CARNAVAL, IMPORTUNAÇÃO SEXUAL E ASSÉDIO SEXUAL

27/02/2020

Principalmente durante a cobertura das festividades de Carnaval, inúmeros meios de comunicação de massa veicularam campanhas visando conscientizar a população em geral, principalmente as mulheres, acerca da nocividade da importunação sexual nos bailes, desfiles e blocos de rua.

Em inúmeras campanhas publicitárias, entretanto, se estabeleceu confusão entre os crimes de importunação sexual e de assédio sexual, não raras vezes sendo tratados como figuras idênticas.

O crime de importunação sexual é figura mais recente no nosso ordenamento jurídico, tendo sido introduzido no Código Penal pela Lei nº 13.718, de 24 de setembro de 2018.

Importante ressaltar que, ao criar um novo tipo penal chamado de importunação sexual, a citada lei revogou expressamente o art. 61 do Decreto-Lei nº 3.688/41 (Lei das Contravenções Penais), que cuidava da contravenção penal de importunação pública ao pudor.

O crime de importunação sexual vem previsto no art. 215-A do Código Penal, tendo como objetividade jurídica a tutela da liberdade sexual da vítima.

Pune-se a conduta do agente que “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro.”

Esse tipo penal guarda similitude com a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, prevista no art. 61 do Dec. lei nº 3.688/41, que foi expressamente revogada, como já dissemos, pelo art. 3º, II, da Lei nº 13.718/18. Entretanto, vale ressaltar, como já explicamos em artigo anterior, nesta coluna, que não ocorreu “abolitio criminis” em relação à sobredita contravenção penal, uma vez que seu conteúdo migrou para outro tipo penal (atual art. 215-A), permitindo a continuidade da punição da importunação sexual de maneira mais severa. Aplica-se, no caso, o princípio da continuidade normativo-típica, em que uma conduta prevista em uma norma penal revogada continua sendo incriminada pela norma ou pelo diploma revogador. Nesse caso, há o deslocamento do conteúdo infracional para outro tipo penal. Portanto, em hipótese alguma houve a “abolitio criminis” da conduta consistente em importunar sexualmente alguém.

Sujeito ativo do crime de importunação sexual pode ser qualquer pessoa. Trata-se de crime comum, eis que o tipo não reclama uma qualidade especial do sujeito ativo. Sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher, independentemente da orientação ou opção sexual.

Deve o agente praticar contra a vítima “ato libidinoso”, que é todo ato tendente à satisfação da lascívia e concupiscência, excetuando-se, nesse tipo penal, por obvio, a conjunção carnal. Havendo conjunção carnal com a vítima, estará tipificado outro delito.

Além disso, para a configuração do crime, a lei exige que o ato libidinoso deva ser praticado “sem a anuência” da vítima, contra a vontade dela, ou seja, sem o seu consentimento, expresso ou tácito. Caso haja o consentimento, expresso ou tácito, da vítima, não haverá importunação sexual.

Para a configuração do crime de importunação sexual, deve o agente, portanto, ter a finalidade específica de satisfazer a lascívia própria ou a de terceiro. Lascívia é luxúria, sensualidade, libidinagem. A finalidade, nesse caso, deve ser a satisfação do prazer sexual próprio ou de outrem.

Ademais, o crime é subsidiário, ou seja, somente estará configurado se o ato não constituir crime mais grave. Cuida-se de subsidiariedade que vem expressa no preceito secundário da norma. A pena cominada é de reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos, “se o ato não constitui crime mais grave”.

Já no que se refere ao crime de assédio sexual, vem tipificado no art. 216-A do Código Penal, tendo sido introduzido pela Lei n. 10.224/2001.

A objetividade jurídica desse crime também é a tutela da liberdade sexual da pessoa, protegendo a norma, secundariamente, a honra, a liberdade e a autodeterminação no trabalho.

Sujeito ativo pode ser homem ou mulher, de qualquer orientação sexual, desde que tenha a condição de superior hierárquico ou ascendência sobre a vítima. Sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher, desde que reúna a qualidade de inferior hierárquico, subordinado ou sujeito a ascendência do agente. Trata-se, portanto, de crime bipróprio, que exige uma qualidade pessoal do sujeito ativo e do sujeito passivo.

No caso, a superioridade hierárquica ou ascendência do sujeito ativo sobre o sujeito passivo, nas relações laborais de direito público ou privado, é imprescindível para a caracterização do crime de assédio sexual. Aí reside uma das características mais marcantes do crime, que o diferencia da importunação sexual.

A conduta típica vem expressa pelo verbo constranger, que significa coagir, compelir, forçar, obrigar, impor. Fundamental, como já ressaltado, para a caracterização do crime de assédio sexual é a relação de superioridade hierárquica ou ascendência, entre o agente e a vítima, inerentes ao exercício de emprego (relações privadas), cargo ou função (relações públicas).

Portanto, só existe o crime de assédio sexual nas relações laborais.

Trata-se de crime doloso que requer também um elemento subjetivo especial, consistente no intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, que pode ser para o próprio agente ou para terceiro.

Consuma-se o crime de assédio sexual com a prática do constrangimento, visando a obtenção de vantagem ou favorecimento de natureza sexual. É crime formal.

Se, além do constrangimento, houver contato físico entre agente e vítima, ou se for empregada violência ou grave ameaça para a obtenção da vantagem ou favorecimento sexual, poderá ser tipificado outro delito.

Por fim, a ação penal, tanto no crime de importunação sexual quanto no crime de assédio sexual, é pública incondicionada, seguindo a regra dos crimes contra a liberdade sexual.

São essas, em suma, as diferenças entre as duas figuras penais.

 

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