Por Marta de Oliveira Torres - 31/01/2016
Deus me livre! Já pensou? A começar porque sibite não consegue cantar. Quem canta é o canário, não o cantor Pardo eternizado por Ariano Suassuna no Auto da Compadecida, que escreveu versos a sua Mãe Suprema. Nem o pássaro que, tal como sibite, canta e encanta os ouvidos de todas as espécies. Ídolos de pessoas acostumadas com o trá trá trá de armas de fogo, agora cantarolada nas ruas da cidade, estarão na grande mídia como destaques do carnaval, a liderar massas, a receber pomposos patrocínios políticos. Brincar com a violência a faz algo natural ou é o contrário?
Se essa fantasia fosse eterna, sibite não teria mais casa para cantar: arrancadas – ou para dar espaço a trios e camarotes, ou doentes – as mais antigas e tradicionais árvores não presenciariam o tapete de concreto que a cidade se transformou para receber turistas durante um único evento. Se essa fantasia fosse eterna, nem sibite nem demais artistas da cidade – os preocupados não em vender um produto, mas em eternizar e engrandecer uma arte – iriam ficar sem verbas para desenvolver seus projetos. A prioridade seria somente concentrar em um que seja simpático para vender preferencialmente um político. Como Mauro Duarte compôs e Clara Nunes eternizou: “por isso não adianta estar no mais alto degrau da fama com a moral toda enfiada na lama”.
Se essa fantasia fosse eterna, instituições públicas estariam a flexibilizar interpretações sobre moralidade e legalidade, para trocar favores com políticos donos de leis e orçamentos públicos, tais como camarotes em festas, auxílio moradia, 15º salário, direitos: tá na lei, pode. “Enquanto isso, o Pequeno Nero toca na sua lira... Ou será na sua guitarra elétrica? O novo sucesso desta festa momesca: ‘Panis et Circenses’...”, como observava mestre Harildo Déda. E não adiantaria tentar mudar, porque o sistema eleitoral tá viciado da urna à composição dos partidos políticos, passando por todas as prerrogativas e regalias previstas na Constituição Federal.
“Eu faço figa pra essa vida tão sofrida terminar bem sucedida. Luz do sol é minha amiga, luz da lua me instiga. Me diga você, me diga o que é que sara sua ferida, me diga, você, me diga“, agita Baiana System. Opa, peraê: se for “nessa temperatura, menina, quem aguenta esse sufoco?! Me diga, morena, o que vamos fazer? Amar, sentir prazer!”. Nesse caso, Alceu Valença e moreno, se for assim, “quem sabe um dia a paz vence a guerra, e viver será só festejar”?
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Marta de Oliveira Torres é Defensora Pública do Estado da Bahia, atriz no Teatro Fórum Rui Barbosa, carnavalesca, fotógrafa, poetiza, mestra em Relações Sociais e Novos Direitos pela UFBA. .
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