Como as democracias (sobre)vivem (parte 3): Nas democracias, quem tem a última palavra?

04/11/2023

Parte 2

Dando sequência à série de quatro pequenos textos sobre “democracia” no Empório do Direito – veja os dois primeiros aqui e aqui, – trataremos, hoje, sobre a polêmica em torno da Proposta de Emenda Constitucional nº 50/2023, que permite ao Congresso Nacional derrubar decisões do Supremo Tribunal Federal que “extrapolem os limites constitucionais”. A PEC, que parece encarnar o mais bem acabado exemplo de ranço delegativo das democracias latino-americanas, como diria o bom e velho Guilhermo O’Donell, contudo, não inova. Há, no globo, democracias constitucionais em que o Judiciário não tem a última palavra sobre a validade das leis.

O Reino Unido e o Canadá, por exemplo, são nações em que o parlamento atua com maior protagonismo no sistema de freios e contrapesos na separação dos Poderes. E, até onde se sabe, nesses lugares, a volonté générale, estampada na representação política, não tem ferido de morte os direitos e as garantias fundamentais. 

Em linhas gerais, intuímos que a apreensão com a PEC nº 50 espelhe muito daquilo que Harold Demsetz convencionou chamar de “falácia do nirvana”. Ou seja, comparamos um modelo, operando na sua cotidianidade, com um paradigma no seu mais alto grau de idealização. E, convenhamos: no encaixe dessas discussões, talvez seja justamente disso que se trata. Basta ver, afinal, o amplo catálogo de estudos produzidos na academia jurídica sobre ativismo judicial, sobreposições de um Poder sobre o outro e outras tantas “deformações” democráticas.

Então, esta(ria) tudo bem com a Proposta de Emenda Constitucional que permitiria ao Congresso Nacional barrar decisões do Supremo que “extrapolassem os limites constitucionais”? Nossa resposta é, ainda, negativa. E as razões vêm sustentadas, basicamente, em duas premissas. A primeira diz respeito a uma espécie de déficit de republicanismo no sistema de representação de nossa democracia. Queremos dizer, diante do abismo entre agendas representativas e agendas de interesse partidário, qual argumento “preencheria” essa lacuna na discussão sobre a constitucionalidade das leis?

A segunda, entrelaçada e “comprometida” com a primeira, dialoga com as razões – aí, sim, preocupantes – da proposta. A PEC – intuímos – é uma “PEC de seu tempo”. Reivindica a última palavra em sede de constitucionalidade das leis em um ambiente político-jurídico altamente polarizado, em boa medida, também sustentado pelos (caros) pareceres do lobby velado por uma espécie de deep state.

Muito por isso, por essas e outras, pelas condições de temperatura e pressão da democracia brasileira, talvez ainda seja melhor deixar ao STF o direito de “errar por último” quando o assunto for a constitucionalidade das leis.

 

Imagem Ilustrativa do Post: violet bloom // Foto de: Mike W. // Sem alterações

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