CITAÇÃO VIA “WHATSAPP” NO PROCESSO PENAL

18/03/2021

Recente decisão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do “Habeas Corpus” 641877/DF, reacendeu a discussão acerca da validade da citação via “whatsapp” no processo penal.

É inegável que as inovações tecnológicas, principalmente na área da informática e dos meios de comunicação, vem causando uma verdadeira revolução na forma como as pessoas se relacionam, repercutindo, inevitavelmente, no âmbito processual, como decorrência lógica da evolução das normas jurídicas que visam, em última análise, regular as relações e os conflitos interpessoais.

As comunicações processuais por meio de aplicativos de mensagens já é uma realidade no processo civil e no processo trabalhista, trazendo desafios, entretanto, ao processo penal, principalmente quando cotejadas com os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

Como é cediço, a citação, no processo penal, é o ato pelo qual o acusado é cientificado da existência do processo crime e é chamado a se defender das acusações que lhe são lançadas, sendo certo que o processo somente terá completada a sua formação quando realizada a citação do acusado.

Nesse sentido, a citação pode ser real, quando feita pessoalmente ao acusado, ou ficta, quando se presume tenha o acusado ciência da imputação que sobre ele pesa no processo crime.

A regra, no processo penal, é a citação real por mandado (art. 351 do CPP), ocorrendo quando o réu estiver no território sujeito à jurisdição do juiz que a houver ordenado. É feita por oficial de justiça. Os requisitos do mandado de citação estão dispostos no art. 352 do Código de Processo Penal. Os requisitos da citação por mandado, por seu turno, encontram-se no art. 357 do mesmo diploma.

Há também, como modalidades de citação real previstas em lei, a citação por precatória (art. 353 do CPP), que ocorre quando o réu estiver fora do território da jurisdição do juiz processante. A disciplina da citação por precatória encontra-se nos arts. 354 a 356 do Código de Processo Penal.

A citação do militar far-se-á por intermédio do chefe do respectivo serviço – art. 358 do Código de Processo Penal. Nesse caso, ao invés de mandado de citação, o juiz expede ofício com as mesmas indicações do art. 352 do Código de Processo Penal.

A citação do réu preso será feita por mandado, pessoalmente – art. 360 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 10.792/03.

A citação do funcionário público também será feita por mandado. Entretanto, o dia designado para funcionário público comparecer em juízo, como acusado, será notificado assim a ele como ao chefe de sua repartição - art. 359 do Código de Processo Penal.

Estando o réu no estrangeiro, em lugar sabido, será citado por carta rogatória – art. 368 do Código de Processo Penal – suspendendo-se o curso do prazo de prescrição até o seu cumprimento. Por carta rogatória também serão feitas as citações em legações estrangeiras – art. 369 do Código de Processo Penal.

No julgamento do “Habeas Corpus” 641877, ocorrido em 09.03.2021, sob a relatoria do Ministro Ribeiro Dantas, o Superior Tribunal de Justiça houve por bem anular a citação via “whatsapp”, em razão da inexistência, no processo, de nenhum comprovante quanto à autenticidade da identidade do citando, ressaltando, porém, a possibilidade de o comparecimento do acusado suprir o vício, bem como a possibilidade de se usar a referida tecnologia, desde que, com a adoção de medidas suficientes para atestar a identidade do indivíduo com quem se travou a conversa.

No caso sob análise da Corte, o ilustre relator, mesmo reconhecendo a peculiaridade do momento atual, em face das restrições de locomoção impostas pela pandemia da Covid-19, deixou claro que “a citação do acusado revela-se um dos atos mais importantes do processo. É por meio dela que o indivíduo toma conhecimento dos fatos que o Estado, por meio do jus puniendi lhe direciona e, assim, passa a poder demonstrar os seus contra-argumentos à versão acusatória estatal. Aperfeiçoa-se, assim, a relação jurídico-processual penal ensejadora do contraditório e da ampla defesa, por meio do devido processo legal (art. 5º, LIV e LV, da CF).”

Alertou, ainda, o Relator que “no Processo Penal, diversamente do que ocorre na seara Processual Civil, não se pode prescindir do processo para se concretizar o direito substantivo. É o processo que legitima a pena.” Ressaltou que, “em um primeiro momento, vários óbices impediriam a citação via Whatsapp, seja de ordem formal, haja vista a competência privativa da União para legislar sobre processo (art. 22, I, da CF), ou de ordem material, em razão da ausência de previsão legal e possível malferimento de princípios caros como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.”

Entretanto, entendeu a Corte que nada impediria a utilização do citado aplicativo de mensagens para  fins de citação na esfera penal, com base no princípio “pas de nullité sans grief”, desde que fossem adotados todos os cuidados possíveis para se comprovar a autenticidade não apenas do número telefônico com que o oficial de Justiça realiza a conversa, mas também a identidade do destinatário das mensagens.

O mais importante, outrossim, é que, ao enfrentar essa tormentosa questão, o Superior Tribunal de Justiça traçou basicamente um regramento composto por três elementos indutivos da autenticidade do destinatário para a validade da citação por “whatsapp” no processo penal: número de telefone, confirmação escrita da identidade pelo citando (p.ex. um termo de ciência do ato citatório assinado de próprio punho) e foto individual (p.ex. cópia do documento de identidade do citando ou a própria foto estampada no aplicativo).

Isso sem prejuízo do direito do citando de, posteriormente, comprovar eventual nulidade por qualquer meio que permita concluir de forma assertiva que não houve citação válida.

Percebe-se, enfim, que o tema, apesar do enfrentamento pelo Superior Tribunal de Justiça e da fixação de algumas balizas concretas, está longe de ser pacífico e de trazer a necessária certeza ao processo penal, preservando o direito de ampla defesa e do contraditório ao citando e, ao mesmo tempo, dando à acusação e ao julgador a convicção de que o processo não será anulado, a posteriori, por vício de citação, com inegável prejuízo à persecução penal.

Mais adequado seria que o tema fosse enfrentado por meio de regramento legislativo (art. 22, I, CF), com a atualização das regras de citação constantes do Código de Processo Penal, ou, pelo menos, enquanto não há lei sobre o assunto, por meio de regulamentação pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, com a expedição de ato normativo que pudesse trazer um mínimo de segurança jurídica ao processo penal.

 

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