Boate é condenada a pagar indenização a companheira por morte ocorrida dentro do estabelecimento

20/12/2016

Por Redação- 20/12/2016

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, manteve sentença condenatória  em ação de indenização por danos morais proposta pela companheira que perdeu seu companheiro assassinado dentro de uma Pousada Danceteria.

A boate terá que pagar 2/3 do valor referente aos rendimentos da vítima, desde a data do óbito até quando ela completaria 65 anos.

De acordo com a autora,  o companheiro, que era eletricista de automóveis e de quem ela dependia financeiramente, foi assassinado nas instalações da boate, com dois tiros, diante de falhas do sistema de segurança que permitiu que o autor do disparo ingressasse armado.

A Boate, em sua defesa, sustentou que o autor do assassinato já entrou na casa noturna com a intenção de matar sua vítima, portanto o fato de ter havido uma falha de segurança não imputava à boate a responsabilidade universal pelo crime.

Para o  relator do recurso, desembargador Saldanha da Fonseca,  houve negligência da boate ao permitir que uma pessoa entrasse armada na festa, fato que mantém o nexo com o crime ali ocorrido.

Ainda, de acordo com a decisão “a pessoa jurídica que exerce atividade do ramo de danceteria, promovendo bailes mediante cobrança de ingressos, está obrigada a manter serviço de segurança para assegurar a incolumidade física dos frequentadores”.

Confira o acórdão:

EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANOS MATERIAIS E MORAIS – HOMICÍDIO – DANCETERIA – CULPA – NEGLIGÊNCIA – SERVIÇO DE SEGURANÇA – INEFICÁCIA – RECONHECIMENTO – NEXO CAUSAL – CONFIGURAÇÃO – REPARAÇÃO PECUNIÁRIA – ADEQUADAÇÃO – REDUÇÃO – CONEXÃO – SENTENÇAS CONJUNTAS – VALIDADE.

A pessoa jurídica que exerce atividade do ramo de danceteria, promovendo bailes mediante cobrança de ingressos, está obrigada a manter serviço de segurança para assegurar a incolumidade física dos frequentadores. Por ter afirmado que possui detector de metais e todas as pessoas que entram são revistadas, admitiu que seu serviço de segurança, por ocasião do fato, se mostrou insuficiente e ineficaz para prevenir episódio violento em seu recinto, tanto assim que, uma pessoa foi assassinada por outra que ao recinto dançante adentrou portando arma de fogo. Portanto, contribuiu com negligência para o evento danoso, estando, em consequência, plenamente configurado o nexo causal entre sua conduta e esse evento, e se fosse melhor o esquema de segurança, o dano não teria ocorrido, como ocorreu, daí, pois, a sua obrigação de indenizar danos materiais e morais decorrentes. A reparação pecuniária por dano moral arbitrada de maneira adequada para o cenário dos fatos não carece de redução. São válidas as sentenças proferidas em processos conexos de forma conjunta, isso porque decidir de forma conjunta é decidir simultaneamente. Assim, se as decisões conjuntas são harmoniosas entre si, não contraditórias, a finalidade técnica da conexão foi cumprida, o que enseja concluir indevida a proposição de nulidade do processo por não ter sido proferida sentença única, porém sentenças conjuntas e não contraditórias, hipótese plena dos autos, que enseja a rejeição da preliminar de nulidade do processo.

Apelação Cível Nº 1.0525.14.001178-0/001 - COMARCA DE Pouso Alegre - Apelante(s): H.P.C. D. M LTDA

Apelado(a)(s): K .A.C.P.

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 12ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em REJEITAR A PRELIMINAR E NEGAR PROVIMENTO.

DES. SALDANHA DA FONSECA

Relator.

Des. Saldanha da Fonseca (RELATOR)

V O T O

Recurso próprio e tempestivo.

Preliminar

Nulidade do processo (f. 134-138)

A apelante argui a preliminar de nulidade do processo porquanto proferidas duas sentenças, em feitos conexos, conflituosas e contraditórias, devendo ser decretada a nulidade, para que seja proferida sentença una e simultânea, nos termos do art. 55, § 1º, CPC. Por conta do evento morte foram ajuizadas duas ações indenizatórias, a primeira pela mãe da vítima e a segunda pela companheira, e nesta ação foi reconhecida a conexão pela decisão de f. 119/120.

Inobstante o reconhecimento da conexão, o Juízo proferiu duas sentenças distintas, cujas fundamentações são contraditórias. O pedido (f. 466/468v.) de pensão mensal da mãe da vítima foi julgado improcedente por absoluta ausência de prova de dependência econômica alegada, enquanto igual pedido da companheira (f. 126-129) foi julgado procedente pela presunção da dependência econômica e dos rendimentos do falecido, dado de manifesta contradição.

Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta, salvo se um deles já houver sido sentenciado, de modo que não mais se admite decisões simultâneas, como previa o art. 105 do CPC/73, e mesmo quando se admitia, a fundamentação de ambas deve ser lógica e similar, sob pena de nulidade, a impor novo julgamento uno e simultâneo. As sentenças são contraditórias quanto à dependência econômica e supostos rendimentos que seriam auferidos pelo falecido, tendo sido decidido pela inexistência de prova da dependência econômica cujo ônus é do autor para, depois, presumi-la, devendo a sentença recorrida ser declarada nula, para que outra seja proferida de forma una e simultânea.

A revelia não importa em presunção da dependência econômica da companheira da vítima, mormente porque a conexão entre as ações impede os efeitos da revelia, uma vez que o fato dependência econômica foi impugnado na contestação ofertada na primeira ação distribuída. A não decisão conjunta e conflituosa de feitos conexos violou o disposto nos artigos 55, § 1º, 369 e 371 do CPC.

O § 1º do art. 55 do CPC determina a reunião dos processos de ações conexas para decisão conjunta, salvo se um deles já houver sido sentenciado (Súmula n. 235 do STJ). A finalidade, portanto, é a reunião das ações conexas para evitar decisões conflitantes, tanto que devem ser julgadas pelo mesmo juiz, na mesma sentença.

A questão técnica aqui surgida é saber se às sentenças proferidas de forma conjunta, em processos conexos, são válidas ou não. Compreendo válidas as sentenças proferidas em processos conexos de forma conjunta (apesar de válida a hermenêutica de decisões na mesma sentença), isso porque decidir de forma conjunta é decidir simultaneamente.

Assim, se as decisões conjuntas são harmoniosas entre si, não contraditórias, a finalidade técnica da conexão foi cumprida, o que enseja concluir indevida a proposição de nulidade do processo por não ter sido proferida sentença única, porém sentenças conjuntas e não contraditórias, e sendo essa a hipótese dos autos, a rejeição da preliminar de nulidade do processo é de rigor, sendo imprópria a proposição de violação da norma dos artigos 55, § 1º, 369 e 371 do CPC. Aliás, de todo falsa a proposição da apelante de que a conexão impedem os efeitos da revelia, porquanto não encontra fundamento de validade na norma do art. 345 do CPC.

Rejeito a preliminar.

Des. Domingos Coelho - De acordo com o(a) Relator(a).

Des. José Flávio de Almeida - De acordo com o(a) Relator(a).

Des. Saldanha da Fonseca (RELATOR):

Mérito (f. 138-148)

A análise dos autos revela que a apelada requer em face da apelante uma tutela jurídica indenizatória por danos materiais e morais.

Alega que convivia em união estável com M.D.M, falecido em 14/09/2013 por hemorragia interna aguda, perfuração por projétil de arma de fogo. Apesar de qualificada no relatório do Inquérito Policial como esposa de M.D, na verdade conviviam em união estável. O assassinato do companheiro se deu numa festa que ocorria nas dependências do salão da danceteria da ré. O companheiro falecido se encontrava no estabelecimento comercial da ré para participar de uma festa quando foi assassinado por G.H.O.L que, por uma falha de segurança da ré, conseguiu adentrar ao salão portando arma de fogo.

Na qualidade de companheira do falecido dependia economicamente dele e era por ele sustentada, já que ele era quem pagava todas as despesas do casal. Com a mãe dele residiam. O falecido trabalhava como eletricista de automóvel auferindo renda média em torno de dois salários mínimos, sendo devida pensão mensal correspondente a 2/3 do salário da vítima até a data em que completaria 64 anos de idade, com constituição de capital para garantia do pagamento. Em razão do homicídio requer o pagamento de reparação pecuniária por dano moral de R$203.400,00.

Pedidos julgados procedentes para condenar a ré a pagar à autora, a título de danos morais, a importância de R$80.000,00, com correção monetária calculada pelos índices divulgados pela Corregedoria Geral de Justiça e juros de mora de 1% ao mês, ambos a partir da data da sentença; condenar a ré a pagar à autora pensão mensal equivalente a 2/3 dos rendimentos da vítima, a serem apurados em liquidação de sentença, desde a data do óbito (14/09/2013 (f. 16)) até a data em que a vítima completaria 65 anos de idade (12/03/2058 (f. 17)), sendo que as parcelas vencidas deverão ser atualizadas pelos índices divulgados pela Corregedoria Geral de Justiça, com juros de mora de 1% ao mês, desde o evento danoso (Súmula 54, STJ), que se deu também no dia 14/09/2013, com a constituição de capital ou caução fidejussória, para a garantia do pagamento da pensão; condenar a ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios de 20% sobre o montante da condenação (f. 126-129).

A apelante sustenta que inexiste relação de consumo no evento danoso, uma vez que o simples fato de ter ocorrido nas suas dependências, não a transforma responsável universal, sendo a responsabilidade subjetiva e não objetiva, já que inexiste falha na prestação de serviço. Não existe nexo de causalidade, já que o evento morte se deu por culpa exclusiva de terceiro e não por falha de segurança no local. O autor dos disparos de arma de fogo já saiu com deliberado intento de matar, pouco importando o local onde ocorreria o homicídio. O evento morte se deu por culpa exclusiva do autor dos disparos, sem participação alguma de terceiro.

A danceteria possui detector de metais e todas as pessoas que entram são revistadas, mas diante do animus necandi que dominava o autor do homicídio, nada evitaria a morte que ocorreria de qualquer forma e em qualquer lugar. Não há nexo de causalidade entre o local dos disparos e o assassinato, diversamente do que decidiu a sentença recorrida. Não existiu falha na segurança que pudesse ter contribuído para o evento criminoso, e a prova oral demonstra de forma objetiva que tomou todos os cuidados necessários para a segurança dos usuários da danceteria, inclusive com revista pessoal e detector de metais. Inexistindo dependência econômica comprovada, esta não pode ser presumida, como decidido. Mantida a sentença requer a redução da condenação imposta a título de pensão mensal e danos morais, para que o evento não proporcione enriquecimento sem causa.

A procedência da ação foi bem decretada, pois a culpa da apelante, pelo evento que causou a morte do companheiro da apelada, ficou plenamente caracterizada.

A apelante exerce atividade do ramo de danceteria, promove bailes mediante cobrança de ingressos e está obrigada a manter serviço de segurança para assegurar a incolumidade física dos frequentadores.

Como a apelante afirma que a danceteria possui detector de metais e todas as pessoas que entram são revistadas, admitiu que seu serviço de segurança, por ocasião do fato, se mostrou insuficiente e ineficaz para prevenir episódio violento em seu recinto, tanto assim que, o companheiro da apelada foi assassinado por pessoa que adentrou na danceteria portando arma de fogo, segundo apurado, que estava dentro do seu tênis (f. 437-441, Volume 03/03).

Inadmissível, portanto, pretender atribuir o infausto acontecimento a fato de terceiro, uma vez que tinha conhecimento da obrigação de segurança e garantia de incolumidade física dos frequentadores.

Portanto, a apelante contribuiu com negligência para o evento danoso, estando, em consequência, plenamente configurado o nexo causal entre sua conduta e esse evento, ou, por outras palavras, fosse melhor o esquema de segurança da apelante e o dano não teria ocorrido, ou menores seriam suas consequências.

Neste sentido é a lição de Rui Stocco: "Nos seus efeitos, a excludente oriunda do fato de terceiro assemelha-se à do caso fortuito ou de força maior porque, num e noutro, ocorre a exoneração. Mas, como observa Caio Mário, para que tal se dê na excludente pelo fato de terceiro, é mister que o dano seja causado exclusivamente pelo fato de pessoa estranha. Se para ele tiver, de qualquer modo, concorrido o agente, por mínima que tenha sido sua ligação causal com o fato, não haverá isenção de responsabilidade: ou o agente responde integralmente pela reparação, ou concorre com o terceiro na composição das perdas e danos (Responsabilidade Civil cit., p. 300).

A propósito, escreveu Wilson Melo da Silva que "se o fato de terceiro, referentemente ao que ocasiona um dano, envolve uma clara imprevisibilidade, necessidade e, sobretudo, marcada inevitabilidade sem que, para tanto, intervenha a menor parcela de culpa por parte de quem sofre o impacto consubstanciado pelo fato de terceiro, óbvio é que nenhum motivo haveria para que não se equiparasse ele ao fortuito. Fora daí, não. Só pela circunstância de se tratar de um fato de terceiro, não se tornaria ele equipolente ao casus ou à vis major (Da Responsabilidade, p. 105)” (Tratado de Responsabilidade Civil, 7ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, 191-192).

Quanto à indenização por danos materiais e morais a sentença recorrida não carece de qualquer reparo técnico. É que sendo a apelada companheira da vítima, não integrada ao mercado de trabalho, sendo por ele sustentada, proposição não infirmada pela apelante revel, decerto que faz jus a pensão mensal arbitrada de 2/3 dos rendimentos da vítima, a serem apurados em liquidação de sentença, desde a data do óbito (14/09/2013 (f. 16)) até a data em que a vítima completaria 65 anos de idade (12/03/2058 (f. 17)).

A reparação pecuniária por dano moral, que decorre da perda de uma pessoa querida, no caso, o companheiro, arbitrada de R$80.000,00, mostra-se adequada para o cenário dos fatos, fazendo com que o equilíbrio prepondere entre a reparação devida e efeito reflexo esperado em relação à apelante. Note-se que a apelante tem o dever de reparar um evento danoso de grau social máximo relacionado à integridade física de um cliente, perda da vida, em relação à companheira, sem que isso possa ser dito fato gerador de enriquecimento sem causa. É que "Os danos morais indenizáveis devem assegurar a justa reparação do prejuízo sem proporcionar enriquecimento sem causa do autor, além de sopesar a capacidade econômica do réu, devendo ser arbitrável à luz da proporcionalidade da ofensa, calcada nos critérios da exemplariedade e da solidariedade" (REsp 1.124.471/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 1º/7/10).

Dispositivo

Com tais razões, NEGO PROVIMENTO à apelação, para confirmar a sentença recorrida.

Custas pela apelante.

Des. Domingos Coelho - De acordo com o(a) Relator(a).

Des. José Flávio de Almeida - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "REJEITARAM A PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO."

Fonte: TJMG

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