º, inciso VI, da Constituição Federal, estabelece que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.”

Em tempos de intolerância religiosa e de ataques físicos, verbais e até mesmo pelas redes sociais a igrejas, templos e demais lugares onde se realizam cultos religiosos das mais diversas orientações, vale lembrar que o Código Penal brasileiro tutela não apenas o sentimento religioso como também o respeito aos mortos, criminalizando as condutas atentatórias a esses relevantes bens jurídicos.

No que se refere à tutela do sentimento religioso, o Código Penal, no art. 208, tipifica o crime de “ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo”, punindo com detenção de um mês a um ano, ou multa, a conduta de quem “escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso.” Trata-se de tipo misto cumulativo, trazendo em seu bojo três crimes diversos, todos atentatórios ao sentimento religioso e à liberdade de crença e de culto.

Na primeira figura, “escarnecer” significa ridicularizar, zombar, troçar. O escárnio deve guardar relação com a crença (fé que se tem em determinada religião) ou com a função religiosa (exercida por quem celebra cultos — padres, pastores, rabinos etc.).

Na segunda figura, a conduta típica vem expressa pelo verbo “impedir”, que significa evitar que se inicie, suspender, paralisar, e pelo verbo “perturbar”, que significa tumultuar, atrapalhar, embaraçar. Cerimônia é ato solene e exterior de culto religioso. Culto religioso, por seu turno, é todo aquele que não se reveste do caráter solene e formal de cerimônia.

Em terceiro lugar, a conduta incriminada vem expressa pelo verbo “vilipendiar”, que significa menoscabar, aviltar, tratar com desdém. O vilipêndio deve ser público (na presença de várias pessoas) e ter como alvo ato de culto religioso (cerimônias ou práticas religiosas) ou objeto de culto religioso (todo aquele que se presta à prática do culto — altar, paramentos, imagens, relíquias, cálices etc.).

Em qualquer das figuras que integram o tipo misto cumulativo, a violência é causa de aumento de pena de um terço, podendo ser física (empregada contra a pessoa — lesão corporal) ou material (empregada contra a coisa — dano), respondendo o agente por dois crimes em concurso real, já que as penas são somadas por determinação legal.

No que se refere à tutela do respeito aos mortos, o art. 209 do Código Penal pune com detenção de um mês a um ano, ou multa, as condutas de “impedir ou perturbar enterro ou cerimônia funerária.” “Impedir” significa evitar que se inicie, suspender, paralisar. “Perturbar” significa tumultuar, atrapalhar, embaraçar. Enterro é a trasladação do cadáver para o local onde será sepultado. Cerimônia de cremação é aquela em que há destruição do cadáver pelo fogo, em vez do sepultamento, reduzindo-o a cinzas. Já cerimônia funerária é todo o conjunto de atos de homenagem e assistência ao falecido, incluindo o velório. Aqui também, havendo violência (física ou material) a pena é aumentada de um terço.

O crime de violação de sepultura, por seu turno, vem previsto no art. 210 do Código Penal, tendo também como objetividade jurídica a tutela do sentimento de respeito aos mortos. A conduta típica vem expressa pelos verbos “violar”, que significa abrir e devassar ilegitimamente, e “profanar”, que significa aviltar, macular, conspurcar, ultrajar. Sepultura é o lugar onde o cadáver é enterrado, compreendendo toda e qualquer construção, benfeitorias, ornamentos etc. Urna funerária, de sua vez, é o receptáculo destinado a partes do cadáver, como ossos e cinzas.

Outro crime tipificado no Código Penal, tendo como objetividade jurídica a tutela do sentimento de respeito aos mortos, é a “destruição, subtração ou ocultação de cadáver”, previsto no art. 211.

“Destruir” significa tornar insubsistente, fazer com que não exista mais. “Subtrair” significa tirar de onde se encontre (proteção ou guarda do cemitério, necrotério, família etc.), e “ocultar” significa esconder, fazer desaparecer. Como cadáver entende-se o corpo humano sem vida, morto, que conserva a aparência humana. Também parte do cadáver é objeto de proteção legal.

Por derradeiro, o crime de “vilipêndio a cadáver”, previsto no art. 212 do Código Penal, pune com detenção de um a três anos, e multa, a conduta de “vilipendiar cadáver ou suas cinzas”. Aqui também a conduta de “vilipendiar” significa tratar como vil, com desprezo, ultrajar. São objeto da proteção legal o cadáver e suas cinzas (em caso de cremação ou decomposição natural).

Merece destacar que a Lei n. 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, prevê algumas figuras típicas específicas referentes à remoção irregular de órgãos ou partes do cadáver, compra e venda de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano. Mas isso é assunto para outro artigo que será publicado oportunamente nesta coluna.

 

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