CONCESSÃO DE GRAÇA E COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

28/04/2022

Em 21 de abril de 2022, o Presidente da República, por meio de decreto, concedeu graça ao Deputado Daniel Silveira, condenado pelo Supremo Tribunal Federal à pena de 8 (oito) anos e 9 (nove) meses de reclusão, em regime inicial fechado, além do pagamento de multa.

A concessão da referida graça pelo Presidente da República reacendeu interessante debate acerca da viabilidade e da conveniência do instituto do indulto (seja individual – graça – ou coletivo) no ordenamento jurídico brasileiro.

Nesse aspecto, vale ressaltar que a graça é causa de extinção de punibilidade, prevista no art. 107, II, do Código Penal, ao lado do indulto e da anistia.

Mas, afinal, quais as diferenças entre graça, indulto e anistia?

A anistia é o esquecimento jurídico de uma ou mais infrações penais. Pode, ainda, ser considerada uma declaração pelo Poder Público de que determinados fatos se tornaram impuníveis por motivo de utilidade ou relevância social. Quando se aplica a crimes políticos, é chamada de anistia especial, e, quando aplicada a crimes comuns, é chamada de anistia comum.

Conforme o disposto no art. 48, VIII, da Constituição Federal, a concessão de anistia é atribuição do Congresso Nacional, por meio de lei penal de efeito retroativo.

A anistia pode alcançar várias pessoas, pois se refere a fatos, extinguindo a punibilidade do crime, que deixa de existir, assim como os demais efeitos de natureza penal. Assim, a anistia opera efeitos “ex tunc”, ou seja, para o passado, extinguindo todos os efeitos penais da sentença condenatória. Não extingue, entretanto, os efeitos civis da sentença penal, tais como a obrigação de indenizar, de reparar o dano etc.

Segundo o disposto nos arts. 5º, XLIII, da Constituição Federal e 2º, I, da Lei n. 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), não se aplica anistia aos delitos de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, ao terrorismo e aos definidos como crimes he­diondos.

Anistiado o crime, o agente, se cometer novo delito, não será considerado reincidente.

Já a graça é forma de clemência soberana e se destina a pessoa determinada e não a fato, sendo denominada indulto individual na Lei de Execução Penal. A graça é a concessão de clemência, de perdão ao criminoso pelo Presidente da República, nos termos do art. 84, XII, da Constituição Federal, por meio de decreto. Pode o Presidente da República, entretanto, delegar essa atribuição aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República ou ao Advogado-Geral da União (art. 84, parágrafo único, da CF).

A graça é sempre individual, ou seja, concedida a um sujeito determinado. Nos termos do art. 188 da Lei de Execução Penal, a graça pode ser solicitada por petição do condenado, por iniciativa do Ministério Público, do Conselho Penitenciário ou da autoridade administrativa. O pedido de graça será, se for o caso, submetido à apreciação do Conselho Penitenciário, conforme o disposto no art. 189 da Lei de Execução Penal.

O indulto (ou indulto coletivo) também representa uma clemência, um perdão concedido pelo Presidente da República por meio de decreto. O indulto tem caráter de generalidade, ou seja, abrange várias pessoas, referindo-se a fatos, e pode ser concedido sem qualquer requerimento.

A graça e o indulto extinguem somente as sanções mencionadas nos respectivos decretos, permanecendo os demais efeitos da sentença condenatória, sejam penais ou extrapenais. Assim, vindo o sujeito agraciado ou indultado a cometer novo crime, será considerado reincidente.

Vale lembrar que a Lei n. 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), regulamentando o art. 5º, XLIII, da Constituição Federal, diz que os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes definidos como hediondos, consumados ou tentados, são insuscetíveis de graça ou indulto.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal prevê o indulto e a graça como ato discricionário do Presidente da República. No julgamento do HC 90.364/MG, no dia 31.10.2007, tendo como relator o Ministro Ricardo Lewandowski, ficou decidido que “O decreto presidencial que concede o indulto configura ato de governo, caracterizado pela ampla discricionariedade”.

Na mesma senda, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 5.874, em maio de 2019, apreciando a constitucionalidade do Decreto n. 9.246, de 21 de dezembro de 2017, tendo como redator do acórdão o Ministro Alexandre de Moraes, que conduziu o voto vencedor, assim se posicionou:

“1. A Constituição Federal, visando, principalmente, a evitar o arbítrio e o desrespeito aos direitos fundamentais do homem, previu a existência dos Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, repartindo entre eles as funções estatais.

2. Compete ao Presidente da República definir a concessão ou não do indulto, bem como seus requisitos e a extensão desse verdadeiro ato de clemência constitucional, a partir de critérios de conveniência e oportunidade.

3. A concessão de indulto não está vinculada à política criminal estabelecida pelo legislativo, tampouco adstrita à jurisprudência formada pela aplicação da legislação penal, muito menos ao prévio parecer consultivo do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, sob pena de total esvaziamento do instituto, que configura tradicional mecanismo de freios e contrapesos na tripartição de poderes.”

Portanto, o texto constitucional do art. 84, XII, é cristalino e não comporta modulações, flexibilizações ou interpretações ditadas por interesses político-ideológicos e partidários.

Trata-se de competência constitucional privativa do Presidente da República, baseada em critérios de conveniência e oportunidade, que não se subordina, como alguns tem ventilado em suas análises açodadas sobre o caso, ao trânsito em julgado da sentença condenatória e nem tampouco ao prévio requerimento do condenado, muito menos à oitiva de órgãos instituídos em lei, como é o caso do Conselho Penitenciário.

Por fim, é de fundamental importância atentar para as judiciosas considerações feitas pelo Ministro Alexandre de Moraes, em seu voto acima mencionado, no sentido de que “indulto é uma concessão que a Assembleia Nacional Constituinte estabeleceu ao Presidente” e que “ao Poder Judiciário também se impõe o Império da Constituição Federal.”

 

Imagem Ilustrativa do Post: Lady Justice // Foto de: Dun.can // Sem alterações

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