COLABORAÇÃO PREMIADA: ENTENDIMENTOS RECENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

08/12/2022

A colaboração premiada já vinha tratada no art. 6º da revogada Lei n. 9.034/95 (primeira lei a tratar especificamente de crime organizado no Brasil), com o nome de “delação premiada”, tendo contornos bem parecidos àqueles fixados ao instituto pela Lei n. 12.850/13.

O vocábulo “delação”, no sentido literal, é empregado para indicar a denúncia ou acusação que é feita por uma das próprias pessoas que participaram da conspiração, revelando uma traição aos próprios companheiros. É preciso que o colaborador tenha participado do delito. Logo, se alguém que não participou do delito indicar seus autores, não será delator, mas testemunha.

Em verdade, a colaboração premiada consiste na diminuição de pena ou no perdão judicial do coautor ou partícipe do delito, que, com sua confissão espontânea, contribua para que a autoridade identifique os demais coautores ou partícipes do crime, localize a vítima com sua integridade física preservada ou que concorra para a recuperação, total ou parcial, do produto do crime.

Cumpre ressaltar que o instituto em tela é antigo, já inserido no direito pátrio pelas Ordenações Filipinas, tendo como marco a delação de Joaquim Silvério dos Reis, o qual, não obstante tenha participado da inconfidência mineira, traiu Tiradentes e seus companheiros em troca de perdão.

Com efeito, o acusado deve confessar espontaneamente sua participação no crime, não sendo válido, para a aplicação do instituto, o mero depoimento ou declaração em que venha, eximindo-se da culpa, a incriminar os demais increpados na persecução criminal.

A colaboração, embora realizada em sede de confissão, com relação a terceiros terá efeito de testemunho, razão pela qual haverá contraditório, exercido por meio de reperguntas no interrogatório do delator. Outrossim, como qualquer outra prova, essa colaboração está sujeita ao princípio da livre apreciação da prova.

A Lei n. 9.807/99, que trata da proteção a testemunhas, por ser mais recente que a anterior Lei do Crime Organizado (Lei n. 9.034/95), ampliou a aplicação do instituto para todos os crimes praticados por bando ou quadrilha (atual associação criminosa), podendo ocorrer, em razão da derrogação causada pela “novatio legis”, o perdão judicial. Em todos os casos, de acordo com a citada lei, a diminuição da pena do colaborador será de 1/3 a 2/3, de acordo com a medida da colaboração, sendo certo que, para obter o perdão judicial, o colaborador deverá ser primário, levando-se em conta, ainda, a personalidade do agente, a natureza, a repercussão social e a gravidade da conduta. Não fazendo jus ao perdão judicial, ainda restará ao colaborador a diminuição de pena.

Atualmente, o instituto da colaboração premiada vem previsto no art. 3º, I, da Lei n. 12.850/13, e explicitado nos arts. 3º-A a 7º do mesmo diploma.

Nos termos da citada lei, o acordo de colaboração premiada é negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova, que pressupõe utilidade e interesse públicos

Assim, após os trâmites da proposta e da formalização do acordo de colaboração premiada, o negócio jurídico processual deverá ser devidamente homologado pelo juiz. O juiz, de posse do respectivo termo de acordo, das declarações do colaborador e de cópia da investigação, deve ouvir sigilosamente o colaborador, acompanhado de seu defensor, oportunidade em que analisará, na homologação, os aspectos previstos nos incisos I a IV do § 7º do art. 4º.

O juiz poderá recusar a homologação da proposta que não atender aos requisitos legais, devolvendo-a às partes para as adequações necessárias.

Entretanto, segundo o Superior Tribunal de Justiça, o juiz não pode emitir juízo de valor ao rejeitar o acordo de colaboração premiada. A Quinta Turma, ao julgar o HC 354.800, entendeu que, quando da remessa do acordo de colaboração premiada ao Poder Judiciário para homologação ou rejeição, o juiz deve se limitar à análise de legalidade, voluntariedade e regularidade do negócio jurídico processual personalíssimo, não lhe sendo permitido realizar juízo de valor – de conveniência e oportunidade – sobre as declarações ou os elementos informativos constantes do acordo.

Depois de homologado o acordo, o colaborador poderá, sempre acompanhado pelo seu defensor, ser ouvido pelo membro do Ministério Público ou pelo delegado de polícia responsável pelas investigações.

Interessante notar que as partes podem se retratar da proposta, caso em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor.

Nos termos do art. 4º, “caput”, da Lei n. 12.850/13, o juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal.

Ao proferir decisão no processo em que ocorreu a colaboração, o órgão julgador tem plena discricionariedade na redução da pena do colaborador. Em 2019, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento a um recurso que buscava a aplicação da fração máxima da causa de diminuição de pena, interposto por condenado beneficiado pelo acordo de colaboração premiada. O relator do REsp 1.728.847, ministro Sebastião Reis Júnior, apontou que a fração fixada na sentença, apesar de mínima, estava dentro do limite legal, segundo o artigo 14 da Lei 9.807/99.

Vale ressaltar, ainda, que, em todas as fases do processo, deve-se garantir ao réu delatado a oportunidade de se manifestar após o decurso do prazo concedido ao réu que o delatou. Esse entendimento, embora não esteja previsto na lei, que não faz qualquer distinção entre réu colaborador e réu delatado, foi fixado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC 166.373/PR, sob a relatoria do ministro Edson Fachin, em que, por maioria de votos, se entendeu que “a prerrogativa do réu delatado de produzir suas alegações finais após a apresentação de memoriais ou de alegações finais do litisconsorte penal passivo que, mediante colaboração premiada o incriminou, traduz solução hermenêutica mais compatível com os postulados que informam o estatuto constitucional do direito de defesa.”

No mesmo sentido, ao julgar o agravo regimental no RHC 119.520, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, aplicou o entendimento de que, na colaboração premiada, o réu delatado tem o direito de apresentar suas alegações finais só depois do corréu delator, quando as alegações deste tiverem carga acusatória. Em decisão monocrática, posteriormente confirmada pelo colegiado, o relator anulou todos os atos de uma ação penal praticados após as alegações finais, que tiveram prazo simultâneo tanto para os réus colaboradores quanto para os demais.

Por fim, para que o instituto possa ser efetivamente aplicado, da colaboração deve advir um ou mais dos seguintes resultados:

a) a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

b) a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

c) a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

d) a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

e) a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

 

 

 

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