Com a palavra, a defesa! Tréplica sem réplica no Plenário do Tribunal do Júri sob o enfoque do NCPC

15/02/2016

Por Elias Guilherme Trevisol - 15/02/2016

Farofa pouca, meu pirão primeiro! Essa é, ao fim e ao cabo, a explicação (i)lógica para que haja a manutenção do poder de escolha do Ministério Público se no plenário do Tribunal do Júri vai ou não à tréplica.

Urge salientar de início, que a Lei nº 10.689/08 aprovou diversas mudanças no procedimento do Tribunal do Júri, sem, todavia, alcançar um ponto crucial e aquiliano do referido rito, qual seja, o direito de escolha em relação à divisão e escolha dos debates entre as partes.

Atualmente, os debates no plenário do Tribunal do Júri se inicia pela acusação, sendo rebatido pela defesa. Caso o representante do Ministério Público, órgão acusador, ache por bem não manifestar-se por réplica, não haverá a tréplica pela defesa.

É dizer, o órgão acusador escolhe, estratégica e taticamente, se a fase dos debates se encerra ou não e é nesse ponto que a norma não condiz com o Princípio Constitucional do Contraditório e da paridade de armas.

Nesta toada, no intuito de sanar tal equívoco, no ano de 2009, a deputada Dalva Figueiredo (PT-AP) apresentou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 5.295/09, a qual visa modificar o § 4º, do artigo 476, do Código de Processo Penal (CPP), garantindo à defesa a oportunidade de ofertar tréplica em Plenário, mesmo que o órgão acusador não tenha lançado mão da réplica, mormente, em razão do Princípio do Contraditório, agora positivado na novel lei processual civil a entrar em vigor.

O Projeto de Lei supracitado visa modificar o artigo 476, do CPP, para retificar o § 4º, aduzindo o seguinte: “a acusação poderá replicar e a defesa, independentemente da utilização ou não do tempo pela acusação para réplica, treplicar, sendo admitida a reinquirição de testemunha já ouvida em plenário”.

Apesar de aprovada por 35 votos a 01, na Comissão de Constituição e Justiça, a proposta de Lei supracitada se faz morosa em sua tramitação, graças ao trabalho resistente do deputado Vieira da Cunha (PDT-RS), que de forma veemente, ataca a referida modificação legal[1].

O cerne reflexivo do referido Projeto é a legalização ou não (caso não seja aprovado pelo Senado Federal), da possibilidade de escolha da defesa se realiza a tréplica ou não, independentemente da réplica do Ministério Público.

Ora, certamente tal retificação legislativa irá trazer benefícios ao acusado, especialmente, por desencabeçar o poder decisório do órgão acusador no momento dos debates, podendo o mesmo, a partir da análise do debate ofertado pela defesa, oferecer ou não a réplica, ou seja, o Ministério Público, atualmente, possui a diretriz tática do jogo processual[2], violando assim, o Princípio da paridade de armas e inclusive, o contraditório substancial[3], pois fragiliza, obviamente, a defesa.

A aplicação do contraditório substancial a partir do vigor do novo Código de Processo Civil (NCPC)[4] poderá acabar com a celeuma que se desenvolve em torno da possibilidade de réplica da defesa independentemente da tréplica do Ministério Público.

É nesse sentido, portanto, que no momento em que o Juiz questiona o representante do Parquet se este levará a cabo a réplica, dever-se-á em respeito ao artigo 10º, do NCPC, perguntar ao defesor se este deseja finalizar os debates, com a respectiva tréplica, mesmo que não haja a referida réplica, sob pena de nulidade.

Diz-se isso, pois conforme já estruturado, em respeito ao contraditório substancial, a defesa deve "falar por último" e decidir estrategicamente se finaliza com a réplica ou não - daí a relevância da aplicação do contraditório substancial -, concretizando a simetria de posições subjetivas e a dialéticas pretendida pelo novo ordenamento jurídico que se desenvolve atualmente no país[5].

Evidente que a atual detenção do poder decisório nas mãos do Ministério Público causa desequilíbrio processual, devendo haver o delineamento da igualdade material, a fim de reequilibrar as forças em jogo[6].

Neste passo, é a paridade de armas que equilibrará, de forma extensiva e reflexa (art. 3º, do CPP) o processo penal, estará baseada, portanto, num senso de legalidade positivado pelo artigo 10º, do NCPC, pois fará do contraditório substancial o fim em que a paridade de armas é o começo. Feito isso, haverá harmonia entre os Princípios constitucionais e se dará efetividade ao processo penal substancial objetivado tanto na estratégia, quanto na tática do jogador[7].

O que se rebate no atual artigo 476, do CPP, é o prévio conhecimento da tática da defesa pelo Ministério Público, que detentor de tal expediente, possui vantagem quanto à formatação do resultado processual[8] sobre a defesa, ou seja, exemplificando, caso a defesa não esteja forte o bastante para fulminar a acusação, pode simplesmente o Ministério Público abrir mão da réplica, deixando patente, ao menos subjetivamente, que a defesa não foi tão equâneme quanto à acusação a ponto de essa última necessitar continuar os debates.

Em se tratando de juízes populares, sem se ter necessariamente o literário conhecimento do Direito, como se constitui plenário do Tribunal do Júri, o descompasso da acusação para com a defesa in casu é notória e inconteste.

Como forma de dirimir a problemática enfrentada pelo artigo 476, § 4º, do CPP, frente à paridade de armas, o Princípio do Contraditório ou mesmo o da Plenitude de defesa, apresenta o artigo 10º, do NCPC, uma forma pragmática de concretizarmos o procedimento do Tribunal do Júri como que inserido no processo penal constitucional, adaptando, legitimamente, a norma infraconstitucional à Lei Maior vigente em nosso país.

O equilíbrio processual e simetria das partes enquanto sujeitos do processo penal será restabelecido com a possibilidade de réplica da defesa no plenário do Tribunal do Júri, independente do oferecimento da tréplica pela acusação, pois o contraditório substancial deve ser lido como uma garantia de influência das partes no desenvolvimento e no resultado do processo[9].

Consideramos primordial, dar ao processo penal um encaixe constitucional, seguindo a mesma linha do processo civil, sendo ao nosso olhar, o contraditório substancial do NCPC um grande avanço legislativo, cujos reflexos devem ser integralmente aproveitados no processo penal vigente em nosso país.

A possibilidade de equilíbrio entre as partes, assim como a substancial aplicação do contraditório no procedimento do Tribunal do Júri, garantirá não somente a concreta plenitude de defesa ao acusado, mas assegurará a dialética pretendida pela nova lei processual civil, Lei nº 13.105 de 2015, superando a bilateralidade da audiência, para galgarmos efetiva possibilidade de informação, reação e influência no julgamento final, implementando a baliza discursiva necessária para o debate participativo e democrático inerente às novas tendências processuais legislativas brasileiras.


Notas e Referências:

[1] Conforme o site da Câmara dos Deputados, em 05.08.2013, houve interposição de recurso pelo Deputado Vieira da Cunha: Apresentação do Recurso contra apreciação conclusiva de comissão (art. 58, § 1.º c/c art. 132, § 2.º, do RICD) 221/2013, pelo Deputado Vieira da Cunha (PDT-RS), que: “Recurso contra apreciação conclusiva das Comissões do Projeto de Lei 5.295, de 2009, que altera a redação do § 4.º, do art. 476 do Código de Processo Penal, a fim de possibilitar que, durante os debates no Tribunal do Júri, a defesa possa fazer uso da Tréplica, independentemente da utilização ou não do tempo destinado à Réplica, pela acusação” (Disponível em: http://www.camara.gov.br/internet/ordemdodia/integras/1101988.htm. Acesso em: 04 de fevereiro de 2016).

[2] ROSA, Alexandre Morais da; KHALED JR, Salah. Neopenalismos e constrangimentos democráticos. 1ª Ed. Florianópolis: Editora Empório do Direito, 2015. p. 49.

[3] Considere o contraditório substancial como a possibilidade da parte de contraditar e influir no julgamento, mesmo que de ofício, faremos remissão ao artigo 10, da Lei nº 13.105/15 (Novo Código de Processo Civil) para melhor compreensão, a saber: " Art. 10.  O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício."

[4] Poderá haver interpretação extensiva e analógica do processo civil para com o processo penal, conforme dispõe o artigo 3º do CPP.

[5] BAHIA, Alexandre Melo Franco; NUNES, Dierle; PEDRON, Flávio Quinaud; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Novo CPC - Fundamentos e sistematização. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 92.

[6] VIEIRA, Renato Stanziola. Paridade de Armas no Processo Penal. 2º Volume. 1ª Ed. Brasília, DF: Gazeta Jurídica, 2014. p. 21.

[7] ROSA, Alexandre Morais da. A teoria dos Jogos aplicada ao Processo Penal. 2ª Ed. Florianópolis: Editora Empório do Direito, 2015. p. 47.

[8] Ibidem. p. 49.

[9] BAHIA; NUNES; PEDRON; THEODORO JÚNIOR, idem. p. 97.


Elias Guilherme Trevisol. . Elias Guilherme Trevisol é Doutorando em Direito e Ciências Sociais pela Universidade de Córdoba, Argentina. Advogado Criminalista. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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