Contrabando e Descaminho na visão do STJ

12/04/2018

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça vem proferindo diversas decisões envolvendo os crimes de contrabando e descaminho, explicitando posições doutrinárias e legais até então controversas e dando a esses crimes uma conformação mais consentânea com a realidade do País.

De início, cumpre diferenciar contrabando de descaminho, crimes que, não raras vezes, são confundidos e tidos como semelhantes por grande parte da população brasileira, estando ambas as figuras reunidas no mesmo tipo penal até o ano de 2014, quando passaram a ostentar tipificação distinta.

O crime de DESCAMINHO vem previsto no art. 334 do Código Penal, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 13.008/14, e tem como objetividade jurídica a proteção ao erário, lesado pela entrada ou saída do território nacional, ou pelo consumo, de mercadoria sem o recolhimento dos tributos devidos.

A conduta típica do crime de descaminho vem representada pelo verbo “iludir”, que significa enganar, fraudar, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, saída ou pelo consumo de mercadoria.

Descaminho, portanto, é a importação ou exportação de mercadoria lícita sem o recolhimento dos tributos devidos.

Nos termos do § 1º, I, do art. 334, incorre na mesma pena quem “pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei”. Navegação de cabotagem é o comércio realizado diretamente entre os portos do País, em águas marinhas ou fluviais. É privativo de navios nacionais. O inciso II do mesmo parágrafo comina a mesma pena a quem “pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando ou descaminho”. Trata-se, nesse último caso, de norma penal em branco.

Segundo o inciso III do § 1º desse mesmo artigo, incorre em crime quem “vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem”. Na primeira parte, o dispositivo descreve condutas do próprio autor do descaminho. Nesse caso, o sujeito que pratica o descaminho e depois é surpreendido vendendo a mercadoria responde por um único delito. Na segunda parte, o agente vende mercadoria objeto do descaminho, realizado por terceiro. Nesse caso, é necessário que o sujeito tenha consciência da origem delituosa da mercadoria. Isso significa dizer que ele não responde por receptação, mas sim pelo disposto nesse inciso.

O inciso IV do § 1º do art. 334 ora mencionado tipifica o delito de quem “adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos”. Essas condutas normalmente são tipificadas como receptação dolosa (CP, art. 180, “caput”).

As ações pressupõem a entrada ilícita no País de mercadoria estrangeira, que chega ao sujeito: a) sem documentação exigida em lei; b) com documentação falsa, de conhecimento do agente.

Na hipótese de receptação de mercadoria objeto de descaminho, podem ocorrer dois delitos: a) se o sujeito agiu dolosamente, responde pelo crime do inciso IV do § 1º do art. 334 do Código Penal, afastada a incidência do art. 180, “caput”, desse mesmo Código; b) se o agente agiu culposamente, incide nas penas da receptação qualificada (art. 180, § 1º). A ação deve ser desenvolvida “no exercício da atividade comercial ou industrial”. Se essa elementar não estiver presente, não se aplica o inciso IV, subsistindo o delito de receptação dolosa ou qualificada prevista no art. 180, caput e § 1º, do Código Penal. Equipara-se às atividades comerciais, de acordo com o § 2º do art. 334 do Código Penal, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residência.

O § 3º do art. 334 do Código Penal prevê o descaminho qualificado, aplicando-se a pena em dobro quando o crime é cometido em transporte aéreo, marítimo ou fluvial.

Já o crime de CONTRABANDO vem previsto no art. 334-A do Código Penal, também com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 13.008/14, tendo como objetividade jurídica a proteção ao erário, lesado pela entrada ou saída do território nacional de mercadoria proibida.

A conduta típica desse crime vem representada pelos verbos “importar” ou “exportar”. Contrabando, portanto, é a importação ou exportação de mercadoria proibida no País.

A proibição de entrada ou saída da mercadoria do País pode ser absoluta ou relativa. Proibição absoluta ocorre quando a mercadoria não pode entrar no território nacional de forma alguma. Proibição relativa ocorre quando a mercadoria pode circular no território nacional, desde que preenchidos certos requisitos.

De acordo com o disposto no § 1º, incorre na mesma pena quem: I — pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando; II — importa ou exporta clandestinamente mercadoria que dependa de registro, análise ou autorização de órgão público competente; III — reinsere no território nacional mercadoria brasileira destinada à exportação;  IV — vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira; V — adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira. O § 2º do art. 334-A equipara às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências.

Com relação ao contrabando qualificado, o § 3º do art. 334-A do Código Penal prevê a aplicação da pena em dobro quando o crime é cometido em transporte aéreo, marítimo ou fluvial.

Nesse aspecto, vem prevalecendo no Superior Tribunal de Justiça a orientação segundo a qual “causa de aumento prevista no art. 334, § 3º, do CP, é aplicável para o transporte aéreo, não se limitando a vôos clandestinos.” (HC 405348/BA – Rel. Min. Joel Ilan Paciornik – Quinta Turma - DJe 04/12/2017).

No mesmo sentido: “O art. 334, § 3º, do Código Penal prevê a aplicação da pena em dobro, se ‘o crime de contrabando ou descaminho é praticado em transporte aéreo". Ainda, nos termos da jurisprudência desta Corte, se a lei não faz restrições quanto à espécie de vôo que enseja a aplicação da majorante, não cabe ao intérprete restringir a aplicação do dispositivo legal, sendo irrelevante que o transporte seja clandestino ou regular” (HC 390899/SP – Rel. Min. Ribeiro Dantas – Quinta Turma - DJe 28/11/2017).

Em suma, tanto no crime de contrabando quanto no crime de descaminho, no que se refere à causa de aumento de pena relativa à prática dos crimes em “transporte aéreo”, a posição pacificada na referida Corte Superior é no sentido de que a norma não contém incertezas quanto à sua abrangência. Assim, se a lei não faz restrições quanto à espécie de vôo que enseja a aplicação da majorante, tanto ao contrabando quanto ao descaminho, não cabe ao intérprete fazê-lo, segundo o brocardo "ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus".

 

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