Confira o discurso de posse da nova diretora da Faculdade de Direito da UFG: Bartira Macedo de Miranda Santos

06/08/2017

A Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás terá nos próximos 4 anos a professora Bartira Macedo de Miranda Santos como Diretora, juntamente com o professor Saulo de Oliveira Pinto Coelho seu vice-diretor. A posse foi no dia 01/08/2017, contou com a presença de várias autoridades, e representa um marco na universidade que até então nunca havia sido dirigida por uma mulher. 

Confira abaixo o emocionante discurso da nova Diretora da Faculdade de Direito da UFG, professora Bartira Macedo de Miranda Santos:

 

 

DISCURSO DE POSSE DA NOVA DIRETORA DA FACULDADE DE DIREITO DA UFG

BARTIRA MACEDO DE MIRANDA SANTOS

 

Senhoras e Senhores, assumo hoje, com muita alegria e honra, o cargo de Diretora da Faculdade de Direito. É um cargo simples, que ganha projeção pelo enorme carinho que os intelectuais do Direito nutrem por esta Casa, carinhosamente apelidada de Vetusta ou FD.

A nossa Vetusta Faculdade de Direito, que neste mês de agosto completa os seus 119 anos, é a sexta mais antiga do Brasil e abriga o Curso de Direito mais tradicional de Goiás. Nesta parte do cerrado, há dezenas de cursos de graduação em Direito. Na UFG, são três. No entanto, Faculdade de Direito só há uma.

Recebo o cargo das mãos do Prof. Pedro Sérgio dos Santos, que foi meu orientador no curso de Mestrado e é grande advogado criminalista. Agradeço à Profa. Sílzia Alves Carvalho por sua especial dedicação à coordenação da nossa graduação, cargo que exerceu, em conjunto com a função de Vice-Diretora, com leveza, responsabilidade e presteza.

Este momento é histórico para a comunidade da FD.

Assumo a direção desta Faculdade, neste 1º/08/2017, como a primeira mulher a dirigir esta Casa. Mas não é só esse o grande significado social e político desta posse. 

Assumo a direção da Faculdade de Direito como a primeira mulher sim, mas também como a primeira mulher, negra, nordestina, comunista e poderia dizer “sem dinheiro no Banco, sem parentes importantes e vinda do interior”. E serei ainda a primeira diretora que usa o Whatsapp.

Vim do interior da Bahia, Remanso, embora tenha nascido em Bom Jesus da Lapa, em 1977. Aqui estudei na Escola Municipal Pedro Xavier Teixeira. Morei em casa de parente. Nunca deixei de comprar um livro para ir a uma festa. 

Minha história não é muito diferente das milhares e milhões de histórias de pessoas que ascenderam por meio do estudo. Cito o comovente exemplo da Ministra Delaíde Miranda, que de empregada doméstica tornou-se Ministra do Tribunal Superior do Trabalho, que muito nos honra com sua presença. Nestas poucas décadas de vida em Goiás, fiz amigos. Contudo, se há uma vantagem no passar do tempo, esta reside nas testemunhas, testemunhas de quem somos, do que fizemos. Vejo que este Salão Nobre está cheio de amigos, parentes e, principalmente, testemunhas.

Decidi me candidatar à Diretora da Faculdade de Direito sem imaginar como seria desafiador dirigir esta Casa, historicamente tão conservadora, tradicional, em meio às restrições orçamentárias e em tempos políticos tão difíceis como este que o País enfrenta.

A minha candidatura foi incentivada por meus colegas professores e servidores técnicos-administrativos, mas teve um significado muito especial pelo desabrochar de esperança que vi nos olhos dos alunos desta Faculdade. Esperança essa que é depositada na confiança de que saberemos implantar muito mais do que um novo nível de qualidade administrativa e acadêmica. 

Tenho 11 anos de UFG e olhando para trás, em perspectiva, lembro-me dos apelidos que acumulei nesse período: Bartiríssima, Bart Rainha, Bartira Miranda Mulher de Garra, Rainha da FD, Imperatriz do Habeas Corpus. 

  Esses apelidos são inapagáveis da minha memória e me recordam a esperança que me é depositada, especialmente pelos alunos cotistas, presentes agora em 50% das turmas. É a esperança de que o ensino jurídico possa, efetivamente, contribuir para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, sem preconceito e discriminação. Um ensino jurídico que não reproduza acriticamente uma dogmática que se apresenta e se realiza como uma técnica de enjaular pessoas; onde os juristas não se sintam cumprindo o seu dever como peças de uma grande “máquina de moer gente”. 

Somos uma sociedade de origem escravocrata. E isso explica muito a forma que pensamos e nos relacionamos uns com os outros, especialmente com as classes sociais mais subalternas. Logo, construir um saber jurídico descolonizado é um grande desafio.

Na área jurídica, ainda perdura uma representação do Direito como uma técnica do controle social, que se autodefine como neutra, universal e abstrata; quando, na verdade, o direito já representa – por definição, uso ou distorção – um ponto de vista previamente demarcado por uma sociedade patriarcal, capitalista e, porque não dizer, branca, proprietária, machista e racista.

Esse Direito já não nos serve mais. Não espero que os alunos – e especialmente os cotistas –, futuros juristas do século XXI, se contentem com esse ponto de vista como se fosse o único e o correto. Precisamos construir um outro Direito, que leve em consideração as contradições e os conflitos de classe, que esteja comprometido com os ideais democráticos e republicanos, com os direitos humanos e orientado para a implantação daqueles objetivos de que a Constituição Federal nos fala:  

 

Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

 

Sei que esse novo saber jurídico não será construído em quatro anos, mas se nos guiarmos nesse caminho, pelo menos não seremos uma Faculdade conivente com a criminalização dos movimentos sociais, dos legítimos movimentos de protestos e das lutas sociais pelos direitos do povo. Não seremos indiferentes às injustiças sociais e à discriminação. O estudante que nesta Casa se formar terá de ser capaz de operar o Direito visando a concretização da Constituição e dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, utilizando os meios hermenêuticos que a tecnologia jurídica coloca à sua disposição. 

A Faculdade de Direito ganha destaque no debate jurídico local e regional na medida em que se constitui um local no qual se desenvolve o pensamento jurídico crítico. A nossa preocupação não tem de ser produzir uma crítica corajosa, comedida ou educada. Nossa preocupação deve ser com uma crítica qualificada.  

Para essa tarefa, conto com o quadro de professores mais bem qualificado do estado e terminaremos o nosso mandato com 100% de professores mestres e doutores.

Para alcançar o grau de excelência administrativa que almejamos, além dos nossos professores, contamos com a dedicação dos nossos servidores técnicos-administrativos.

Não podemos ser juristas encastelados em uma torre de marfim, ou melhor, nas nossas torres teóricas. Temos de aprender a dialogar com a sociedade. Nessa tarefa, nosso embate muitas vezes não será com o conhecimento, mas com a própria ignorância, que a cada dia ganha mais espaço na mídia e nas redes sociais. O exercício do poder passa pelo uso eficaz dos meios de comunicação. Acredito que os intelectuais do século XXI não podem abandonar essa trincheira de luta.

Para elevar o debate jurídico em Goiás, esperamos também contar com o intercâmbio das diversas instituições jurídicas dos poderes de nosso estado: Poder Judiciário, Legislativo e Executivo.

A magistratura, o Ministério Público e a OAB são fundamentais para uma interlocução com a praxe jurídica. Já temos parcerias e contratos firmados e pretendemos aprofundar as relações institucionais.

Em 2018, a Faculdade de Direito comemorará os seus 120 anos. Conclamamos a todos para se juntarem a nós nessa comemoração. 

Por fim, gostaria de dizer que ninguém duvide da minha firme determinação de dirigir a Faculdade de Direito. Eu vou dirigir a Faculdade de Direito. Digo isso com toda ênfase e com todo o conteúdo que essa frase encerra. Eu vou dirigir a Faculdade de Direito. Diretora é aquela que “diz-a-ação” ou que “dá-a-direção”. Farei isso com diálogo, transparência e qualidade. 

DIÁLOGO, TRANSPARÊNCIA E QUALIDADE foram a síntese da nossa plataforma de campanha. Pensamos que o diálogo é o caminho, a transparência é o modo e a qualidade, o destino. Convidamos a todos para atuarem como sujeitos ativos desta nova gestão da Faculdade de Direito, a começar pelo diagnóstico (onde e como estamos) e pelas proposições (para onde queremos ir, onde queremos chegar e como queremos fazer para alcançar essas metas). 

Eu o Prof. Saulo Coelho não faltaremos às nossas obrigações. Faremos uma administração comprometida com a universidade pública, gratuita e de qualidade. 

Agradeço a Deus o privilégio de trabalhar nesta Universidade.

Agradeço a presença dos Professores aposentados que com suas imemoráveis lições construíram com prestígio a nossa história. 

Tive o apoio incondicional de minha família, meu marido Nivaldo dos Santos e minhas filhas Maria Eduarda e Maria Letícia. Agradeço à Ana Ruth Pavan, o incansável apoio de sempre. Agradeço a ASCON, responsável por esta cerimônia, a CASAG, na pessoa do seu Presidente, Rodolfo Otávio Pereira da Mota Oliveira e ao ADUFG-Sindicato, na pessoa do seu presidente, Professor Dr. Flávio Alves da Silva, aqui presente.

 Para finalmente encerrar, gostaria de dizer que a tarefa da educação é o Brasil. Nossa missão fundamental é fazer o país dar certo em seu projeto democrático. Pensamos que com planejamento, qualidade e excelência isso é possível. Muito obrigada a todos!


Foto: Carlos Siqueira

Disponível em: http://www.ufg.br/n/99147-posse-de-nova-diretoria-e-marco-historico-na-faculdade-de-direito


 

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