Boa notícia em tempos sombrios: o Supremo Tribunal Federal decidiu que cabe habeas corpus em substituição a recurso

28/08/2015

Por Rômulo de Andrade Moreira e Alexandre Morais da Rosa - 28/08/2015

Finalmente o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu ser possível a substituição do Habeas Corpus por recurso, após idas e vindas... A decisão deu-se no julgamento do Habeas Corpus HC 127483, um dos réus na operação Lava-Jato, contra ato do ministro Teori Zavascki que homologou o acordo de delação premiada de Alberto Youssef, onde, foi decidida questão preliminar sobre o cabimento de HC contra decisão monocrática de ministro do STF. Diante do empate com 5 votos em cada sentido, o pedido foi admitido e o mérito do HC será julgado pelo Plenário. A Procuradoria Geral da República se manifestou no sentido do não conhecimento do HC, por entender que poderia ter sido interposto agravo regimental contra a homologação na qualidade de terceiro prejudicado. Em voto na questão preliminar sobre a admissibilidade do recurso, o ministro Dias Toffoli, relator do HC, observou que a Constituição Federal, em seu artigo 102, assegura a impetração de habeas contra atos do presidente da República, dos presidentes da Câmara e do Senado, do procurador-geral da República e até mesmo do Supremo Tribunal Federal. O entendimento foi seguido pelos ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski. O ministro Marco Aurélio salientou que, não importa contra qual ato, para o conhecimento do habeas basta apenas que seja relatado fato que se suponha estar à margem da ordem, não necessitando nem mesmo que o impetrante seja advogado. Observou também que, embora o acusado pudesse ter ajuizado agravo regimental contra o ato do ministro Teori, este recurso não teria efeito suspensivo como o habeas.A divergência foi aberta pelo ministro Edson Fachin, que entende não ser admissível habeas corpus em substituição a recurso ordinário. Segundo ele, o acusado, por não ser parte na delação tinha à sua disposição o agravo regimental como terceiro prejudicado mas, em seu lugar, optou pelo habeas corpus. Seguiram esse entendimento os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármem Lúcia.

Notícia alvissareira!

Após inúmeras decisões defensivas, finalmente alguma que não fez tabula rasa da mais cara garantia constitucional. Como se sabe, o habeas corpus deve ser necessariamente conhecido e concedido sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, pois se visa à tutela da liberdade física, a liberdade de locomoção do homem: ius manendi, ambulandi, eundi ultro citroque. Como já ensinava Pontes de Miranda, em obra clássica, é uma ação preponderantemente mandamental dirigida “contra quem viola ou ameaça violar a liberdade de ir, ficar e vir.”[1]

Nada obstante a decisão ter siso relativa a um Agravo Regimental, por força de raciocínio (lógico e jurídico), deve ser estendido a casos em que cabível seria o Recurso Ordinário Constitucional. Portanto, resta superada aquela “horrorosa” jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Federal que não admitia o Habeas Corpus como substitutivo do referido recurso constitucional. O retrocesso estaria superado? Devemos aguardar os próximos capítulos ou exigir coerência?

Afinal de contas, como dizia Celso Ribeiro Bastos “o habeas corpus é inegavelmente a mais destacada entre as medidas destinadas a garantir a liberdade pessoal. Protege esta no que ela tem de preliminar ao exercício de todos os demais direitos e liberdades. Defende-a na sua manifestação física, isto é, no direito de o indivíduo não poder sofrer constrição na sua liberdade de se locomover em razão de violência ou coação ilegal.”[2]

Aliás, desde a Reforma Constitucional de 1926 que o habeas corpus, no Brasil, é ação destinada à tutela da liberdade de locomoção, ao direito de ir, vir e ficar.

Ademais, não há falar-se em uma suposta sobreposição quando se está em jogo a presunção de inocência, que acode a todos nós. Não por menos, Julian Lopez Masle e Maria Inês Horvitz afirmam que “(...) el principio de inocência no excluye, de plano, la posibilidad de decretar medidas cautelares de carácter personal durante el procedimiento. En este sentido, instituiciones como la detención o la prisión preventiva resultan legitimadas, en principio, siempre que no tengan por consecuencia anticipar los efectos de la sentencia condenatória sino asegurar fines del procedimiento[3]

Independentemente do julgamento do mérito (com o qual, aliás, não concordamos), pelo menos a questão preliminar foi uma boa noticia para o Estado Democrático de Direito. Esperamos, então, coerência.


Notas e Referências:

[1] História e Prática do Habeas Corpus, Vol. I, Campinas: Bookseller, 1999, p. 39.

[2] Comentários à Constituição do Brasil, Vol. II, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 312.

[3] Derecho Processual Penal Chileno,  Tomo I,  Santiago do Chile : Editorial Jurídica de Chile, 2003, p. 83.]


Rômulo Moreira

Rômulo de Andrade Moreira é Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.

 

Alexandre Morais da Rosa é Professor de Processo Penal da UFSC e do Curso de Direito da UNIVALI-SC (mestrado e doutorado). Doutor em Direito (UFPR). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Juiz de Direito (TJSC).

Email: alexandremoraisdarosa@gmail.com  Facebook aqui         

 


Imagem Ilustrativa do Post: Bandeira do Brasil// Foto de: George Vale // Com alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/ge_photo/3896744309 Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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