CRIMES CONTRA A HONRA, REDES SOCIAIS E INTERNET: PENA TRIPLICADA

29/04/2021

No dia 19 de abril próximo passado, o Senado Federal confirmou, em sessão do Congresso Nacional, a votação da Câmara dos Deputados, rejeitando 16 vetos presidenciais à Lei nº 13.964/19.

A Lei nº 13.964/19, chamada de “Lei Anticrime” derivou do conhecido “pacote anticrime”, aprovado pelo Congresso Nacional em 2019 e que recebeu 24 vetos a seus dispositivos do Presidente da República.

Dos 24 vetos à nova lei, 16 deles foram rejeitados, então, pelo Congresso Nacional.

O que nos toca tratar no presente artigo diz respeito ao aumento expressivo de pena para os crimes contra a honra cometidos ou divulgados em quaisquer modalidades das redes sociais da rede mundial de computadores.

A redação originária do projeto de lei anticrime previa a aplicação da pena em triplo aos crimes contra a honra cometidos ou divulgados em quaisquer modalidades das redes sociais da rede mundial de computadores, tendo sido inserido o §2º ao art. 141 do Código Penal.

Ocorre que o Presidente da República, por ocasião da sanção da Lei nº 13.964/19, houve por bem vetar o referido dispositivo.

Nas razões do veto, o Presidente da República destacou:

“A propositura legislativa, ao promover o incremento da pena no triplo quando o crime for cometido ou divulgado em quaisquer modalidades das redes sociais da rede mundial de computadores, viola o princípio da proporcionalidade entre o tipo penal descrito e a pena cominada, notadamente se considerarmos a existência da legislação atual que já tutela suficientemente os interesses protegidos pelo Projeto, ao permitir o agravamento da pena em um terço na hipótese de qualquer dos crimes contra a honra ser cometido por meio que facilite a sua divulgação. Ademais a substituição da lavratura de termo circunstanciado nesses crimes, em razão da pena máxima ser superior a dois anos, pela necessária abertura de inquérito policial, ensejaria, por conseguinte, superlotação das delegacias, e, com isso, redução do tempo e da força de trabalho para se dedicar ao combate de crimes graves, tais como homicídio e latrocínio.”

O referido veto, entretanto, foi rejeitado pelo Congresso Nacional, ensejando a vigência do aumento de pena mencionado.

Os crimes contra a honra são previstos nos arts. 138, 139 e 140 do Código Penal, que tratam da calúnia, da difamação e da injúria, respectivamente.

Nesse sentido, cabe destacar que nos mencionados crimes a proteção legal recai sobre a honra, entendida como o conjunto de qualidades morais, intelectuais e físicas atinentes a determinada pessoa.

A doutrina penal costuma distinguir a honra objetiva da honra subjetiva.

Honra objetiva, ou honra externa, é o conceito que o indivíduo tem no meio social em que vive, evidenciando o juízo que os demais fazem de seus atributos. É a reputação da pessoa. Os crimes que ofendem a honra objetiva são a calúnia e a difamação.

Honra subjetiva é a autoestima que a pessoa tem, o juízo que faz de si mesma em razão de seus atributos. O crime que ofende a honra subjetiva é a injúria.

Calúnia é a imputação falsa de fato definido como crime. Imputar significa atribuir, inculcar, assacar. A imputação deve se referir a fato definido como crime, o que exclui, desde logo, as contravenções penais. O fato definido como crime há de ser certo e determinado, concreto, específico, e não meras alusões a tipos penais sem maiores detalhes. Além disso, a imputação deve ser lançada “falsamente” pelo sujeito ativo, que precisa ter conhecimento da falsidade da imputação. Se o fato imputado for verdadeiro, inexiste calúnia. O crime é doloso e requer, para sua configuração, o chamado “animus calumniandi”, que pode ser definido como a vontade séria e inequívoca de caluniar a vítima. A consumação ocorre quando a falsa imputação de fato definido como crime chega ao conhecimento de terceira pessoa. A tentativa de calúnia é admissível desde que a ofensa não seja verbal.

Já a difamação é a imputação de fato ofensivo à reputação da vítima. Diferentemente da calúnia, na difamação a imputação deve se referir a fato ofensivo à reputação da vítima, a fato desonroso, que não crime, também concreto e específico. O fato ofensivo pode ser verídico ou inverídico. Aqui também o crime é doloso, requerendo, para sua configuração, o “animus diffamandi”, que nada mais é que a vontade séria e inequívoca de difamar a vítima. A consumação do crime de difamação também ocorre quando a imputação de fato ofensivo à reputação da vítima chega ao conhecimento de terceira pessoa, sendo a tentativa admissível apenas se a imputação não for verbal.

Por seu turno, a injúria é a ofensa à dignidade ou ao decoro da vítima. A conduta vem expressa pelo verbo ofender, que significa ferir, atacar. A honra subjetiva se divide em honra-dignidade, relativa aos atributos morais da pessoa, e honra-decoro, relativa aos atributos físicos, sociais e intelectuais. A ofensa pode ser perpetrada por qualquer meio. O crime é doloso e requer, para sua configuração, o “animus injuriandi”, que pode ser definido como a vontade séria e inequívoca de injuriar a vítima. Neste caso, a consumação do crime ocorre quando a vítima toma conhecimento da ofensa, admitindo-se a tentativa apenas quando a injúria não seja oral.

O art. 141 do Código Penal traz quatro hipóteses de majorantes nos crimes contra a honra, em que as penas são aumentadas de um terço, e uma hipótese em que a pena é aplicada em dobro.

Assim, se o crime é praticado contra o Presidente da República, chefe de governo estrangeiro ou funcionário público, em razão de suas funções, na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação do crime, ou, ainda, contra vítima maior de 60 anos, as penas são aumentadas de um terço.

Portanto, o inciso III do art. 141 já confere a resposta adequada para os crimes contra a honra cometidos ou divulgados em quaisquer modalidades das redes sociais da rede mundial de computadores, meios que, evidentemente, facilitam sua divulgação.

Realmente, não havia nenhuma necessidade do exagerado exacerbamento da pena ensejado pela rejeição do veto, tendo o Presidente da República total razão ao justificar seu veto alegando violação ao princípio da proporcionalidade.

De cunho eminentemente constitucional, o princípio da proporcionalidade da pena (ou princípio da proteção proporcional ao bem jurídico) preconiza a observância, no sistema penal, de proporcionalidade entre o crime e a sanção. É certo que o caráter da pena é multifacetário, devendo preservar os interesses da sociedade, através da reprovação e prevenção do crime, sendo também proporcional ao mal causado pelo ilícito praticado. Nesse aspecto, a justa retribuição ao delito praticado é a ideia central do Direito Penal.

Ora, não há plausibilidade em se triplicar a pena privativa de liberdade cominada, nessas situações, aos crimes contra a honra. A pena máxima do crime de calúnia, por exemplo, pode chegar a 6 (seis) anos de detenção, muito superior à pena de crimes mais graves como abandono de incapaz, maus-tratos e até mesmo aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante, igualando-se, o que soa mais absurdo ainda, à pena máxima do crime de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação com resultado morte! Isso sem mencionar que a pena mínima do crime de homicídio (art. 121, “caput”, também é de 6 (seis) anos!

Assim, andou muito mal o Congresso Nacional ao rejeitar o veto do Presidente da República, conferindo aos crimes contra a honra cometidos ou divulgados em quaisquer modalidades das redes sociais da rede mundial de computadores uma punição absolutamente descompassada com a realidade, violadora de diversos princípios básicos do Direito Penal, como os da proporcionalidade, da ofensividade, da fragmentariedade e da subsidiariedade.

 

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