Competência Material da Justiça do Trabalho nas Ações envolvendo Assédio Moral Horizontal nas Relações de Trabalho

22/10/2015

Por Rodrigo Wasem Galia - 22/10/2015

1. O assédio moral horizontal

Trata-se de Assédio Moral praticado por colega de trabalho; consiste em brincadeiras maldosas, gracejos, piadas, grosserias, gestos obscenos, menosprezos, isolamento etc., podendo resultar dos seguintes fatores: - conflitos interpessoais que provocam dificuldades de convivência por algum motivo pessoal; - competitividade ou rivalidade para alcançar destaque, manter-se no cargo ou disputar cargo, ou para obter promoção. [1] Denomina-se assédio moral horizontal porque ocorre entre colegas de trabalho, que estão no mesmo patamar de subordinação, estão no mesmo nível entre si, não há diferença de hierarquia entre eles.[2]

É horizontal quando a violência psicológica é desencadeada pelos próprios colegas no local de trabalho. Como por exemplo, os colegas de trabalho que passam a boicotar determinado empregado, por motivo de inveja, racismo ou competição.

Sônia Mascaro Nascimento[3], por sua vez, afirma que assédio moral é:

[...] uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica, de forma repetitiva e prolongada, e que expõe o trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensas à personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica, e que tenha por efeito excluir a posição do empregado no emprego ou deteriorar o ambiente de trabalho, durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções.

No que tange à competição entre os colegas empregados, pode ocorrer que o empregador, na intenção de estimular a produtividade, consciente ou inconscientemente, acabe por estimular a competitividade perversa entre colegas de trabalho, ocasionando, por parte dos competidores, práticas individuais que interferem na organização do trabalho, prejudicando o bom relacionamento e coleguismo que devem existir entre os trabalhadores, cooperadores do sistema produtivo, afetando o meio ambiente de trabalho, que deve ser saudável e produtivo.

Como já foi referido anteriormente, o Assédio Moral praticado nessas condições fere os direitos de personalidade e dignidade do empregado assediado, tirando da empresa o espaço de sociabilidade, afeto, solidariedade e companheirismo.

O assediador, como autor material do Assédio, afeta a honra e dignidade da vítima, devendo responder por perdas e danos por sua prática anti-social e ilícita, alem de se sujeitar ao poder de disciplina do empregador que poderá aplicar a sanção mais grave que é a demissão por justa causa (art. 482, “b”, “j” da CLT). Todavia, a demissão por justa causa do assediador não isenta o empregador de responder por perdas e danos morais, ainda que não tenha conhecimento da agressão psicológica contra seu subordinado, pois o Código adotou a teoria da responsabilidade objetiva para responsabilização do empregador, ou seja, independente de culpa.

2. A Competência Material da Justiça do Trabalho no assédio Moral Horizontal

A Emenda Constitucional nº 45, de 2004 alterou significativamente a competência material da Justiça do trabalho, ao passo em que expande sua competência para julgar litígios que envolvam as relações de emprego, bem como outras controvérsias que envolvam a relação de trabalho.

Art. 114 da Constituição Federal de 1988 Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

[...]

VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;

De acordo com Carlos Henrique Bezerra Leite:

A competência em razão da matéria no processo do trabalho é delimitada em virtude da natureza da relação jurídica material deduzida em juízo.[4]

Nesse sentido, a competência será fixada em razão do pedido e da causa de pedir, assim, se o objeto do litígio tiver origem no vínculo empregatício entre as partes, mesmo que, o direito material que tutele aquela demanda não seja de direito material trabalhista, a competência será atribuída à Justiça Trabalhista.

Analisando o artigo 114, VI, da CR/88, vê-se que a Justiça do Trabalho é a competente para conhecer e julgar os litígios que tratam dos danos morais e materiais surgidos na esfera das relações de trabalho.

Por todo o exposto, e forte no artigo 114 da Lei Maior (redações anterior e posterior à EC 45/04), conclui-se que não se pode excluir da competência da Justiça Laboral as ações de reparação de danos morais e patrimoniais decorrentes das relações de trabalho, propostas pelo empregado contra o empregador.

3. Análise Jurisprudencial

Um empregado da Atlântica News Distribuidora de Bebidas Ltda. que sofria humilhações de colegas no ambiente de trabalho em razão de sua aparência e sem oposição ou censura pelas chefias imediatas recebeu indenização por assédio moral horizontal (colega X colega).

Na inicial, o ajudante e auxiliar de depósito da empresa de bebidas afirmou que sofria com as atitudes constrangedoras de um gerente que, na presença de colegas, chamava-o de "vampiro", "thundercat" e "mutante", em razão de sua má formação dentária. A partir daí, os companheiros de trabalho também passaram a tratá-lo por aqueles apelidos e, por vezes, afirmou ter ouvido comentários em tom de deboche quando ia ao banheiro, tais como "você é muito lindo para estar desfilando na empresa". Em defesa, a empresa negou qualquer ocorrência de comportamento impróprio dentro de suas instalações. A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, ao examinar recurso[5], ratificou decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região (Paraíba) quanto à ocorrência da lesão moral. O Regional registrou que, embora não se possa garantir que a empresa estimulava o assédio, ficou claro nos autos que houve omissão e até mesmo tolerância por parte dos seus representantes com as situações humilhantes e constrangedoras a que o reclamante era submetido.

O relator do recurso, ministro Maurício Godinho Delgado, esclareceu que a hipótese é típica de assédio horizontal, ou seja, condutas ilícitas praticadas por colegas contra outro, capazes de afetar a autoestima e o respeito próprio da vítima. Considerou que se as agressões são rotineiras e feitas de forma generalizada, sem reação e punição pelas chefias, "o empregador se torna responsável pela indenização correspondente", considerando que tem o dever do exercício do poder disciplinar na relação de emprego.

Segue a Ementa do Recurso em questão:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. ASSÉDIO MORAL HORIZONTAL. PODER DIRETIVO, FISCALIZATÓRIO E DISCIPLINAR DO EMPREGADOR. RESPONSABILIDADE PELA MANTENÇA DE AMBIENTE HÍGIDO DE TRABALHO. DANO MORAL. MANUTENÇÃO DA DECISÃO DENEGATÓRIA. O assédio moral pode ser vertical ou horizontal, ocorrendo este nas condutas ilícitas praticadas por colegas contra alguém. Ainda que não haja participação direta das chefias empresariais no assédio moral, preservando-se o assédio como tipicamente horizontal (colegas versus colegas), não desaparece a responsabilidade do empregador pela lesão causada, por ser inerente ao poder empregatício dirigir, fiscalizar e punir os participantes da organização empresarial dentro do estabelecimento. Se as agressões morais causadas eram corriqueiras, repetidas e generalizadas no estabelecimento de trabalho, sem censura e punição pelas chefias do empregador, este se torna responsável pela indenização correspondente, em face de caber a ele a atribuição do exercício do poder diretivo, fiscalizatório e disciplinar na relação de emprego. Note-se que configura, sem dúvida, assédio moral a prática individual ou coletiva, por atos, palavras e silêncios significativos, de agressão ao patrimônio moral da pessoa humana, diminuindo desmesuradamente a autoestima e o respeito próprio da vítima escolhida, mormente quando fundada a agressão em característica física desfavorável da pessoa desgastada, de modo a submetê-la a humilhações constantes. Embora ainda não tipificado na legislação federal trabalhista, o assédio moral e seus efeitos indenizatórios derivam diretamente da Constituição da República, que firma como seus princípios cardeais o respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), à vida e à segurança (art. 5º, caput, CF), ao bem estar e à justiça (Preâmbulo da Constituição), estabelecendo ainda como objetivos fundamentais do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, CF), promovendo o bem de todos (art.3º, IV, ab initio, CF) e proibindo quaisquer formas de discriminação (art. 3º, IV, in fine, CF). Desse modo, não há como assegurar o processamento do recurso de revista quando o agravo de instrumento interposto não desconstitui os fundamentos da decisão denegatória, que ora subsiste por seus próprios fundamentos. Agravo de instrumento desprovido.[6]

No mérito, diante das alegações do obreiro de que era constantemente humilhado no ambiente de trabalho, sendo chamado de vampiro, 'thundercat', mutante, em razão de sua má formação dentária, o Tribunal Regional consignou que:

Constata-se um típico caso de assédio moral, em que o empregado é vítima de atitudes constrangedoras por parte de seus colegas de trabalho, com a conivência do empregador. O trabalhador, em face da condição hierárquica e da dependência do vínculo empregatício, que constitui seu meio de sobrevivência, submete-se à situação desfavorável.

No caso em análise, embora não se possa afirmar que a empresa tinha uma postura de estímulo ao assédio, ficou claro que havia omissão e até condescendência, por parte de seus prepostos, com as situações humilhantes e constrangedoras impostas ao reclamante no ambiente de trabalho.

Portanto, estão presentes os elementos para a configuração do dano moral.

A atitude tolerada na empresa não deixa de ser uma ilegalidade, na medida em que a proteção e respeito à dignidade da pessoa humana constitui um dos fundamentos da nossa república (CF, art. 1º, inciso III), sendo assegurado, entre outros direitos fundamentais, 'a vida privada, a honra e a imagem das pessoas', com previsão do direito a uma indenização pelo dano material ou moral (idem, art. 5º, inciso X).

O dano caracteriza-se pelo constrangimento imposto ao reclamante no ambiente de trabalho, em face das chacotas que era obrigado a suportar".[7]

Embora ainda não tipificado na legislação federal trabalhista, o assédio moral e seus efeitos indenizatórios derivam diretamente da Constituição da República, que firma como seus princípios cardeais o respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), à vida e à segurança (art. 5º, caput, CF), ao bem estar e à justiça (Preâmbulo da Constituição), estabelecendo ainda como objetivos fundamentais do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, CF), promovendo o bem de todos (art.3º, IV, ab initio, CF) e proibindo quaisquer formas de discriminação (art. 3º, IV, in fine, CF). Ressalte-se, por cautela, que não se há falar em prova do dano moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a dor, o sofrimento, o constrangimento físico ou moral, o que ocorreu na hipótese.[8]

O assédio no ambiente de trabalho deve ser prevenido e tratado pela empresa como uma ameaça real para a saúde física e mental dos empregados. De todo o exposto conclui-se que o assédio moral configura problema importante, em primeiro lugar para a própria empresa, que é instada a identifica-lo e a apresentar os meios e os remédios para preveni-lo e evitá-lo.


Notas e Referências:

[1] MENEZES, Cláudio Armando Couce. Assédio Moral e seus efeitos jurídicos. Síntese Trabalhista nº 169. São Paulo: Síntese, 2003. p. 140.

[2] RAMOS, Luis Leandro Gomes; GALIA, Rodrigo Wasem. Assédio Moral no Trabalho: O abuso do poder diretivo do empregador e a responsabilidade civil pelos danos causados ao empregado, atuação do Ministério Público do Trabalho. 2. ed. revista e ampliada. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013. p. 46.

[3] NASCIMENTO, Sônia Mascaro. Assédio Moral. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 21.

[4] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 10ª Edição. São Paulo: LTr, 2012. p. 185.

[5] TST - AIRR - 29000-59-2011-5-13-0006 (3ª Turma) – Rel. Ministro Mauricio Godinho Delgado – 25.05.2012.

[6] TST - AIRR - 29000-59-2011-5-13-0006 (3ª Turma) – Rel. Ministro Mauricio Godinho Delgado – 25.05.2012.

[7] TST - AIRR - 29000-59-2011-5-13-0006 (3ª Turma) – Rel. Ministro Mauricio Godinho Delgado – 25.05.2012.

[8] TST - AIRR - 29000-59-2011-5-13-0006 (3ª Turma) – Rel. Ministro Mauricio Godinho Delgado – 25.05.2012.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 10ª Edição. São Paulo: LTr, 2012.

MENEZES, Cláudio Armando Couce. Assédio Moral e seus efeitos jurídicos. Síntese Trabalhista nº 169. São Paulo: Síntese, 2003.

NASCIMENTO, Sônia Mascaro. Assédio Moral. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

RAMOS, Luis Leandro Gomes; GALIA, Rodrigo Wasem. Assédio Moral no Trabalho: O abuso do poder diretivo do empregador e a responsabilidade civil pelos danos causados ao empregado, atuação do Ministério Público do Trabalho. 2. ed. revista e ampliada. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013.


Rogrigo Galia .

Rodrigo Wasem Galia é Doutorando e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Professor da graduação e Pós-graduação em Direito. Autor de diversas obras jurídicas na temática de Direito do Trabalho e Constitucional do Trabalho. Palestrante. Advogado.

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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