CONTRABANDO DE CIGARROS E COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL

14/07/2022

Um dos maiores problemas relacionados à segurança pública, enfrentados atualmente pelo governo brasileiro, envolve o contrabando de cigarros, prática nefasta que gera ao País a perda de bilhões de reais em arrecadação e que tem relação direta com o crime organizado e com a lavagem de dinheiro.

O contrabando de cigarros, além de causar danos ao erário, também é gerador de uma série de consequências nocivas à sociedade, com reflexos diretos e graves na saúde pública.

Nesse aspecto, o Brasil perdeu quase R$ 90 bilhões em arrecadação nos últimos dez anos em decorrência do contrabando de cigarros. Atualmente, praticamente metade (48%) dos cigarros consumidos no País é ilegal, segundo levantamento feito pelo instituto “Ipec Inteligência”, sendo certo que que a maioria é contrabandeada principalmente do Paraguai.

O crime de contrabando vem previsto no art. 334-A do Código Penal, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 13.008/14, tendo como objetividade jurídica a proteção ao erário, lesado pela entrada ou saída do território nacional de mercadoria proibida.

A conduta típica desse crime vem representada pelos verbos “importar” ou “exportar”. Contrabando, portanto, é a importação ou exportação de mercadoria proibida no País.

A proibição de entrada ou saída da mercadoria do País pode ser absoluta ou relativa. Proibição absoluta ocorre quando a mercadoria não pode entrar no território nacional de forma alguma. Proibição relativa ocorre quando a mercadoria pode circular no território nacional, desde que preenchidos certos requisitos.

De acordo com o disposto no § 1º, incorre na mesma pena quem: I — pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando; II — importa ou exporta clandestinamente mercadoria que dependa de registro, análise ou autorização de órgão público competente; III — reinsere no território nacional mercadoria brasileira destinada à exportação;  IV — vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira; V — adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira. O § 2º do art. 334-A equipara às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências. O § 3º prevê a figura do contrabando qualificado, determinando a aplicação da pena em dobro quando o crime é cometido em transporte aéreo, marítimo ou fluvial.

Durante algum tempo, restou assentado, no Superior Tribunal de Justiça, o entendimento de que o delito de contrabando somente seria de competência da Justiça Federal quando houvesse indícios inequívocos da transnacionalidade da conduta praticada, prevalecendo o que foi decidido no CC 149.750/MS (DJe 03/05/2017).

Efetivamente, a competência para o processamento e julgamento dos crimes de contrabando e descaminho foi atribuída pelo Superior Tribunal de Justiça, inicialmente, à Justiça Federal, com a edição da Súmula 151, em 26/02/1996. Este entendimento prevaleceu até que, em 2017, no julgamento do CC 149.750/MS, inaugurou-se nova orientação que demandava, para a fixação da competência federal em relação ao delito de contrabando, fossem identificados fortes indícios (e/ou provas) tanto da origem estrangeira da mercadoria quanto da participação do investigado em sua entrada ilegal no País. O raciocínio ali desenvolvido, entretanto, utilizava-se, equivocadamente, de requisito necessário para a definição de competência em crime diverso (violação de direito autoral). Posteriormente, em 08/08/2018, a Terceira Seção da citada Corte, ao examinar o CC 159.680/MG, reconheceu que a competência para o julgamento do descaminho seria sempre federal, dado o evidente interesse da União no recolhimento de tributos que lhe são destinados constitucionalmente, repercutindo, também na ordem econômica e financeira do país, assim como na livre concorrência.

Em recente reexame da matéria, por ocasião do julgamento do CC 160.748/SP, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, reconheceu a necessidade de restabelecimento do entendimento que havia sido fixado na Súmula 151, dando tratamento igual ao contrabando e ao descaminho, e atribuindo à Justiça Federal a competência para o seu julgamento. O fundamento foi o de que os crimes de contrabando e descaminho tutelam prioritariamente interesses da União, que é a quem compete privativamente, segundo o disposto nos arts. 21, XXII, e 22, VII, ambos da Constituição Federal, definir os produtos de ingresso proibido no País, além de exercer a fiscalização aduaneira e das fronteiras, mediante atuação da Receita Federal e da Polícia Federal.

Portanto, foi afastada a exigência de se perquirir sobre a existência de indícios de transnacionalidade do “iter criminis” ou da participação do investigado na internalização da mercadoria estrangeira no País, passando a citada Corte a entender que tanto o crime de descaminho quanto o crime de contrabando são de competência da Justiça Federal.

Nesse sentido: “a atual jurisprudência deste Tribunal assentou ser da competência da Justiça Federal o processamento e julgamento do crime de contrabando, quando apreendidos cigarros de origem estrangeira, ainda que não evidenciado o caráter transnacional da conduta. Precedentes.” (STJ - AgRg no HC 664809/SP – Quinta Turma – Rel. Min. JESUÍNO RISSATO - Desembargador convocado do TJDFT – DJe 04.11.2021).

No mesmo diapasão: “A existência de cigarros de origem estrangeira, dentre aqueles apreendidos, é suficiente para demonstrar ter havido a prática do crime de contrabando, firmando a competência da Justiça Federal, ainda que não evidenciado o caráter transnacional da conduta. Precedentes desta Corte Superior.” (STJ - CC 180476/SP – Terceira Seção – Rel. Min. Laurita Vaz – DJe 01.09.2021).

Por fim, vale fazer menção a um outro tema correlato ao contrabando de cigarros e que já foi muito debatido na doutrina e na jurisprudência, referente à aplicação ao dito delito do princípio da insignificância ou da bagatela.

Recentemente, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça afetou os Recursos Especiais 1.971.993 e 1.977.652, de relatoria do Ministro Joel Ilan Paciornik, para julgamento pelo rito dos repetitivos. A questão submetida a julgamento, cadastrada como Tema 1.143, está ementada da seguinte forma: "O princípio da insignificância não se aplica aos crimes de contrabando de cigarros, por menor que possa ter sido o resultado da lesão patrimonial, pois a conduta atinge outros bens jurídicos, como a saúde, a segurança e a moralidade pública". O Tribunal considerou desnecessário suspender o trâmite dos processos que discutem a mesma controvérsia, haja vista que a Quinta e a Sexta Turmas já têm precedentes contra a adoção da insignificância no contrabando de cigarros.

 

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