O crime de estupro vem previsto no art. 213 do Código Penal, representando uma das mais hediondas formas de violência sexual contra a pessoa, acarretando invariavelmente sequelas de ordem física e, principalmente, psicológicas, muito difíceis de ser extirpadas da mente da vítima, demandando, em razão disso, severa repressão criminal contra o violador.
Alinhando-se à maioria dos países civilizados do mundo, o Brasil conta, agora, com um Cadastro Nacional de Pessoas Condenadas por Crime de Estupro, criado pela Lei n. 14.069, de 1º de outubro de 2020.
O estupro é delito que tem como objetividade jurídica a proteção da liberdade sexual da vítima, no particular aspecto do direito de escolher quando, como e com quem manter relações sexuais e outros atos libidinosos.
Vale ressaltar que a Lei n. 12.846/13, que dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual, previu, em seu art. 1.º, que os hospitais devem oferecer às vítimas de violência sexual atendimento emergencial, integral e multidisciplinar, visando ao controle e ao tratamento dos agravos físicos e psíquicos decorrentes de violência sexual, e encaminhamento, se for o caso, aos serviços de assistência social.
Trata-se de crime hediondo (Lei n. 8.072/90) que tem como sujeito ativo qualquer pessoa, de acordo com a redação dada ao art. 213 pela Lei n. 12.015/09. Não se trata mais, portanto, de crime próprio, já que tanto o homem quanto a mulher podem ser sujeito ativo. O sujeito passivo, por seu turno, também pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher, independentemente de qualquer outra qualidade pessoal.
A conduta típica vem representada pelo verbo “constranger”, que significa forçar, obrigar, utilizando-se de violência ou grave ameaça, devendo ficar patente o dissenso da vítima. O agente pode constranger a vítima a ter conjunção carnal, a praticar (executar, realizar) ou a permitir (consentir, autorizar) que com ela se pratique outro ato libidinoso. Portanto, para a configuração do estupro, há a necessidade de um dissenso sincero e positivo da vítima, ou seja, uma reação efetiva à vontade do agente de com ela ter conjunção carnal ou de praticar ou permitir que com ela se pratique outro ato libidinoso.
A violação sexual pode ocorrer por meio de conjunção carnal ou de qualquer outro ato libidinoso.
Ademais, o nosso ordenamento jurídico também prevê as modalidades de estupro de vulnerável (previsto no art. 217-A, CP), de estupro coletivo (previsto no art. 226, IV, “a”, CP) e de estupro corretivo (art. 226, IV, “b”, CP), este último praticado para controlar o comportamento social ou sexual da vítima.
Com relação ao estupro de vulnerável, o sujeito passivo é a pessoa “vulnerável”, assim considerada, para esse crime, como a menor de 14 anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
Merece destacar que, no estupro de vulnerável, não há necessidade de constrangimento mediante violência ou grave ameaça, ou mesmo do emprego de fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação da vontade da vítima. Basta, para a configuração do crime, que o agente tenha conjunção carnal com vulnerável ou com ele pratique outro ato libidinoso. Inclusive, o crime resta configurado ainda que tenha havido consentimento da vítima vulnerável ou ainda que tenha ela experiência sexual ou que já tenha mantido relações sexuais anteriormente ao crime, de acordo com o disposto no § 5º do art. 217-A, inserido pela Lei n. 13.718/18.
No mesmo sentido é o disposto na Súmula 593 do Superior Tribunal de Justiça: “O crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente”.
A nova Lei n. 14.069/20, que já está em vigor, criou o referido Cadastro Nacional de Pessoas Condenadas por Crime de Estupro no âmbito da União, cadastro esse que deverá conter, no mínimo, as seguintes informações sobre as pessoas condenadas por esse crime:
I – características físicas e dados de identificação datiloscópica;
II – identificação do perfil genético;
III – fotos;
IV – local de moradia e atividade laboral desenvolvida, nos últimos 3 (três) anos, em caso de concessão de livramento condicional.
Além disso, a lei estabeleceu que instrumento de cooperação celebrado entre a União e os entes federados definirá o acesso às informações constantes da base de dados do Cadastro e também as responsabilidades pelo processo de atualização e de validação dos dados inseridos na base de dados.
Com relação aos custos relativos ao desenvolvimento, à instalação e à manutenção da base de dados do referido cadastro, serão suportados por recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública. O Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), instituído no âmbito do Ministério da Justiça, tem o objetivo de apoiar projetos na área de segurança pública e prevenção à violência, enquadrados nas diretrizes do plano de segurança pública do Governo Federal.
Portanto, o nosso País deu mais um importante passo no sentido de cadastrar, identificar e monitorar pessoas condenadas por estupro, a exemplo do que já acontece em países como Estados Unidos (com cadastros em vários estados da federação), França (Arquivo Judiciário Nacional dos Autores de Crimes Sexuais - Fijais), Reino Unido, dentre outros, possibilitando às autoridades encarregadas da persecução penal a utilização de mais uma importante e valiosa ferramenta, não apenas de prevenção, como também de efetiva e eficaz identificação de agressores e consequente repressão a este abominável delito sexual.
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