As incongruências da previsão do Juiz de Garantias no PL do Novo Código de Processo Penal

29/07/2017

Por Vinícius Ferraz de Andrade Simões – 29/07/2017

O devido processo penal está edificado, dentre tantas outras vertentes, na imparcialidade do juiz, que desempenha atividades cognitivas sobre o caso penal, lastreando seu juízo sobre as provas e as regras jurídicas, mormente a observância da regra processual do estado de inocência, que importa – ou deveria importar – na rigidez do ônus probatório.

Tendo isso como premissa, importa recordar que a imparcialidade querida pela Constituição Federal, não é somente aquela que busca afastar o juiz de um caso criminal, por amizade ou inimizade com as partes, mas também daquele que, tendo acesso a informações não queridas pela Constituição Federal – conhecimento de uma prova ilícita, por exemplo - sofre de absoluto (pré)juízo cognitivo, pois aí já não mais vigerá a regra jurídica, mas a humanidade inata ao magistrado, como debatido por Maria Salegretti.

Neste cenário, sobressai a previsão do Juiz de Garantias. Instituto por meio do qual o juiz, para o julgamento do caso penal seria diverso àquele que conhecesse das informações advindas da investigação e sobre ele decidisse eventual medida cautelar. É dizer: proposta a Ação Penal, estar-se-ia diante de um novo juiz para o conhecimento, aí sim, de provas a serem produzidas, a fim de embasar um juízo condenatório ou ratificar o juízo absolutório.

Essa previsão que, na América Latina, não é nova, resta inscrita entre os artigos 14 a 17 do Projeto de Lei Original nº 8045/2010, mas com alguns problemas que podem aparecer, a partir da sua implementação.

No artigo 15, do PL Original reside um problema acerca da matéria, com um desdobramento. Vejamos: o §3º deste artigo prescreve que “os autos que compõem as matérias submetidas à apreciação do juiz das garantias serão apensadas aos autos do processo”.

Ora, o juiz das garantias, de acordo com o texto do Novo Código de Processo Penal, seria responsável por monitorar o cumprimento dos direitos individuais dos investigados, exatamente no curso de uma investigação criminal. Com esta previsão retoma-se a discussão, protagonizada, no Brasil por Aury Lopes, do prejuízo cognitivo sofrida pelo Magistrado que tem contato com peças de informações derivadas de um procedimento administrativo, no qual a defesa, não é ampla e o contraditório, por algumas vezes, é diferido.

Em síntese: estaríamos diante de um juiz, na investigação, concebido para zelar pelos direitos do investigado, mas este investigado estaria jungido às informações da investigação criminal. Ou seja, a precariedade do direito de defesa, na fase investigativa, poderia trazer dissabores, na fase de processo, uma vez que, embora não pudesse respaldar um édito condenatório, a valoração das provas, por exemplo, já não mais se pautaria pela força da inocência, mas pelo senso incontrolável de humanidade do magistrado.

Mas este não é o único problema, o §2º do mesmo artigo 15 atrai para si um desdobramento do que se expôs supra: a possibilidade de reexame das medidas cautelares em curso à vista - por conta do permissivo no §3º - das peças informativas da investigação criminal.

Ou seja, um acusado que durante toda a fase investigativa teve sua liberdade ambulatorial restringida apenas por cautelares diversas ao cárcere, poderá, no curso do processo, ser preso pelo juiz processante. Isso não aconteceria, entretanto, se o novo juiz não tivesse acesso às informação da investigação, que, em absoluto: nada servem ao processo!

Interessante notar que no Chile isso não acontece com o Juiz das Garantias. Lá, não se controla a legalidade da investigação e as Garantias Fundamentais do acusado, pelo seu passado, nem ele será julgado com base em informações pretéritas, advindas exclusivamente da acusação.

Toda instrução é processada, em um Juízo Oral, em uma oralidade efetiva, na qual o ônus probatório é tão notório que o Ministério Público, se quiser ouvir uma testemunha receosa da sua identificação, tem o dever de buscar técnicas para esconder a identidade desta.

Não há papel em um processo penal banhado à Oralidade. Não há ouvidos para somente uma das partes. As provas valem pelo quanto provam, não por quem as produz!

A previsão do Juiz das Garantias, no futuro Código de Processo Penal, é louvável, mas há distorções que precisam ser aparadas, agora, na fase legislativa.

Estando ciente de que é preciso um novo juiz para o processo, não é necessário que informações advindas da investigação criminal fulminem a imparcialidade do juiz e, por consequência, o devido processo penal.


Notas e Referências: 

BRASIL. Projeto de Lei nº 8045/2010. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=49026 3, acessado em 23 de Julho de 2017.

CHILE. Ley 19696/2000. Disponível em: https://www.leychile.cl/Navegar?idNorma=176595, acessado em 25 de Julho de 2017.

GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo penal. São Paulo: Editora Atlas. 2ª Edição. 2015

LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva. 13ª Edição. 2016.

MARICONDE, Velez. Estudios de Derecho Procesal Penal. Tomo II. Córdoba: Universidade Nacional de Córdoba. 1956.

SALEGRETTI, Maria Edith Camargo Ramos. A inconveniência jurídica da inadmissibilidade das provas ilícitas, pelo seu mero desentranhamento físico dos autos e pela continuidade do juiz que dela tiver conhecimento à frente do processo. Reflexos da questão na persecução penal dos crimes de natureza econômica. Revista Brasileira de Ciências Criminais. N. 117. V. 23, 2015, p. 203-240.


Vinícius Ferraz de Andrade Simões. . Vinícius Ferraz de Andrade Simões é Graduando em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Associado ao IBCCRIM. E-mail: vinniferraz2007@hotmail.com . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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