CONDENAÇÃO PELO TRIBUNAL DO JÚRI E EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA NA NOVA LEI ANTICRIME

13/02/2020

A recente Lei nº 13.964/19, denominada Lei Anticrime, que operou sensíveis mudanças no processo penal brasileiro, inovou ao dar nova redação à alínea “e” do inciso I do art. 492 do Código de Processo Penal, estabelecendo que o juiz presidente do Tribunal do Júri, ao proferir sentença, em caso de condenação, “mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos”.

Inclusive, a nova lei também inseriu o §4º ao referido artigo, estatuindo que “a apelação interposta contra decisão condenatória do Tribunal do Júri a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão não terá efeito suspensivo.”

Trata-se de saudável inovação que vem a pôr cobro à celeuma anteriormente estabelecida na doutrina pátria, lastreada no embate entre os princípios da presunção de inocência e da soberania dos veredictos.

Em diversos precedentes dos Tribunais Superiores, já vinha sendo discutido se haveria constrangimento ilegal na manutenção ou decretação da prisão de réu condenado em primeira instância pelo Tribunal do Júri.

A questão de fundo, que até hoje permeia a celeuma é a prevalência do princípio da presunção de inocência, a ensejar a permanência do réu em liberdade até que esgotadas as vias recursais, pertencendo a constrição decorrente de título condenatório provisório ao campo da excepcionalidade.

Cederia o princípio da presunção de inocência ou não-culpabilidade à soberania dos veredictos nos julgamentos pelo Tribunal do Júri?

Conforme é sabido, a soberania dos veredictos é questão de extrema relevância, que nos remete a um dos fundamentos constitucionais do Júri.

A Carta de 1988 dispõe, no art. 5º, XXXVIII:

“Art. 5º (...) XXXVIII -  é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:

a) a plenitude de defesa;

b) o sigilo das votações;  

c) a soberania dos veredictos;  

d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.”

Assim, não obstante se observem outros princípios constitucionais assegurados a todos os julgamentos (devido processo legal, ampla defesa, contraditório etc) o art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal, enumera os quatro princípios fundamentais pertinentes ao Tribunal do Júri, sendo a soberania dos veredictos aquele de maior envergadura democrática, na medida em que a vontade do povo se manifesta pura e cristalinamente, sem interferência da ciência do Direito, revelando a Justiça em sua forma mais explícita, se sobrepondo a qualquer outro postulado, por correto que seja.

Nesse sentido, a própria sistemática recursal prestigia o princípio da soberania dos veredictos, na medida em que a decisão dos jurados acerca, basicamente, da autoria e da materialidade do crime, não pode ser modificada nem mesmo pelo Tribunal superior em grau de recurso. Não é admissível, em apelação, pretender substituir a soberana decisão do Júri pelo julgamento do colegiado de segundo grau, podendo o Tribunal “ad quem”, no máximo, determinar a realização de outro julgamento, uma única vez, caso considere a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos (art. 593, III, “d”, CPP).

Portanto, os tribunais não podem substituir a decisão proferida pelo júri popular.

Em decorrência disso, deve prevalecer a decisão soberana de condenação, ensejando o imediato início do cumprimento de pena, independentemente do esgotamento das vias recursais, sem qualquer mácula ao princípio da presunção de inocência ou não-culpabilidade.

Essa posição ficou bastante firme na nova Lei Anticrime, podendo agora o juiz presidente do Tribunal do Júri, ao proferir a sentença condenatória, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinar a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos.

Evidentemente, de outra banda, que a própria Lei Anticrime trouxe exceção à regra, estatuindo que o juiz presidente poderá, excepcionalmente, deixar de autorizar a execução provisória das penas, no caso de condenação igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, se houver questão substancial cuja resolução pelo tribunal ao qual competir o julgamento possa plausivelmente levar à revisão da condenação, inclusive podendo conceder efeito suspensivo à apelação.

Em suma, a inovação legislativa demonstra o amadurecimento do processo penal brasileiro e a prevalência dos anseios da sociedade, acolhidos pelo parlamento, sociedade essa que se encontra muitas vezes desiludida com a justiça ao vislumbrar o deboche com que os condenados por crimes gravíssimos contra a vida deixam o recinto do Tribunal, escarnecendo das autoridades e contando com a impunidade garantida pela irrestrita aplicação do princípio da presunção de inocência, amparado no longínquo e serôdio trânsito em julgado da condenação.

 

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