Conheça os principais modelos de Mediação de Conflitos

13/02/2016

Por Juliana Ribeiro Goulart e Jéssica Gonçalves - 13/02/2016

A prática da mediação compreende campo extenso que não permite definição estrita e única. Como a maioria dos conceitos referentes aos mecanismos de tratamento dos conflitos, a técnica não é invenção, mas adaptação do que já existiu em outras épocas e raízes culturais. Embora trabalhada por diversos ângulos, de modo geral, convergem os autores no sentido de que a mediação é instrumento autocompositivo e não adversarial, porque são as partes – sem a rivalidade do “amigo x inimigo” –, quem decidem as demandas sob a orientação de terceiro imparcial.

Detalhando sobre o conteúdo da mediação, a autora Fabiana Marion Spengler assevera que:

A mediação é uma alternativa a violência, a auto ajuda do litígio, que difere dos processos de conciliação, negociação e arbitragem. É possível defini-la como o processo mediante o qual os participantes, junto com a assistência de uma pessoa ou umas pessoas neutras, assinalam sistematicamente os problemas em disputa como objeto de encontrar opções, alternativas, e chegar a um acordo mútuo que se ajuste as necessidades. A mediação é um processo que faz ênfase a própria responsabilidade dos participantes em tomar decisões que influenciam suas vidas.[1]

Sem imposições de sentenças ou laudos, mas com apoio do profissional devidamente formado, a mediação auxilia as partes a acharem seus verdadeiros interesses e a preservá-los em um acordo em que todos ganhem.

Como processo de reconstrução simbólica representa a técnica informal em que o terceiro neutro, sem poder para impor sua decisão, auxilia as partes a alcançarem o acordo mutuamente aceitável, cuja formulação incorpora o caráter consensual e a voluntariedade na disputa.

Na mesma direção, Christopher W. Moore define a forma de estabilização dos conflitos como a interferência em uma negociação, tendo o profissional poder de decisão limitado ou não autoritário, mas que ajuda os envolvidos a chegarem voluntariamente a um acordo mutuamente aceitável com relação às questões em disputa.[2]

A mediação, diferentemente do processo judicial, não deve “concluir nem decidir nada, deve somente fazer com que as partes conflitantes estejam em condições de recomeçar a comunicação.”[3] Especificamente, as partes devem estar dispostas a permitir que o terceiro entre na disputa e reestabeleça a comunicação interrompida entre elas, de modo que a aceitabilidade a qual envolve a consideração da presença do mediador e a voluntariedade que dispõe a participação livre no acordo são características inerentes ao método mediado dos conflitos.

Para que a mediação seja realizada, a doutrina nacional e internacional costuma indicar três escolas clássicas: a) o Modelo Tradicional-Linear de Harvard, b) o Modelo Circular-Narrativo de Sara Cobb e c) Modelo Transformativo de Bush e Folger. Incluiremos, porém, outro modelo, que foi idealizado por Luis Alberto Warat, o qual podemos chamar de modelo da alteridade ou modelo Waratiano da terapia do amor da ALMED – Associação Latino-Americana de mediação, Metodologia e Ensino do Direito[4].

Passamos a explicar, de forma resumida, cada um destes importantes modelos. 

O modelo Tradicional-Linear de Harvard ou Programa de Negociação da Escola de Harvard

O modelo Tradicional-Linear de Harvard ou Programa de Negociação da Escola de Harvard, também conhecida como “mediação satisfativa” encontra fundamento na comunicação entendida em seu sentido linear, ou seja, o mediador tem como função ser um facilitador da comunicação para poder conseguir um diálogo que é entendido como uma comunicação bilateral efetiva[5].

No início do processo de mediação, esse modelo propõe que as partes devem se expressar numa espécie de catarse, para que se acalmem e possam pensar melhor.

Tem com princípios a imparcialidade, neutralidade e equidistância, pois o conflito é percebido como um movimento caótico que precisa ser colocado em ordem[6]. Segundo Ilana Martins Luz:

o processo baseia-se numa oitiva alternada, por meio da qual uma das partes ouve, silenciosamente, a outra parte abordar o seu ponto de vista da situação problemática; ao final, sem modificar as versões, as partes devem chegar, auxiliadas pelo mediador, a um acordo que melhor atenda aos interesses de ambos.[7]

Essa proposta encontra críticas em razão de não ter como escopo trabalhar os sentimentos das partes e suas relações, mas basicamente encontrar um acordo vantajoso mútuo. O objetivo é descobrir a causa do problema e obter o acordo, não levando em consideração o contexto em que produzido o conflito. 

O Modelo Circular- Narrativo de Sara Cobb

O Modelo Circular- Narrativo de Sara Cobb se fundamenta na comunicação circular. Corresponde a um processo que agrega ao modelo de Harvard premissas da teoria dos sistemas de Luhmann. Conforme destaca Ilana Martina Luz:

Como se infere da própria denominação, nesta espécie mediativa, há a preocupação com a circularidade e a interdependência das pessoas. A mediação, então, focaliza na necessidade de compreensão da outra parte, suas particularidades, interesses, objetivos, e características. Com evidência, na espécie “circular narrativa”, a causalidade não é mais imediata, tal como no modelo de Harvard. Para que as partes compreendam uma a outra, mediante um processo de conversação, facilitada por um terceiro estranho, é preciso analisar não a causa imediata que determinou aquela situação problema, mas o conjunto de causas remotas, anteriores, que, de alguma forma, contribuíram para o deslinde conflitual[8].

A proposta inclui elementos verbais, os quais se relacionam ao conteúdo e paraverbais (corporais, gestuais etc.), que tenham a ver com a relação. Ele sustenta que o conflito não necessariamente deve ser associado ao antagonismo e a agressão nas relações, mas deve ser visto como uma presença interna e quase contínua em cada pessoa. Existe uma pulsão permanente entre o desejo e o ter, razão pela qual deve ser diferenciado o conflito da disputa. Alem disso, existe uma causalidade de tipo circular, que permanentemente se realimenta. Ele privilegia tanto as relações quanto o acordo[9]. 

O Modelo transformativo de Bush e Folger

O Modelo transformativo de Bush e Folger fundamenta-se também na comunicação, mas com foco no aspecto relacional. Trabalha para o empoderamento das partes, que devem ser vistas como responsáveis por suas ações, ou seja, é voltado para o reconhecimento do outro como protagonista de sua vida e coprotagonista do conflito. Nas palavras de Ilana Martins Luz: “[...] o mérito da mediação transformativa é o incremento do poder das partes, que devem protagonizar o seu conflito e, por meio do processo mediativo, recuperar a sua autoestima, rompida com o problema vivenciado”[10].

Tem, ainda, como meta modificar a relação entre as partes, sendo, portanto, o oposto do Modelo Harvardiano, pois não objetiva apenas obter o acordo, mas é centrado na transformação das relações[11].

Nesse sentido, o processo não vislumbra a desestabilização das pessoas, com a desconstrução das histórias iniciais e criação de uma história alternativa, como propõe o modelo Circular-Narrativo. Contudo, costuma ser elogiado e considerado como o mais completo justamente porque tem o objetivo de reconstruir a relação rompida, sem desconsiderar a importância do acordo. 

O Modelo Waratiano

O Modelo Waratiano é um modelo muito peculiar, pois fala de amor. Seu método não tem como objetivo prioritário a realização de um acordo, mas sim a produção da diferença, instalando o novo na temporalidade[12]. Segundo Ildemar Egger:

[...] o modelo waratiano, auto-designado “Terapia do Amor”, o qual propõe mediar a partir da psicoterapia do reencontro ou do amor perdido, de tal modo que nesse modelo a mediação é a inscrição do amor no conflito; busca assim, uma forma de realização da autonomia, uma possibilidade de crescimento através dos conflitos, ou seja, um modo de transformação dos conflitos a partir das próprias identidades, uma prática dos conflitos sustentada pela compaixão e pela sensibilidade, uma prática cultural e um paradigma específico do direito, um direito da outridade, uma concepção ecológica do direito, um modo particular de terapia[13].

Warat, assim, propõe a terapia do amor mediado (TAM) de forma que se “possa ajudar as pessoas a compreender seus conflitos com maior serenidade, retirando deles a carga de energia negativa que impede a sua administração criativa[14].”

A proposta Waratiana se diferencia das demais, pois além de criar um modelo, propõe, também, que a mediação seja vista sob a ótica da alteridade, afim de que permeie todo o sistema jurídico, inclusive no que tange ao processo judicial.

Apesar da existência das escolas mencionadas, a escolha do modelo apropriado é feita pelo mediador, que precisa optar por aquele que melhor atenda as peculiaridades do caso concreto. Para atingir tal objetivo, deve o profissional fazer uso de sua sensibilidade, que precisa estar comprometida com um acordo criativo em que todos ganhem.


Notas e Referências: 

[1] BOLZAN DE MORAIS, José Luis; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragemalternativas à jurisdição. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p.75.

[2] MOORE, Christopher W. O processo de mediação: estratégias práticas para resolução dos conflitos. 2. ed. Tradução de Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed, 1998.

[3] SPENGLER, 2007, p. 317-318.

[4] Ildemar Egger denominou o modelo em sua obra: Cultura da Paz e Mediação: uma experiência com adolescentes. Fundação Boiteux, 2008.

[5] EGGER, 2008. p.116.

[6] AGUIAR. Carla Zamith Boin. Mediação e Justiça Restaurativa: a humanização do sistema processual como forma de realização dos princípios constitucionais. 2009, p. 106.

[7] LUZ. Ilana Martins. Justiça restaurativa: a ascensão do intérprete e a nova racionalidade criminal. 1ª Edição. Empório do Direito. 2015. p. 121.

[8] LUZ, 2015. p. 121.

[9] EGGER, 2008. p. 121-122.

[10] LUZ, 2015. p. 123.

[11] EGGER, 2008. p. 116.

[12] WARAT, Luis Alberto. O ofício do mediador. Florianópolis: Habitus, 2001, p. 92.

[13] EGGER, 2008. p. 123.

[14] WARAT, 2001, p. 92.

AGUIAR. Carla Zamith Boin. Mediação e Justiça Restaurativa: a humanização do sistema processual como forma de realização dos princípios constitucionais. 2009. 

BOLZAN DE MORAIS, José Luis; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragemalternativas à jurisdição. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

ILDEMAR EGGER Cultura da Paz e Mediação: uma experiência com adolescentes. Fundação Boiteux, 2008.

LUZ. Ilana Martins. Justiça restaurativa: a ascensão do intérprete e a nova racionalidade criminal. 1ª Edição. Empório do Direito. 2015.

MOORE, Christopher W. O processo de mediação: estratégias práticas para resolução dos conflitos. 2. ed. Tradução de Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed, 1998.

WARAT, Luis Alberto. O ofício do mediador. Florianópolis: Habitus, 2001. 


Juliana Ribeiro GoulartJuliana Ribeiro Goulart possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC-RS. Tem experiência na área da advocacia, com ênfase em Direito Processual, área em que é especialista pelo CESUSC. Atualmente ocupa o cargo de Assistente Jurídica da Procuradoria Geral do Estado de Santa Catarina e é pesquisadora na área da Mediação de conflitos. E-mail: juligoulart@hotmail.com / Facebook aqui.

 
Jéssica Gonçalves é Graduada em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL-SC. Formada pela Escola da Magistratura do Estado de Santa Catarina (módulo I e módulo II). Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC-SC. Pós-Graduada em Direito Público pela Universidade Regional de Blumenau – FURB-SC. Pós-Graduada em Direito Aplicado pela Universidade Regional de Blumenau – FURB-SC. Mestranda do Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC-SC. E-mail: jessic.goncalves@hotmail.com

Imagem Ilustrativa do Post: A Fine Line / Frederic Geurts // Foto de: Dominic Alves // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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